Espiritualidades condicionadas e condicionantes...


Na Igreja há diversas espiritualidades nascidas de experiências ‘fortes e significativas’ de algumas pessoas que consideramos santas. Santas, mas sempre humanas e sujeitas às instâncias inconscientes do Id ou do Superego.

Estas espiritualidades nascidas de experiências profundas se situam num desses princípios psíquicos que nos habitam: Id, Ego ou Superego. Uma curiosidade, assim como o Id rejeita instintivamente o Superego e este aquele, quem vive um tipo de espiritualidade enraizada numa dessas duas forças do inconsciente exclui sistemática e emocionalmente a outra. Isso é curioso e alarmante, pois facilmente nos rejeitamos não por razões, mas por emoções! Há pessoas que vivem a partir de suas dimensões inconscientes (Id e Superego) e suas espiritualidades se situam inconscientemente numa dessas formas. Nossas crenças são mais um jogo de seduções emocionais do que de convicções religiosas ou evangélicas!

As diversas espiritualidades tiveram (ou tem!) sua origem numa pessoa e época determinadas. Essas pessoas, como todos nós, experimentaram inconscientemente as forças do Id e do Superego, projetando-as nas suas propostas religiosas. Eles se expressaram mais numa dessas instâncias profundas inconscientes marcando, desse modo, a sua espiritualidade. Podemos dizer, então, que há espiritualidades enraizadas mais no Id, no Ego ou no Superego e isso se revela espontaneamente nas suas expressões religiosas.

Vamos ao assunto:

a) Espiritualidades inspiradas mais no Id. Se o Id compreende os instintos e os seus impulsos, os desejos e a afetividade podemos situar aqui as espiritualidades que se destacam principalmente por suas expressões afetivas e laços de pertença ancestral e emocional. Estas exibem, sobretudo, formas primitivas e externas de religiosidade popular, fraternidade universal e simplicidade de vida. Espiritualidades inicialmente atrativas, pois mexem inconscientemente com os arquétipos imenso mundo do Id.

Estas espiritualidades enraizadas no Id podem ser tachadas de primitivas e alienantes e os seus membros de ingênuos. Suas expressões religiosas carregam forte dose de sensualidade implícita, são volúveis e inconstantes quando não recebem as compensações emocionais esperadas. Quem vive “religiosamente” enraizado no Id sente necessidade de comandos claros e regras minuciosas dos seus superiores (Superego), para não ser engulido de vez pela voracidade e forças do próprio Id.

“Creia-me, vim com a intenção de trabalhar e fazer uma Faculdade... mas agora eu volto para casa, para poder ficar novamente junto com a minha família e o meu grupo de oração. Para mim é importante ficar mais um pouco com eles, curtir eles...”.

Com os horizontes fechados, a pessoa fica ensimesmada e infantilizada com o de sempre.
  
b) Espiritualidades inspiradas mais no Superego. Há espiritualidades com raízes no Superego. Elas dão segurança institucional aos seus seguidores, pois destacam fortemente como viver e agir. Elas são fortemente absorventes, como a figura paterna, legalistas, elitistas e conservadoras. Seguem normas externas e possuem forte sentido de pertença.

"Deus não pode estar contente com essa “grande misericórdia” do Papa com certos religiosos e padres que não seguem as normas de Roma. Esses padres não podem fazer o que eles querem! Tem que seguir estritamente o estabelecido! Se tudo é possível, perderemos logo a fé. Deus, senhores bispos, deu-lhes a autoridade e o báculo para serem usados com os desobedientes... Os que pregam outras coisas, fora!, que não fique nenhum nos quadros da Igreja, para não envenenar as ovelhas! Devem, senhores bispos, terminar de uma vez por todas com o “tudo é possível” na Igreja, pois se tudo é possível, nada vale. Os senhores, ficando calados, aceitam tranquilamente o relativismo absoluto reinante..."

Assim se expressava furioso um católico diante da diversidade legítima na Igreja. Estas pessoas, influenciadas por um fortíssimo Superego e não pelo Evangelho de Jesus, esquecem que, já nas origens da Igreja, havia quatro evangelhos e nem sempre eles coincidiam em tudo. A diversidade é saudável!

A reação espontânea de alguns fieis é a de adotar comportamentos infantis  e fundamentalistas diante das propostas neuróticas do Superego dos seus superiores. Obedecer à lei é mais importante do que amar a Deus!

Este tipo de religiosidade, baseada no cumprimento de normas, dá segurança a muitos que se sentem perdidos na barafunda das megacidades. Digam-me o que devo fazer para não perder a minha identidade! Parecem dizer. A identidade é dada pelo próprio eu e não por normas externas. Isto acaba com toda criatividade! A submissão, além de ser um mecanismo maquiavélico de controle, infantiliza seus seguidores.

c) Espiritualidades inspiradas mais no Ego. O Ego tem em conta os conteúdos do Id e não se deixa manipular pelo Superego. Há, pois, espiritualidades que surgiram (e surgem!) enraizadas nesta dimensão mais consciente e livre da pessoa.

Estas espiritualidades, como acontece também com o Ego, são malvistas e até apontadas negativamente pelas que seguem o Superego, sendo acusadas de libertárias e desobedientes por tratar os seus seguidores como pessoas adultas. Estas espiritualidades são solidárias e ecumênicas, coisa que as outras (Id e Superego) não conseguem, por se preocupar apenas com propostas auto-referenciais que pouco têm a ver com a lei da caridade fraterna. As espiritualidades baseadas no Ego não acusam nem condenam; apenas se colocam com fé e amor no seguimento do Senhor. 

"Não impomos a própria fé, nem moral, nem costumes... apenas propomos..."

As espiritualidades baseadas no Ego se destacam pelo serviço aos necessitados e o compromisso sócio-político e não tanto por compensações afetivas das suas necessidades. Parcerias fraternas com outros grupos, melhorias sociais e o uso da razão “crítica” diante da fé ingênua ou politizada de muitos são algumas das suas características. Estas espiritualidades são integrais e integradoras.

Com a compreensão tripartite popularizada pela psicanálise, podemos examinar melhor a nossa pratica espiritual e ver se ela é verdadeiramente integral e integradora ou apenas expressa o pior do nosso inconsciente. As espiritualidades baseadas fundamentalmente no Ego são capazes de proporcionar uma “experiência de Deus” não identificável com a negatividade “poderosa” do inconsciente, posicionando-se como abertas ao novo, sem perder por isso a sua identidade. Esta “fidelidade criativa”, livres e ao mesmo tempo em comunhão humana e eclesial, é a única opção possível para não sermos ingenuamente hedonistas ou estupidamente fanáticos.

O temperamento nos situa espontaneamente de uma forma (positiva ou negativa) diante da vida e na religião, por isso só quando experimentamos um “plus”, um “algo a mais” nos pensamentos, palavras e ações percebemos a presença do divino em nossa vida.

O inconsciente não é Deus, mas pode deixá-Lo transparecer na sua positividade e gratuidade.   

Uma pergunta: Sua espiritualidade tem as raízes mais no Id, no Ego ou no Superego?

2 comentários:

  1. Curti muito o seu artigo. Como é importante assumirmos o nosso eu com suas limitações, para podemos ansiar o que é pleno. É no REAL que nos abrimos e nos encantamos com PLUS...

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