A
renúncia do Santo Padre é um ato nobre e altruísta exercido para o bem da
Igreja, a
qual ele amou e serviu por décadas. A renúncia, anunciada esta manhã e marcada
para acontecer efetivamente no dia 28 de Fevereiro, embora surpreendente para
quase todo mundo, não é algo completamente sem precedentes. Vários papas já
renunciaram, incluindo Gregório XII no
século 15, em meio ao cisma do Ocidente; e, mais notoriamente, Celestino V, o qual foi “literalmente”
designado ao inferno na obra de Dante Alighieri por sua renúncia em 1249. Mais
recentemente, houve especulação na época em que o beato João Paulo II, quando começou
a apresentar sinais de declínio em sua saúde por causa do mal de Parkinson, mas
João Paulo optou por continuar trabalhando, dando um testemunho a todos sendo
sinal do sofrimento humano. O papa está velho e doente, dizia
João Paulo frequentemente, mas seu sofrimento é parte da condição humana. Para
mim, foi um testemunho comovente do desejo de João Paulo de servir mesmo em
tempos de dificuldades.
O
Papa Bento XVI vê as coisas de uma forma diferente. Em seu anúncio de hoje, ele apontou
explicitamente o declínio de sua saúde como o motivo de sua renúncia: Eu cheguei à conclusão de que minhas forças,
devido à idade avançada, não são mais adequadas para o condizente exercício de
minhas funções. Ele continuou: No
mundo de hoje, sujeito a tão rápidas mudanças e estremecido por questões de
profunda relevância para a vida de fé, para que se possa governar a barca de
São Pedro e proclamar o Evangelho, tanto a
força do corpo como a da mente se fazem necessárias, forças essas que nos
últimos meses têm se deteriorado em mim ao ponto de que eu tenha que reconhecer
minha incapacidade para cumprir adequadamente o ministério a mim confiado.
Por
essa razão,
ele continua, e perfeitamente ciente da
seriedade desse ato, com plena liberdade, eu
declaro que renuncio ao ministério de bispo de Roma, sucessor de São Pedro.
A dramática renúncia do papa
parece que chocou a muitos no Vaticano, incluindo o porta-voz papal, Pe. Federico
Lombardi, SJ. O papa pegou-nos de
surpresa, disse ele. Um acontecimento similarmente surpreendente ocorreu
com o Papa João XXIII (1958- 1963), quando
anunciou a convocação para o Concílio Vaticano II, decisão a qual chegou não
após muita deliberação, mas sim, como ele declarou, algo que veio como uma flor de uma inesperada
primavera. Mesmo com toda a
burocracia do Vaticano, o papa ainda é dono do seu nariz.
Desde o ano passado, mais ou
menos, intensificou-se a especulação se Bento XVI tinha condições de levar a
frente seu trabalho da maneira como ele próprio gostaria. Viagens foram
encurtadas em várias ocasiões e mesmo suas aparições no Vaticano já eram feitas
com bases móveis para ajudá-lo a se locomover. Como qualquer pessoa em sua
avançada idade, ele teve que se perguntar se conseguiria ou não fazer seu
trabalho.
Anos atrás, o superior Geral dos
Jesuítas, Peter-Hans Kolvenbach, tornou-se o primeiro superior geral a
renunciar. É interessante lembrar que, o Pe. Kolvenbach, que também já
estava idoso e com sua saúde em declínio, certa vez confidenciou aos seus
conselheiros Jesuítas que seria difícil conseguir de João Paulo II a aprovação
para sua renúncia, já que o próprio João Paulo decidira não renunciar enquanto
Papa. O pedido de renúncia do Pe. Kolvenbach, feito a Bento XVI, que o aceitou,
deveria ter sido visto como um sinal da concordância de Bento com essa decisão.
Assim, o Papa Bento XVI e o Papa
João Paulo II chegaram a conclusões totalmente diferentes para uma mesma
questão: pode um papa doente renunciar? Para
João Paulo, a imagem do papa sofredor, doente, era de um grande valor
espiritual para seu rebanho; Para Bento, o trabalho simplesmente tem que ser
feito. Discernimento sempre é algo muito pessoal; e é importante ver como dois santos homens chegaram a duas decisões
inteiramente distintas. Deus fala de forma diferente a diferentes pessoas
enfrentando a mesma questão. Na vida dos santos, por exemplo, frequentemente
vemos como uma mesma situação é tratada de forma diversa por santos diferentes.
Quando São Francisco de Assis padeceu de uma doença nos olhos, causada, diziam
os médicos, pelo excesso de lágrimas durante a Missa, São Francisco decidiu que
deveria continuar indo às missas e chorar. Quando Santo Inácio de Loyola enfrentou problema
semelhante com seus olhos, os médicos o alertaram e ele decidiu diminuir suas
devoções, de modo a ter saúde suficiente para cumprir seus trabalhos. Os dois estavam respondendo ao que sentiam
ser a vontade de Deus em suas vidas. O Papa também demonstra uma grande
liberdade espiritual em sua renúncia, o que Santo Inácio chama de liberdade diante
de afeições desordenadas. Raras são as pessoas hoje em dia que
renunciam a tanto poder, voluntariamente!
O Papa Bento XVI poderá ser
lembrado como o papa que, em seu curto pontificado, procurou reforçar a ortodoxia
da igreja em uma diversidade de meios, como autor de várias e importantes
encíclicas, notável por sua profundidade teológica e de conhecimento, que
manteve um grande número de aparições públicas, e que, apesar de sua agenda
cheia, publicou três livros muito bem
recebidos pela crítica e pelo público acerca da vida de Jesus. Nunca foi um
“superstar” da mídia, como seu antecessor, mas Bento XVI, que foi um erudito a
vida inteira, exalava seu carisma próprio, que advinha de sua perspicaz
profundidade teológica e de seu relacionamento pessoal com Jesus.
Seu
legado mais duradouro, eu assim gostaria de sugerir, não estará nas várias “manchetes”
que alguns dos atos de seu papado produziram na mídia (como a longa negociação
para o desmantelamento da Sociedade de São Pio X, suas duras ações contra o
fundador dos Legionários de Cristo, pelas acusações de abuso sexual, ou a
revisão da tradução inglesa da missa e do missal, ou sua resposta pessoal para
a crise dos abusos sexuais ou a controvérsia sobre os comentários que
enfureceram os muçulmanos...), mas algo muito mais pessoal: seus livros sobre Jesus. Provavelmente,
muitas mais pessoas lerão esses testemunhos comoventes sobre a pessoa que está no centro de sua vida: Jesus
de Nazaré, do que lerão todas as suas encíclicas juntas. Alguns poderão
discordar sobre esse aspecto de seu pontificado, mas nesses livros, o papa traz
décadas de estudo e oração para a
pergunta mais importante que um cristão pode fazer: Quem é Jesus? Essa é a função principal do Papa –apresentar
Jesus às pessoas- e o Papa Bento XVI fez isso muito bem. Tradução: Francis
Franco (francisfranco@gmail.com)
(cf. America Magazine/11/FEV/2013 (http://americamagazine.org/content/all-things/popes-legacy)
E você, o que acha do legado do Papa Bento XVI?
Um papa guardião da fé. Evidente que suas encíclicas, discursos... enfim, todo seu trabalho pastoral versou sobre a necessidade da fé no Cristo, em um mundo líquido, marcado pelo relativismo e pela falta de referenciais. Queria ele que Cristo fosse o grande referencial da humanidade. Faço a ressalva de que, contudo, Bento XVI, ao defender a fé, o fez de modo dogmático. Acreditou que a novidade na Igreja (especialmente no campo da moral e do ecumenismo) seria um risco para a fé. Não soube conciliar uma fé enraizada na vida com as mudanças de paradigmas de nosso mundo pós-moderno. Bento XVI fez um grande papado, mas um papado que permaneceu, infelizmente, no século passado.
ResponderExcluirPessoalmente acho que ele fez o que o coração mandou....Sua obra é a obra da Igreja católica... Não acho nada sobre essa obra, que é apenas feitas por homens e pela história humana...
ResponderExcluirEle está certo! Enquanto ele pôde, ele fez! Muita humildade mesmo da parte dele reconhecer que já não tem mais condições de dar o seu melhor, e deixar que outro continue...
ResponderExcluirCONCORDO!
ResponderExcluirTomou uma decisão que só o enobrece!
ResponderExcluirTudo tem a hora certa... Todos nós somos humanos... Nós paramos também nas nossas funções... Eu já parei porque não tive forças para continuar... Assim como eu, você, ele... E tem razão porque sua missão é para o mundo todo... Que grande responsabilidade!... Ele fez o que o corpo pediu e Deus mandou... E por que não Deus acima de tudo?...
ResponderExcluirO Santo Padre sabendo da enorme responsabilidade que tinha no comando da Igreja, e vendo suas forças irem embora, tomou a decisão de não prejudicá-la. Que Deus o abençoe. Rezemos para que um novo Papa venha com muita saúde para comandar os destinos da Igreja e para enfrentar os problemas que aparecem, com força, rigor e caridade...
ResponderExcluirMinha opinião? Um homem muito abençoado que não foi egoísta; corajoso, fiel à Igreja Católica. Tenho muita admiração!
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