O que fazer para virar poesia?
Marcar
a pele com desenhos ou furá-la com instrumentos pequenos é bem mais antigo e
primitivo do que pensamos. O “body piercing”, nascido 5.000 anos atrás
em culturas orientais, muda parcialmente o visual do nosso corpo, adornando-o
com a introdução de aros ou brincos. Sabemos também que algumas das nossas tribos indígenas
usam perfurações nas orelhas, no nariz ou nos lábios... Eles colocam fragmentos de pequenos ossos de animais para enfeitar-se ou se
defender dos maus espíritos ou de possíveis tragédias. Também os piratas,
pessoas marginais dos mares, adotavam essa prática no passado. Hoje em dia, o
uso de “piercings” virou até moda, tendo superado fronteiras e culturas as mais
diversas, uns como expressão de rebeldia e diferenciação numa sociedade
massificadora e outros como composição estética e até espiritualista.
A
Sagrada Escritura proíbe fazer cortes e tatuagens no próprio corpo: Não
fareis incisões em vossa carne por um morto e não imprimireis figuras em vossa
carne... (Lv 19, 28), mas não é
por isso que hebreus ou cristãos deixaram de fazê-lo. Outros grupos mais
sectários viram essa prática como uma abominação e influxo até maléfico. O
problema não é usar ou não um “piercing”, fazer ou não uma tatuagem, mas o
significado que a isso se quer dar.
Na prática da nossa pastoral vocacional
até faz bem pouco tempo, não havia vocacionados com “piercings” ou brincos nas
suas orelhas. Os jovens que então entravam
no Seminário ou nos nossos Noviciados provinham de grupos ou comunidades que
não usavam essas coisas, provavelmente por serem até mal vistas por eles mesmos
ou pelos padres das suas Paróquias e, possivelmente, até pelos próprios acompanhantes
vocacionais.
Com
a entrada no novo milênio essas barreiras ruíram e começaram a chegar jovens de
orelhas furadas às nossas comunidades religiosas. Eles traziam furos sobre tudo
na orelha esquerda ou, também, nas duas orelhas.
Não
entro na questão do que o “piercing” ou o brinco significou naqueles que um dia
o puseram: sentimento de rebeldia ou apenas um querer chamar a atenção sobre
si? Baixa auto-estima ou sinalização de uma maior autonomia diante dos pais e
colegas? Formar parte de um grupo ou tribo ou apenas uma moda? Qualquer uma
dessas variantes é possível e dependeu, evidentemente, das situações concretas vividas
pelos seus usuários. Contudo, queremos agora
apenas constatar o fato do seu uso e, ao mesmo tempo, da entrada desses jovens nas
instituições da vida religiosa. Essa chegada foi percebida por nós,
formadores do propedêutico e da etapa de formação inicial, como novidade, já que
até conseguimos individuar o fato. É verdade que esses vocacionados, entrados lá
pelo ano 2.000, foram até bem discretos, pois apenas tinham os furos nas suas
orelhas e não os brincos ou “piercings”
nelas. Creio serem bem poucos os seminaristas ou os padres que atualmente os usam.
No
início do ano de 2.005 começamos a verificar, igualmente, a chegada dos “tatuados” nas nossas instituições de
vida religiosa, coisa que até então não acontecera. Embora a tatuagem fosse
algo já frequente em muitos jovens, esses ainda não tinham chegado a bater nas
nossas portas como candidatos à vida religiosa. Esses “vocacionados tatuados” chegaram com desenhos “discretos”, geralmente letras chinesas ou japonesas, na perna
esquerda, perto do tornozelo. Pode ser que mais tarde cheguem também outros,
com desenhos mais ousados, desconfortantes e ambíguos.
Entretanto, parece-me haver uma diferença expressiva entre os “vocacionados com furos” e estes outros, os
“tatuados”. Se os vocacionados “com
furos” nas suas orelhas, mas sem brincos estão hoje nas nossas casas de
formação e seminários, os outros, os “tatuados
discretos” começam a chegar a elas. Entre eles há uma diferença: os tatuados não podem se desfazer facilmente
das marcas subcutâneas que carregam. As tatuagens inscritas na própria pele
são de per si indeléveis, embora seja possível reverter parcialmente esse
quadro com uma cirurgia a laser de alto custo.
Indelével significa permanente, que não
se apaga... Lembrei-me dos sacramentos
do Batismo, da Crisma e da Ordem (diácono, presbítero, bispo) que também são
irrepetíveis por serem indeléveis.
O
que é a tatuagem senão uma marca inscrita no próprio corpo por mãos humanas? O
que falta nesses jovens para perceber e entender que essas marcas, tão
orgulhosamente exibidas nos seus corpos, são uma sombra velada daquelas outras
“marcas” maiores, divinas e muito mais profundas, implantadas por Deus na
própria vida do cristão? Acaso as tatuagens não poderiam ser como um primeiro
passo para poder perceber e valorizar mais aquelas outras “marcas” indeléveis e
permanentes que o apóstolo Paulo tanto se vangloriava de exibir? “Eu
trago no meu corpo as marcas de Jesus” (Gl 6, 17). E também João,
discípulo predileto do Senhor, orgulhosamente dizia que nós, os cristãos “recebemos
a Sua marca na nossa fronte” (cf. Apc 14, 9).
Se
os jovens de hoje buscam “piercings”
e tatuagens as mais diversas, para serem ostentadas com altivez no seu corpo,
penso que não estão longe de chegar um dia àqueles outros significados maiores
da grafia de Deus, e descobrir em si
mesmos a “Teografia”, aquela escrita
divina, positiva, implantada não na pele, mas no mais fundo da sua própria vida
e história. Pena que alguns só conseguem perceber os sinais mais negativos
de sua vida, e não conseguem fazer uma leitura da sua história de salvação!
É preciso descobrir e entender esta “grafia” divina, as marcas de Deus na
própria vida, para experimentar o amor do Senhor. A vocação para a vida religiosa, por exemplo, é uma
dessas marcas positivas do amor do Senhor. Poderíamos até dizer que todo vocacionado é um “tatuado” por Deus e que deve exibir com orgulho essas marcas
divinas que foram, um dia, impressas na sua vida. Nosso corpo e nossa vida
mostram realmente quem nos tatuou.
O
vocacionado, com certeza, foi tocado e “tatuado”
misteriosa e interiormente por Deus. E as marcas de Deus, essas sim são para
sempre, pois “os dons de Deus e a vocação
são irrevogáveis!” (Rm 11, 29).
E você, o que acha dobre esse assunto?
"Interesante mirada Padre, me parece que hoy mucha juventud, necesitada de dolor, viven tan complacidos en sus hogares que pareciera necesitan sufrir en carne propia el dolor, tatuarse la piel no es simple, se sufre, sangran, hay dolor.
ResponderExcluirPero que bueno, si es mostrar a Cristo y la fe en él, me parece bien que lo hagan, crean un vínculo, y el Señor se vale de todo para llamar a sus hijos aunque no nos damos cuenta de ello. Es una señal. Bendiciones abundantes".
Excelente texto, Pe. Ramón.
ResponderExcluirGostaria apenas de acrescentar que, na história de nossa religião, ocorre, raramente, é verdade, de o próprio Deus marcar a pele de alguns filhos Seus com marcas específicas, que denominamos estigmas. O seráfico Pai Francisco de Assis é um dos mais expressivos exemplos de tal “tatuagem”. Já pensou se um marcado assim fosse discriminado em algum seminário ou comunidade religiosa?
Lembro, também, de uma bela religiosa, de pele negra como o ébano, chamada Irmã Rosa, que usa um vistoso dreadlock (cabelo artificial, tipo rastafári). Sua congregação tem como carisma o trabalho com migrantes e refugiados. Perguntei a ela se seu cabelo se constituiu óbice em sua vida e opção religiosa. Com um enfático “não”, Irmã Rosa me respondeu que o carisma de sua congregação prima, precisamente, por essa diversidade; e que seria paradoxal acolher e trabalhar com pessoas de tantas culturas distintas se a própria congregação discriminasse suas professas que expressam determinada identidade cultural.
O próprio Cristo se deixou “tatuar” por nossos pecados, levando as marcas da crucificação em seu corpo glorioso até o céu.
Se discriminarmos os marcados na pele em nossas comunidades religiosas, estaremos carregando dentro de nós o fermento dos fariseus, detendo-nos nas aparências, enquanto esquecemos a essência. Nada mais distante da marca de Jesus!
Olá, Pe. Ramon
ResponderExcluirHoje em dia tudo mudou mas os verdadeiros valores estão na alma tatuados de tal forma por Deus e não há laser que os possa retirar...
Abraços fraternos de paz e bem