Dor de uma mãe diante do seu filho morto...

E as palavras, não tem vida?
Depois de agonizar em praça pública com meu bebê durante este último mês, sinto que já estou atrasada para voltar à minha toca. Ela me chama!

Falei de muitas coisas nesse tempo. Queria encerrar falando de fé. Devo um fecho a vocês, amigos, que caminharam comigo...

Minha fé é simples. Por isso, dê o desconto. Não sou teóloga. Nem perto, nem coisa parecida, nada. Nunca desejei ser!

Vejo que, muitas vezes, uma sequência trágica e inesperada de eventos, sobretudo uma sequência que, em nossa fantasia, "poderia e deveria ter sido diferente", nos leva a tomar o resultado final desses eventos como inaceitável. Leva-nos a uma forma de tortura pessoal, esmiuçando em que falhamos imperdoavelmente por não termos conseguido reverter os fatos e modificar seu final.

Essa intolerância sobrevem, muitas vezes, na morte de um ser amado, quando achamos que falhamos em "mudar, como Deus, o rumo da história". Na morte de João Pedro… E se ele não tivesse sido contaminado? E se ele tivesse ido para outra UTI? E se?... E se?...

Falando em sequência trágica que poderia ter sido diferente, eu poderia mencionar, como magno exemplo, a crucifixão de Jesus, à luz da qual todas as outras sequências de eventos trágicos podem ser contemplados.

Tanta gente se pergunta: "por que Jesus morreu na Cruz por nós?" Mas pouca gente recorda que, antes de MORRER por nós, Ele VIVEU por nós… E, assim, morrer por nós era consequência lógica, perfeitamente encadeada...Mas sempre resta o espanto de ter sido numa Cruz!

Esta não-teóloga crê, muitas vezes, que a cruz, em si, não era condição de nossa salvação. Não era programada. Não era esperada. Foi um terrível acidente de percurso! Um ser apaixonado arrisca demais, arrisca tudo!… Foi algo que inúmeras circunstâncias foram tecendo até ser inevitável, mas não obrigatória.

"Mas os profetas predisseram!" Uai... os profetas bem podem ter predito COMO ACABARIA SENDO, e NÃO COMO DEVERIA SER.

Mas, se por um minuto, pensarmos que a cruz foi um trágico final para uma sequência de eventos absurda, que nunca deveria ter sido deflagrada, não é possível também deixar de nos admirar ao ver o que é a Cruz na nossa compreensão de hoje. Na nossa história de redenção. É
TODA A LUZ!… É a porta da graça, é o amor divino encarnado.

Deus morreu por amor... Gente!!! Isso não dá vertigem em vocês? A mim, dá!

E como foi, então, que um acidente virou glória e salvação? O amor de Deus fez esta transfiguração.

O amor de Deus encheu de luz o tropeço de Seu Filho. O amor de Deus encheu de significado o que era escândalo, derrota e absurdo. Fez disso tudo matéria-prima de Salvação. Isto é indizivelmente belo!

E assim é conosco. Nada na nossa vida se perde. Tudo é máximo valor e tesouro para Deus. Toda derrota, todo erro, todo absurdo, todo equívoco, todo tropeço, toda falha humana, tudo será transfigurado. Eu creio nessa expressão da Cruz de Jesus em nós.

Por isso, tendo perdido meu bebê numa sequência de eventos absurda, minha esperança segue viva e floresce. Por isso, minha paz é infinita. Por isso minha dor humana é amparada a cada instante pela Consolação Divina, que me ensina a separar joio de trigo entre a montanha do que é importante e eterno e o que não é mais do que palha seca...

Que João Pedro, através desta reflexão, deixe a todos, como dádiva preciosa, essa certeza cheia de paz: Tudo é valioso. Nenhum engano condena ninguém. Nossa vida e seu sentido estão nas mãos de Deus. Ele que faz novas todas as coisas e enxuga cada lágrima de nossos olhos. Amém.
Marta Vieira 

Um comentário:

  1. O que me emociona, a beleza que me toca nesta e em outras publicações suas, Padre querido, é aquilo que igualmente me toca na Verônica... Tão bela estação da Via Sacra!
    Num tempo, num lugar onde tudo é "happening", tudo é "reality show", tudo é alimento para a concupiscência dos olhos e nada mais, há quem veja com olhos de carne outro ser de carne; há quem saia da "multidão dos espectadores"para ser gente entre gente, para enxugar lágrimas, para dizer: "Eu vejo. Eu sinto. Eu estou aqui."

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