Os jesuítas chegaram ao Brasil em 1549, com o primeiro
Governador Tomé de Souza, ao
instituir-se o chamado Governo Geral. A instituição deste governo significava
uma modificação profunda na política da Corte portuguesa a respeito do Brasil.
Duma soberania meramente legal e duma presença delegada passava-se a uma
intervenção direta da Coroa na ocupação e governo da colônia. Até então se
ensaiara, como meio de ocupação, o sistema de capitanias hereditárias.
Até 1530, os reis de Portugal se tinham limitado, a respeito do
Brasil, a arrendar o direito de corte do brasilete (variante do pau-brasil) a
um Consórcio de Cristãos Novos, presididos por Fernando de Noronha, e a enviar
duas expedições de vigilância costeira, em 1516 e 1526, para expulsar piratas estrangeiros que, como tais, eram enforcados, por
intentarem comerciar nestas terras abandonadas.
Uma
vez que estas expedições relâmpago eram, evidentemente, insuficientes para
proteção de litoral tão vasto, em 1531, foi enviado Martim Alonso de Souza com
a missão, não só de policiamento, mas também de informação e começo de
assentamento. Em consequência de suas informações favoráveis, decidiu-se tomar
posse efetiva do território, por meio da instalação
de colônias, ao longo da costa.
Mal
podia Dom João III, asfixiado pela crise das finanças públicas, pensar em
lançar-se a uma empresa da magnitude da colonização do Brasil, mesmo em escala
reduzida. Mas dentro da experiência portuguesa, sempre flexível e pragmática,
existia o precedente da colonização
privada, mediante delegação do Estado: o sistema de capitanias hereditárias.
Seria aplicado também no Brasil tal sistema, já experimentado com êxito nas
ilhas atlânticas. Dez foram as doações
feitas entre março de 1534 e janeiro de 1536, distribuindo, arbitrária e
desigualmente, a costa do Brasil entre os donatários, desde o Amazonas até ao
sul de São Vicente. Conseguiram instalar-se, com maior ou menor sorte.
Fracassaram as do norte, Bahia, Ilhéus, Porto Seguro, Espírito Santo, não a de
Pernambuco e em parte a do sul, São Vicente.
A
experiência foi mostrando que os grandes sonhos, que tinham levado os
donatários e seus associados a arriscar grandes capitais na colonização, não se
realizavam. As enormes dificuldades da navegação, indígenas e corsários, além
da natureza tropical virgem, superavam as possibilidades de qualquer empresário
particular. Enquanto Pernambuco prosperava, por suas condições favoráveis de
proximidade a Portugal, fertilidade do solo e excepcional governo do donatário
Duarte Coelho, e um pouco, em condições mais modestas, também São Vicente, o
resto das capitanias se consumia lentamente. O fracasso e morte do donatário da Bahia, Francisco Pereira Coutinho,
devorado pelos índios, foi o sinal de alarme que determinou a intervenção
régia, criando o Governo Geral em 1548. O Governo Geral não vinha suprimir
os governos locais já existentes nas capitanias, vinha dar-lhes apoio, apoio
militar principalmente, contra ataques de índios e piratas, e criar uma
coordenação para a justiça, defesa e expansão.
Para
isto, o primeiro cuidado do novo Governador devia ser erguer uma cidade forte,
no centro, que servisse de sede ao novo governo, fazendo as vezes de uma
espécie de capital. Assim foi construída
a cidade do Salvador, na Bahia de Todos os Santos, que seria a sede dos
organismos centrais do governo, durante dois séculos: Governador e Capitão Geral, depois Vice Rei, Bispado (1551), primeiro
Colégio e Faculdade dos jesuítas (1564), Tribunal de Relação (1604). No
século XVIII, com o descobrimento e população das minas, o peso econômico e
humano se mudaria para o centro sul, e em conseqüência, pouco depois, Rio de
Janeiro passaria a ser a sede do Vice-Rei.
A
obra do Governo Geral se mostrou lenta: eram realmente muito reduzidos os meios
com que contava; mas foi tenaz e segura. Num primeiro momento conseguiu
sujeitar os índios da região da Bahia e auxiliar as capitanias periclitantes,
Ilhéus, Porto Seguro, Espírito Santo. Depois começou a expansão pelo litoral
que se prolongaria nos séculos seguintes. No
século XVII, se conquistaram ou ocuparam as novas capitanias do Rio de Janeiro
(1568), Paraíba (1583), Sergipe (1590), Rio Grande do Norte (1598). No
século seguinte, atingiu-se o norte com a conquista do Ceará e depois a região
amazônica, Maranhão e Pará. São Luís foi
tomada em 1615 e Belém fundada em 1616. No sul, se completava a expansão com a
ocupação de Santa Catarina: Desterro, hoje Florianópolis, foi fundada em 1748 e
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, em 1737.
A
extensão geográfica do litoral ocupado não deve fazer-nos esquecer a reduzida
profundidade e diluidíssima concentração humana. Durante o primeiro século, os núcleos coloniais, com exceção de São
Paulo, se situam todos na costa, com uma faixa de penetração dos engenhos e
fazendas até o interior, de muito poucas léguas. Os colonos, segundo a
comparação de frei Vicente do Salvador, pareciam caranguejos entre o mar e a
praia. Nas capitanias do Nordeste, os "curraleiros", vaqueiros criadores
de gado, iniciam a penetração lenta, seguindo a expansão dos seus rebanhos, ao
longo do Rio São Francisco, durante a segunda metade do século XVII, enquanto
nas capitanias do centro e do sul, a Serra do Mar continua sendo um obstáculo
insuperável.
A população, colonos, escravos e índios
das aldeias, devia aproximar-se dos cem mil, em 1600: oito mil lares e
famílias de brancos e mestiços, quarenta mil "negros de Angola e
Guiné" e vinte mil índios. Cem mil habitantes, perdidos em quatro mil
quilômetros de litoral, as pequenas vilas pobríssimas, com governo municipal, à
exceção de Salvador e Olinda, com mil
lares cada uma, não passavam de pequenos vilarejos, com menos de duzentas
famílias e algumas com menos de cinquenta. Separadas umas das outras por
enormes extensões desertas, sem comunicação terrestre entre si, constituíam o
que o historiador Frederico Mauro chamou "arquipélago brasileiro".
Um século depois, em 1700, a multiplicação dos engenhos de açúcar, possível pela
dilatação do mercado internacional deste produto, permitiu uma elevação
substancial da população que chegava a
600 mil habitantes. Porém este grande salto quantitativo e qualitativo, em
território e população, deu-se no século
XVIII com o descobrimento do ouro. Descobertas as primeiras minas, na
grande meseta central, durante a última década do século XVII, desencadeou-se
imediatamente a corrida do ouro, verdadeiro vendaval populacional, com as
proporções do tempo e do lugar, fenômeno que se repetiria mais tarde na
Califórnia, África do Sul, Austrália e Alasca. Desta forma são exploradas,
cortadas de caminhos e semeadas de vilas e acampamentos mineiros, as enormes
extensões de Minas Gerais (1690), Mato
Grosso (1718) e Goiás (1822).
Ao
mesmo tempo que se multiplicava o número, a mineração introduzia diversificação
fundamental, na população. Possibilitava a aparição de iniciante classe média,
de pequenos proprietários independentes, fonte da rígida polarização da
sociedade agrária de plantadores, com seus extremos contrapostos de grandes
proprietários, dependentes e escravos. Por isso e por sua forma de habitação, a sociedade mineradora apresenta um caráter
urbano, apesar do reduzido dos seus núcleos, em termos numéricos, de frente ao
caráter plenamente rural da sociedade do açúcar. A mineração, finalmente,
ao marcar um mercado consumidor dentro da colônia, que devia ser abastecido
pelas capitanias da costa, dá origem a uma poderosa corrente de comércio
interno, favorecendo a integração das unidades políticas, até então
justapostas, primeiro passo para a formação da nacionalidade. Perante ou ao
lado desta visão evolutiva da colonização, se deveria considerar a imagem
inversa. A colonização olhada sob o aspecto dos indígenas, que sofreram suas
conseqüências.
A
colonização do Brasil se apresenta como o choque de duas culturas...
Aos
missionários correspondia minimizar este choque
Por
este aspecto, a colonização do Brasil se apresenta sobretudo como o choque de duas culturas: a portuguesa e a
indígena. Este choque, o qual não é única e principalmente bélico, mas de duas concepções de vida, termina
inevitavelmente como tantas vezes ao longo da história, com degradação e
extinção final do mais fraco. Todo o avanço da frente colonizadora vai
precedido, acompanhado e certamente seguido da erradicação física e também
moral, mediante o processo da destribalização
dos indígenas, mortos em guerra, reduzidos à escravidão legal ou
disfarçada, dizimados por doenças contagiosas, obrigados a uma mudança rápida
demais de hábitos de vida, com alteração do metabolismo. Assim, os índios se extinguem num período de uma
ou duas gerações. Precisamente, na
interseção destas duas realidades, o assentamento da sociedade portuguesa
colonizadora e seu choque com a sociedade indígena preexistente, se encontra a
causa do envio dos jesuítas ao Brasil. Aos
missionários correspondia minimizar este choque, facilitando a incorporação
dos indígenas, mediante sua assimilação cultural.
Seria
injusto, além de falso, arguir de oportunistas ou hipócritas as constantes
declarações dos soberanos portugueses, nos documentos oficiais, de que seu
primeiro interesse era a dilatação da fé
e, em consequência, a conversão dos índios à religião cristã, verdadeiro
fundamento moral da conquista, e constituía a primeira das finalidades. Também
é verdade, porém, que esta dilatação da fé e conversão dos índios se
apresentavam identificadas com as aspirações de expansão e domínio. No
"Regimento" dado ao primeiro Governador Tomé de Souza, que serviu de
carta fundamental do Brasil durante três séculos, Dom João III declara que sua
primeira intenção é "o serviço de Deus e exaltação de nossa santa
fé", mas junto a isso se coloca "o serviço meu e proveito de meus
reinos e senhorios".
Por
outra parte, a configuração mental da
primeira época não permitia a contraposição destes dois aspectos. Era o
momento de formação das nacionalidades, e os reis se esforçavam em concentrar
em si o poder político do Estado: pensavam que não podiam deixar fora de sua
jurisdição um aspecto tão fundamental como a organização religiosa. Se, nos
Estados protestantes, é em virtude de um princípio, nos católicos é, pelo
menos, uma situação de fato, que o
príncipe é também o chefe da Igreja nacional.
A
respeito do Brasil, o direito de Padroado
do rei de Portugal tinha um alcance ilimitado. A justificação teórica se
fundava na explicação de que a
colonização do Brasil não era uma empresa dependente diretamente da Coroa
portuguesa, mas da Ordem de Cristo, e como Grão Mestre da Ordem de Cristo
correspondiam ao monarca os direitos do Padroado. De fato, a Coroa percebia diretamente o imposto ou a
contribuição de origem eclesiástica do dízimo, obrigando-se por sua parte à
sustentação econômica da Igreja. Bastaria esta circunstância para criar uma
total dependência.
Em
virtude, pois, desta trama de direitos e obrigações espirituais da Coroa, o rei
Dom João III, ao empreender a
colonização do Brasil, com a criação do Governo Geral, teve o cuidado de enviar junto com o Governador e os soldados, seis jesuítas
missionários, com a missão específica de dedicar-se à missão da conversão
dos índios. Diria seu sucessor Dom Sebastião: “Considerando eu a obrigação que
a Coroa de meus reinos e senhorios tem da conversão da gentilidade das partes
do Brasil... e vendo quão apropriado é este Instituto da Companhia de Jesus
para a conversão dos infiéis e gentio...” Hoje, não faltam censuras aos missionários e sua obra, por ter-se prestado a
este jogo híbrido, pois a evangelização, nestas circunstâncias, se apresentava
como parte integrante da conquista e dominação. A catequese muitas vezes
precedia e possibilitava a ocupação.
Certamente
os missionários jesuítas no Brasil, já
desde os começos, perceberam o duplo fio do seu trabalho: ganhavam membros para
a Igreja, mas também súditos para o rei; criavam novas cristiandades, mas,
ao mesmo tempo, abriam espaços para os engenhos e currais. Em suas cartas,
fazem notar, frequentemente, que sua ação era mais proveitosa para a Coroa e
para os colonos do que o poder das armas, mesmo para a expansão territorial e
segurança do Estado.
Porém,
isto nunca o consideraram, em princípio, um mal - podiam condenar o que
julgavam abuso de prepotência de autoridades e colonos -, mas um mérito. Levavam aos índios não só a salvação, mas
igualmente a civilização. Esta
aliança, quase diríamos personalizada, entre
os jesuítas e os monarcas portugueses, se manteve inalterada e forte durante
dois séculos. Para isso deve ter concorrido, além das vantagens mútuas, a
fidelidade da Companhia ao princípio monárquico e hierárquico.
Os jesuítas se firmaram rapidamente no
Brasil. À expedição de 1549 seguiram,
regularmente, outras: são 134 as
registradas até 1756. A estes jesuítas chegados do Reino ou de outras
Províncias da Europa, logo se somaram as vocações
locais. Assim foi possível um crescimento contínuo, quase sem interrupção,
até o corte violento da expulsão em
1759-60. Buscando uma periodização destes dois séculos de história,
tomaremos como fundamento as diversas fases de desenvolvimento da própria
instituição no país: entendendo o desenvolvimento de uma forma integral, tanto
no que diz respeito à organização interna da própria Ordem, como em sua
projeção externa, mediante sua ação social.
Quatro são as fases ou períodos que distinguiremos no desenvolvimento
interno e apostólico da Companhia no Brasil colônia:
1) O
primeiro período corresponde à chegada e instalação dos jesuítas no Brasil
e abarca uns vinte anos, de 1549 a 1569.
Tudo é novo e experimental, tanto na busca de formas de penetração entre os
índios, como no apostolado com os colonos portugueses. Neste momento a força das grandes personalidades é mais
importante que a ação coletiva. Estes anos podiam ser chamados com toda a
justiça "tempos heróicos" da
Companhia no Brasil.
2) O segundo
período (1569-1606) marca a passagem para a institucionalização. As formas feitas de apostolado, Colégios e Aldeias,
se impõem sobre a ação pessoal; as relações jurídicas, ordenações, regras,
constituições suplantam os vínculos pessoais. O problema econômico se agiganta
e impõe soluções drásticas; precisamente podemos assinalar, como data-limite
deste período, o ano de 1606, em que se toma a decisão de construir um engenho
próprio do Colégio da Bahia, como único meio de pagar as dívidas.
3) O terceiro
período ocupa o século XVII e vem marcado pelos grandes problemas externos,
e também internos, provocados pelo
rápido crescimento. No relacionamento dos jesuítas com a sociedade colonial, a tensão sempre presente entre os
missionários e os colonos, pelas atitudes antagônicas a respeito da
liberdade dos índios e as aldeias, adquire caracteres dramáticos com os
repetidos motins de moradores e municipalidades e a expulsão violenta dos jesuítas em várias capitanias. No
relacionamento interno, além dos problemas permanentemente suscitados pela
difícil situação dos padres residentes nas aldeias, aparecem fortes tensões,
nascidas do espírito nacionalista e crise de autoridade. Persiste ou aumenta o
problema das dívidas.
4) O quarto
período, que chega até a expulsão (1759), poderia ser considerado como uma plenitude tranquila, comparado com o
anterior: solucionaram-se os problemas mais ásperos com os colonos, ainda que
isto não se alcançou sem concessões sensíveis; superou-se o sufoco das dívidas,
mas não sem uma sobrecarga de pesada armação econômica, que vista de longe pode
parecer monumental. Superadas na prática as prevenções existentes, as vocações
locais superam cada vez mais, em número e importância, às chegadas de fora. É
importante destacar aqui o que vai implícito nesta periodização: as duas obras fundamentais da Companhia no
Brasil colonial. São as aldeias ou
reduções dos índios, obra de evangelização e civilização, e os Colégios, centros de ensino, mas
também de espiritualidade.
Isto
suposto, passemos a analisar cada um destes períodos, aqui simplesmente
esboçados.
TEMPOS HEROICOS
Nos primeiros anos, os jesuítas são, sobretudo, apóstolos
arrebatados, magníficas personalidades, que num meio áspero realizaram incrível
obra de renovação espiritual, sem outros meios do que o exemplo de uma entrega
ilimitada. Manuel da Nóbrega, Azpilcueta
Navarro, consumido em poucos anos por estremados esforços de apostolado, Luís da Grã, Brás Lourenço, Pedro Correia,
convertido de grande proprietário de escravos a primeiro mártir, Anchieta... Escreve o Pe. Antônio
Quadros de Lisboa, depois de uma entrevista com o ex-governador Tomé de Souza: O Brasil não era senão nossos Padres: “se
não estivéssemos ali, o rei não teria nada no Brasil. Claramente nos disse que
nós aqui (em Portugal) em comparação com os Irmãos do Brasil éramos maus e
homens em relação a Anjos que eles eram".
Isto
apesar de que, à exceção de Nóbrega e Grã, os demais eram de formação
intelectual muito superficial. O catálogo de 1568, vinte anos por tanto depois
de fundada a missão, nos mostra que só o Pe. Quirício Caxa estudara, além da
Filosofia, dois anos de Teologia. De resto, só três tinham estudado, parcial ou
totalmente, a Filosofia, algum outro "casos de consciência" ou moral
e dos três restantes, diz o catálogo: "estudou latim" e ainda alguns,
como Manuel Chaves e Afonso Brás: "Não estudou nada". A verdade é que
a formação filosófico-teológica deixava
muito que desejar. De Antônio Pires,
chegado entre os primeiros jesuítas, encarregado duas vezes do ofício de
Vice-Provincial, diz a história da fundação do Colégio da Bahia que, embora lhe faltassem letras para pregar com
a palavra, pregava com obras, dia e noite.
Porém,
não era por sua ciência, mas por seu talho moral é que se elevavam
verticalmente sobre o meio colonial de aventureiros e desterrados. Em 1586, o Pe. Antônio da Cruz, a quem o Visitador
Gouveia proibira pregar, por falta de preparação doutrinal, se queixava ao
Provincial, dizendo que tampouco os Padres antigos tinham letras e entretanto
pregavam. Não advertia como ficavam longe aqueles dias para a Companhia. Com
razão notava o Provincial Beliarte que “aqueles Padres antigos, que povoaram
esta Província, tinham muito crédito com a gente e muito saber natural e humano
de trato, com o que supriam tudo o mais, que a ele lhe falta”.
Esta
evidente falta de preparação intelectual - deixando a parte a compensação moral
-, se encaixava perfeitamente dentro da situação da colônia e da própria
Província jesuítica. A terra a que chegaram os jesuítas, em 1549, era terra
semi-selvagem, que exigia mais uma ressurreição moral do que luzes
intelectuais.
Dois eram os campos do seu apostolado,
ambos de verdadeira missão: índios e colonos portugueses. Buscando este duplo apostolado, os jesuítas, em pouco tempo, se tinham instalado em
todas as capitanias: em Salvador da Bahia, Ilhéus e Porto Seguro, em 1549,
em São Vicente, em 1550, e depois em São Paulo, em 1554, em Olinda de
Pernambuco e Espírito Santo, em 1551.
A
situação não podia ser mais dramática do ponto de vista da moral cristã. Escrevia Nóbrega da Bahia: faz sete e
dez anos que não se confessam e me parece que põem sua felicidade em ter muitas
mulheres. Casados e não casados, todos conviviam com suas escravas índias, que
às vezes passavam de vinte. "Ultra
equinociale, non peccatur" (Além do equinócio, não se peca), segundo o
adágio da época. Colonos, sacerdotes e até religiosos justificavam este
proceder, como o mais adaptado à terra.
O
choque dos jesuítas com esta situação foi violento e de efeitos fulminantes:
obrigar os não casados a casar e os já casados a despedir as concubinas. Assim
descrevia o ex-Governador Tomé de Souza ao Pe. Quadros a ação de Nóbrega e seus
companheiros: “Diz que olhava quantos homens e mulheres havia num lugar que
vivessem mal; sabidos, os repartia entre Padres e Irmãos e a cada um dava o
cuidado dos seus, os quais iam a um a exortar-lhe que deixasse seus pecados e
se confessasse, até o conseguirem e, se não o tivessem conseguido, começavam
desde o princípio outra vez, e tanto os importunam até se converterem a Nosso
Senhor”.
Os
frutos deste zelo foram mais aparatosos que duráveis. É difícil que pudesse ser
doutra forma, na promiscuidade dos engenhos e na proclive facilidade da grande
escravidão. Mas de todas as formas, salvava-se o princípio. O costume contrário
ficaria como um comércio oculto, sem nunca retornar à pública ostentação dos
primeiros tempos.
O
trabalho com os índios tampouco foi fácil nos primeiros anos. A vida seminômade das tribos impedia um
acompanhamento prolongado, e o pouco alcançado se desfazia sempre de novo. A
situação só se modificaria radicalmente com a chegada do terceiro Governador, Mem de Sá (1557-72), e suas
campanhas de sujeição dos índios da costa. Dominados os índios, se inauguraria
então o que podíamos chamar "era das aldeias". Enquanto isso, a
missão jesuítica se desenvolvia rapidissimamente. Juridicamente, passou a ser
constituída Província independente, em
1553. Em verdade, continuava dependendo de Portugal, no envio de sujeitos:
até 1568, chegaram nove expedições, com 42 Padres e Irmãos. Mas também é
verdade que, a essas alturas, se podia prever uma rápida independência da nova
Província. O catálogo de 1568 registrava 61 membros, 36 deles entrados no próprio Brasil; de um dos noviços, nota o
catálogo que era mestiço, "filho de índia", e já antes Nóbrega
enviara outro a formar-se em Portugal. Mas nisso se operaria sensível mudança,
no período seguinte, com a institucionalização. (Continuará)
(CF. Pe. Luís Palacin SJ in ITAICI 35 - Março 1999)
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