Senhor, mais uma vez nestas estepes da Ásia não
tenho pão nem vinho, nem altar, então eu me elevarei acima dos símbolos até
à pura majestade do Real, e vos oferecerei, eu, o vosso sacerdote e sobre o
altar da terra inteira, o trabalho e o sofrimento do mundo.
O sol acaba de iluminar, ao longe, a franja extrema do
primeiro oriente e, mais uma vez sob a toalha móvel de seus fogos, a superfície
viva da Terra desperta, freme, e recomeça seu espantoso trabalho. Colocarei, pois, sobre minha
patena, ó meu Deus, a messe esperada desse novo esforço.
Derramarei no meu cálice a seiva de todos os frutos que
hoje serão esmagados. Meu cálice e minha patena são as profundezas de uma alma
largamente aberta a todas as forças que, em um instante, vão elevar-se de todos
os pontos do Globo e convergir para o Espírito. Que venham, pois, a mim, a
lembrança e a mística presença daqueles que a luz desperta para uma nova
jornada!
Outrora, carregava-se para vosso Templo as primícias das
colheitas e a flor dos rebanhos. A oferenda que esperais agora, aquela de que
tendes misteriosamente necessidade cada dia, para aplacar vossa fome, para
acalmar vossa sede, não é nada menos do que o
crescimento do mundo impelido pelo devir universal.
Recebei, Senhor, esta Hóstia total que a Criação, movida
por vossa atração, vos apresenta nesta nova aurora. O pão, nosso esforço, não é em si, eu o sei, mais que uma
degradação imensa e o vinho, nossa dor, não é, ai de mim, mais que uma
dissolvente poção. Mas, no fundo dessa massa informe, colocastes – disso estou
certo, porque o sinto – um irresistível e santificante desejo que nos faz a
todos gritar, desde o ímpio ao fiel: Senhor, fazei-nos Um!
Porque, à falta do zelo espiritual e da sublime pureza de
vossos santos, deste-me, meu Deus, uma simpatia irresistível por tudo quanto se
move na matéria obscura, - porque irremediavelmente,
reconheço em mim, bem mais que um filho do Céu, um filho da Terra, -
subirei, esta manhã, em pensamento, às alturas, carregado das esperanças e das
misérias de minha Terra-Mãe; e lá, por força de um sacerdócio que somente Vós,
creio, me destes, - sobre tudo aquilo que, na Carne humana, se prepara para
nascer ou perecer sob o sol que se levanta, eu chamarei o Fogo.
O fogo, mais uma vez, penetrou na Terra. Não caiu ruidosamente sobre os cimos como o raio em seu
fragor. Força o Mestre as portas para entrar em sua casa? Sem abalo, sem
trovão, a chama iluminou tudo
por dentro. Desde o coração do menor átomo à energia das leis mais
universais, ela tão naturalmente invadiu, individual e conjuntamente, cada
elemento, cada mola, cada liame de nosso Cosmos que ele, poder-se-ia crer,
inflamou-se espontaneamente.
E agora, pronunciai
sobre ele, por minha boca, a dupla e eficaz palavra, sem a qual tudo desmorona, tudo se desata, em nossa sabedoria e
em nossa experiência, - mas com a qual tudo se reúne e tudo se consolida, a
perder de vista, em nossas especulações e nossa prática do Universo. Sobre toda
a vida que vai germinar, crescer, florescer e amadurecer neste dia, repeti: Isto é o meu Corpo. E,
sobre toda a morte pronta a corroer, fanar e segar, ordenai (o mistério de fé
por excelência!): Isto é o
meu Sangue.
Rico da seiva do Mundo, subo para o Espírito que me sorri
para além de toda conquista, revestido do esplendor concreto do Universo. E,
perdido no mistério da Carne divina, eu já não saberia dizer qual é a mais
radiosa destas duas bem-aventuranças: ter
encontrado o Verbo para dominar a Matéria, ou possuir a Matéria para atingir e
receber a luz de Deus.
Se o Fogo desceu ao coração do Mundo é, finalmente, para me
tomar e para me absorver. A partir de então, não basta que eu o contemple e que
por uma fé viva intensifique sem cessar seu ardor à minha volta. É preciso que,
depois de haver cooperado, de todas as minhas forças, com a Consagração que o faz jorrar, eu
consinta enfim na comunhão que
lhe dará em minha pessoa o alimento que ele veio finalmente procurar.
Cristo glorioso, influência secretamente difusa no seio da
Matéria e Centro deslumbrante em que se
ligam todas as fibras inúmeras do Múltiplo; Potência
implacável como o Mundo e
quente como a Vida; Vós que tendes a fronte de neve, os olhos de fogo, os pés
mais irradiantes que o ouro em fusão; Vos cujas mãos aprisionam as estrelas,
Vós que sois o primeiro e o último, o vivo, o morto e o ressuscitado: Vós que
reunis em vossa unidade todos os encantos, todos os gostos, todas as forças,
todos os estados: é por Vós que meu ser chamava com um desejo mais vasto do que o universo: Vós sois verdadeiramente
meu Senhor e meu Deus!
Senhor, encerrai-me no mais profundo das entranhas de vosso
Coração. E, quando aí me tiverdes,
abrasai-me, purificai-me, inflamai-me, sublimai-me, até a satisfação perfeita
de vossos gostos, até a mais completa aniquilação de mim mesmo.
Toda minha alegria e meu êxito, toda a minha razão de ser e
meu gosto de viver, meu Deus, estão suspensos a essa visão fundamental de vossa
conjunção com o Universo. Que outros anunciem os esplendores de vosso puro
Espírito! Para mim, dominado por uma vocação que penetra até ás últimas fibras
de minha natureza, eu não quero, eu não posso dizer outra coisa que os inúmeros
prolongamentos de vosso Ser encarnado através da matéria: jamais poderia pregar
senão o mistério de vossa Carne, ó
Alma que transpareceis em tudo o que nos rodeia!
Ao vosso corpo em toda a sua extensão, ao Mundo tornado por
vosso poder e por minha fé o crisol magnífico e vivo em que tudo aparece para
renascer, eu me entrego para
dele viver e dele morrer, ó Jesus!
* Teilhard de Chardin (1891-1955) nasceu na França. Padre
jesuíta, cientista (paleontólogo e geólogo), filósofo e teólogo participou de
expedições científicas. O texto da Missa sobre o Mundo foi redigido em 1923,
quando no deserto de Ordos, China, não podia celebrar
a Eucaristia.
Isto é ser um sacerdote.
ResponderExcluirSão Jerônimo dizia: "É melhor não falar do que falar pouco." A gente só pode calar diante dessas palavras que põem dentro de nós talvez aquela mesma "coisa" que fazia os mártires morrerem cantando. Obrigada por partilhar, Pe. Ramón. (Marta Almeida)
ResponderExcluirTEXTO LINDO E SUBLIME!!!
ResponderExcluirUM PRESENTE https://www.youtube.com/watch?v=ZL6bcrf7b9o&t=291s
Cada leitura que faço sobre os textos deste incrível ser humano que habitou nosso planeta no século passado, mais sinto o quanto estamos desprovidos de novos profetas da Palavra.
ResponderExcluir"Obrigado, meu Deus, por terdes, de mil maneiras, conduzido o meu olhar até fazê-lo descobrir a imensa simplicidade das Coisas!"
ResponderExcluirQuando cursei Pedagogia fui aluna do Professor Franco Montoro e um dos autores preferidos para estudo em suas aulas era Teilhard Chardin. Ler este texto foi um reviver daquele profundos momentos de estudo e reflexão.
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