O bispo segundo o Papa Francisco...

"Por favor, não sejais bispos com prazo fixo, que precisam mudar sempre de endereço, como medicamentos que perdem a capacidade de curar, ou como aqueles insípidos alimentos que são de jogar fora porque que já se tornaram inúteis (cf. Mt 5,13)", admoesta papa Francisco, em discurso proferido aos bispos nomeados no decurso do ano e participantes da reunião promovida pela Congregação para os Bispos e pela Congregação para as Igrejas Orientais. O discurso foi publicado pelo jornal L’Osservatore Romano, 18-09-2014.
Eis o discurso do Santo Padre
Caros Irmãos,
Estou contente por encontrar-vos agora pessoalmente, porque na verdade devo dizer que de qualquer modo já vos conhecia. Não faz tanto tempo que tendes sido apresentados a mim pela Congregação para os Bispos ou por aquela para as Igrejas Orientais. Sois os frutos de um trabalho assíduo e da incansável prece da Igreja que, quando deve escolher os seus Pastores, quer atualizar aquela inteira noite passada pelo Senhor sobre o monte, na presença de seu Pai, antes de chamar aqueles que quis estivessem com Ele e para serem enviados ao mundo.
Agradeço, portanto nas pessoas dos Senhores Cardeais Ouellet e Sandri todos aqueles que contribuíram na preparação de vossa escolha como Bispos e se prodigalizaram para organizar estas jornadas de encontro, seguramente fecundas, nas quais se desfruta a alegria de ser Bispos não isolados, mas em comunhão, de sentir a responsabilidade do ministério episcopal e a solicitude pela inteira Igreja de Deus.
Conheço o vosso curriculum e nutro grandes esperanças em vossas potencialidades. Agora posso finalmente associar o primeiro conhecimento obtido pelas cartas a vós dirigidas, e após haver ouvido falar de vós, posso pessoalmente auscultar o coração de cada um e fixar o olhar sobre cada um para divisar as tantas esperanças pastorais que Cristo e sua Igreja colocam em vós. É belo ver refletido na fisionomia o mistério de cada um e poder ler quanto Cristo vos escreveu. É consolador poder constatar que Deus não deixa faltar à sua Esposa os Pastores segundo o seu coração.
Caros Irmãos, o nosso encontro se volta ao início do vosso caminho episcopal. Já passou o estupor suscitado pela vossa escolha; foram superados os primeiros temores, quando o vosso nome foi pronunciado pelo Senhor; também as emoções vivenciadas na consagração agora se vão gradualmente depositando na memória e o peso da responsabilidade se adapta de qualquer modo aos vossos, embora frágeis, ombros. O óleo do Espírito vertido sobre vossa cabeça ainda exala perfume e, ao mesmo tempo, vai descendo sobre o corpo das Igrejas a vós confiadas pelo Senhor. Já experimentastes que o Evangelho aberto sobre vossa cabeça se tornou casa onde se pode habitar com o Verbo de Deus; e o anel na vossa mão direita, que às vezes aperta demais ou às vezes corre o risco de escapar, possui em todo caso a força de soldar vossa vida a Cristo e à sua Esposa.
Ao encontrar-vos pela primeira vez, peço-vos de jamais dar por descontado o mistério que vos investiu, de não perder o estupor diante do desígnio de Deus, nem o temor de caminhar em consciência à sua presença e à presença da Igreja que é antes de tudo Sua. 
De qualquer parte de si mesmos é preciso conservar e proteger este dom recebido, evitando que se desgaste, impedindo que seja tornado vão.
Permiti-me agora, falar-vos com simplicidade sobre alguns temas que me estão a peito. Sinto o dever de recordar aos Pastores da Igreja o indissolúvel elo entre a estável presença dos Bispos e o crescimento do rebanho. Toda reforma autêntica da Igreja de Cristo começa pela presença, daquela de Cristo que não falta jamais, mas também daquela dos Pastores que regem em nome de Cristo. E esta não é apenas uma pia recomendação. Quando oculto o Pastor ou não é encontrável, estão em jogo o cuidado pastoral e a salvação das almas (Decreto De reformatione do Concílio de Trento IX). Isto dizia o Concílio de Trento com tanta razão.
De fato, nos Pastores que Cristo doa à Igreja, Ele mesmo ama sua Esposa e doa sua vida por ela (cf. Ef 5,25-27). O amor torna semelhantes aqueles que o compartilham, já que tudo quanto é belo na Igreja vem de Cristo, mas é também verdade que a humanidade glorificada pelo Esposo não desprezou os nossos traços. Dizem que após anos de intensa comunhão de vida e de fidelidade, também nos casais humanos os traços da fisionomia dos esposos gradualmente se comunicam reciprocamente e ambos acabam por assemelhar-se.
Vós estais ligados por um anelo de fidelidade à Igreja que vos foi confiada ou que sois chamados a servir. O amor pela Esposa de Cristo gradualmente vos permite imprimir traços de vós em sua face e ao mesmo tempo trazer em vós os traços de sua fisionomia. Por isso serve a intimidade, a assiduidade, a constância, a paciência.
Não servem bispos contentes somente em superfície, deve-se cavar em profundidade para constatar quanto o Espírito continua a inspirar a vossa Esposa. Por favor, não sejais bispos com prazo fixo, que precisam mudar sempre de endereço, como medicamentos que perdem a capacidade de curar, ou como aqueles insípidos alimentos que são de jogar fora porque que já se tornaram inúteis (cf. Mt 5,13). É importante não bloquear a força saneadora que brota do íntimo do dom que tendes recebido, e isto vos defende da tentação de ir e vir sem meta, porque “nenhum vento é favorável a quem não sabe aonde vai”. E nós aprendemos para onde vamos: vamos sempre até Jesus. Estamos à procura de conhecer “onde mora”, porque jamais se exaure sua resposta dada aos primeiros: “Vinde e vereis” (Jo 1,38-39).
Para habitar plenamente nas vossas Igrejas é necessário habitar sempre Nele e Dele não escapar: habitar na sua Palavra, na sua Eucaristia, nas “coisas do seu Pai” (Cf. Lc 2,49), e sobre tudo na sua cruz. Não parar só de passagem, mas permanecer demoradamente! Como inextinguível permanece acesa a lâmpada do Tabernáculo de vossas majestosas catedrais ou humildes Capelas, assim no vosso olhar a Grei não cesse de encontrar a chama do Ressurgido. Portanto, não bispos extintos ou pessimistas, que, apoiados somente sobre si mesmos e, portanto arrastados à obscuridade do mundo ou resignados ao aparente desafio do bem, agora gritam em vão que o fortim é assaltado. Vossa vocação não é a de ser guardiões de uma massa falida, mas custodes da Evangelii gaudium, e portanto não podeis ficar privados da única riqueza que verdadeiramente temos a doar e que o mundo não pode dar a si mesmo: a alegria do amor de Deus.
Peço-vos, além disso, de não vos deixardes iludir pela tentação de mudar o povo. Amai o povo que Deus vos deu, também quando eles terão “cometido grandes pecados”, sem cansar-vos de “subir ao Senhor” para obter perdão e um novo início, também ao preço de ver cancelar tantas imagens falsas vossas da face divina ou as fantasias que tendes alimentado sobre o modo de suscitar a sua comunhão com Deus (cf. Ex 32,30-31). Aprendei do poder humilde, porém irresistível da substituição vicária, que é a única raiz da redenção.
Também a missão, que se tornou tão urgente, nasce daquele “ver onde mora o Senhor e permanecer com Ele” (Cf. Jo 1,39). Somente quem encontra, permanece e habita adquire o fascínio e a autoridade para conduzir o mundo a Cristo (cf. Jo 1,40-42). Penso em tantas pessoas a serem conduzidas a Ele. Aos vossos sacerdotes, in primis. Há tantos que não procuram mais onde Ele habita, ou que habitam em outras latitudes existenciais, alguns no submundo. Outros, esquecidos da paternidade episcopal ou talvez cansados de procurá-la em vão, vivem agora como se não houvesse mais padres ou se iludem pesando não ter necessidade de padres. Exorto-vos a cultivar em vós, Pais e Pastores, um tempo interior no qual se possa encontrar espaço para os vossos sacerdotes: recebê-los, acolhê-los, escutá-los, conduzi-los. Eu vos quereria como bispos localizáveis não pela quantidade dos meios de comunicação de que dispondes, mas pelo espaço interior que ofereceis para acolher as pessoas e suas necessidades concretas, dando-lhes a inteireza e a amplitude do ensinamento da Igreja, e não um catálogo de nostalgias. E a acolhida seja para todos sem discriminação, oferecendo a firmeza da autoridade que faz crescer e a doçura da paternidade que gera. E, por favor, não caiais na tentação de sacrificar vossa liberdade circundando-vos de cortes, lobby ou coros de consenso, já que nos lábios do Bispo a Igreja e o mundo têm o direito de encontrar sempre o Evangelho que liberta.
Além disso, existe o Povo de Deus a vós confiado. Quando, no momento de vossa consagração, o nome de vossa Igreja foi proclamado, reverberava a fisionomia daqueles que Deus vos estava dando. Este Povo necessita da vossa paciência para cuidar dele, para fazê-lo crescer. Sei bem o quanto se tornou deserto o nosso tempo. Serve, pois, imitar a paciência de Moisés para guiar as vossas pessoas, sem medo de morrer como exilados, mas consumando até o fim vossa energia, não para vós, mas para fazer entrar em Deus aqueles que guiais. Nada é mais importante do que introduzir as pessoas em Deus! Recomendo-vos principalmente os jovens e os anciãos. Os primeiros porque são as nossas asas, e os segundos porque são as nossas raízes. Asas e raízes sem as quais não sabemos o que somos nem aonde deveremos ir.
No final do nosso encontro, permiti ao Sucessor de Pedro que vos olhe profundamente do alto do Mistério que nos une de modo irrevocável. Hoje, vendo-vos nas vossas diversas fisionomias, que refletem a inexaurível riqueza da Igreja difundida por toda a terra, o Bispo de Roma abraça a Igreja enquanto Católica. Não é necessário recordar as particulares e dramáticas situações dos nossos dias. Quanto eu quereria, portanto, que ressoasse, por meio de vós, em toda a Igreja uma mensagem de encorajamento. Retornando às vossas casas, onde quer que estas estejam, levai, por favor, a saudação de afeto do Papa e assegurai às pessoas que estão sempre em seu coração.
Vejo em vós as sentinelas, capazes de despertar as vossas Igrejas, levantando-vos antes do alvorecer e no meio da noite para reacender a fé, a esperança, a caridade; sem deixar-vos entorpecer ou conformar com o lamento nostálgico de um passado fecundo, mas agora ultrapassado. Cavai ainda nas vossas fontes, com a coragem de remover as incrustações que cobriram a beleza e o vigor dos vossos antepassados peregrinos e missionários que implantaram Igrejas e criaram civilização.
Vejo em vós homens capazes de cultivar e fazer maturar os campos de Deus, nos quais as jovens semeaduras esperam mãos dispostas a irrigar cotidianamente para esperar colheitas generosas.
Vejo, enfim, em vós Pastores em condições de recompor a unidade, de tecer redes, de recozer, de superar a fragmentaridade. Dialogai com respeito com as grandes tradições nas quais estais imersos, sem medo de perder-vos e sem necessidade de defender as vossas fronteiras, porque a identidade da Igreja é definida pelo amor de Cristo que não conhece fronteira. Embora mantendo zelosamente a paixão pela verdade, não desperdiceis energias para contrapor-vos e defrontar-vos, mas para construir e amar.

Assim, sentinelas, homens capazes de cuidar dos campos de Deus, pastores que caminham em frente, em meio e atrás da grei, despeço-me de vós, abraço-vos, augurando fecundidade, paciência, humildade e muita prece. Obrigado.

3 comentários:

  1. Ramón de Jesus, que carta belíssima! Esta carta pastoral do Papa Francisco deveria ser posta em cada mural de nossa igrejas, para que o nosso povo pudesse beber desta rica espiritualidade.
    Fico sem palavras por tamanha sabedoria.
    Viva o Papa Francisco! Viva a reforma da igreja!
    L.L

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  2. Tais descrições de como deve ser um Bispo parecem descrever Dom Luciano... R.T.

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  3. Nosso Papa Francisco, traçou novamente o caminho feito por Jesus, e ensinado a seus apóstolos, um caminho de conhecimento da verdade, que traz a liberdade, aceitação, redençao e de reconciliação consigo mesmo, esse é um dos caminhos que encontra Jesus, reencontrando-O, os Pastores da igreja, terão um encontro de amor incondicional com suas ovelhas .Abençoou-os com a graça da missão.Ele está certo, temos que aprender a amar o próximo, sem tentar transforma-lo ao nosso bel prazer, posto que assim sendo, nos desiludimos, e acabamos por nos fechar ao novo, ao diferente fazemos sofrer e sofremos também. E só encontro com Jesus, quando vamos ao encontro do próximo e temos a grata surpresa de encontrar conosco mesmo, o anúncio da boa nova, deve ser de amor e alegria. Jesus continue abençoando o Papa Francisco e todo seu pastoreio, que ele continue antecipando e preparando-lhes o caminho. "disse Chico Xavier, espírita Kardecista, que "quando conseguirmos ver Deus em todas as coisas, veremos o mundo como um lindo jardim"! Paz e bem

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