Procuro
refletir, com a maior objetividade possível, minha experiência pessoal em quase
meio século de atenção a casais canônicos irreversivelmente fracassados e nos
quais, um ou os dois contraentes, ao não encontrar solução na normativa
canônica, refizeram seu matrimônio apoiando-se só nas leis civis.
Divórcio e divorciados.
Não se podia aplicar a todos uma mesma solução. Como na medicina se diz que não
há enfermidades, mas enfermos, nesta questão precisamos dizer que não há divórcios, mas divorciados, cada um com
sua irrepetível história. Esta afirmação que parece óbvia, nem sempre é levada
em conta.
Sempre
neguei que a doutrina oficial da Igreja, sobre a recusa da Eucaristia aos
divorciados que voltaram a se casar, fosse uma doutrina absolutamente fechada e
definitiva. A atenta leitura das Cartas Pastorais dos Bispos alemães do Reno Superior
(1993 e 1994) confirmou minha opinião. Mas quem
me deu maior segurança foi Bento XVI, quando no colóquio com sacerdotes na Catedral de Aosta, ao ser perguntado sobre a
situação na Igreja dos divorciados que voltaram a se casar e a proibição de
se aproximarem para comungar era uma questão fechada, afirmou: “Nenhum de nós tem uma receita já pronta;
sobretudo porque as situações são sempre diferentes. Sempre pensei que de
nenhuma maneira se podia dar a mesma orientação e solução a quem tinha padecido
a ruptura do matrimônio sacramental que a quem tinha sido o causante da
ruptura”.
Lei e consciência.
O respeito à própria consciência foi
outra constante em meu trato com os casais em “situação irregular”, quando
me colocavam o problema da recepção da Eucaristia. Nunca ocultei a doutrina e
normativa oficial da Igreja (Familiaris Consortio, 84), nem a enfeitei com
minha opinião pessoal, mas nenhum casal saiu de meu escritório sem solução em
sua busca para viver na paz dos filhos de Deus. Porque, em definitiva, não é
o Evangelho que é preciso interpretar segundo o Código de Direito Canônico, mas
o Código Canônico segundo o Evangelho da paz e do perdão.
Quando
na lei positiva da Igreja não via solução possível, sempre me remeti à própria consciência em relação à possibilidade
de aproximar-se da Eucaristia, porque a consciência, segundo o texto definitivo
do Vaticano II (GS, 16) é uma lei interior que não procede do homem, mas de
Deus. Sempre deve prevalecer o respeito
à consciência, mesmo no caso de que objetivamente a razão da decisão tomada
fosse objetivamente errônea (DH, 2).
Tenho
muito presentes os casos de casais, divorciados e recasados, que conservaram
sua fé e formaram uma família cristã, quando chegava o momento da Primeira
Comunhão dos filhos e estes perguntavam a seus pais por que eles nunca
comungavam, se acreditavam que Jesus está realmente na Eucaristia. Se nesse momento, os pais tomavam a decisão
de comungar com seus filhos, essa decisão deve ser respeitada e ajudá-los para
que possam viver a alegria da fé que conservaram e souberam transmitir.
O
Papa Francisco convocou a Assembléia Extraordinária do Sínodo dos Bispos, sobre
os desafios pastorais da família no contexto da Evangelização. Como novidade,
muito razoável, será realizado em duas etapas: a primeira, agora em outubro
(2014) e a segunda em 2015.
A pesquisa, por seu
conteúdo e sua universalidade constitui uma novidade muito esperançosa.
Outros Sínodos dos bispos – talvez a instituição teológico-jurídica mais
importante do Vaticano II – se limitaram a perguntar e recolher a opinião do
setor clerical (hierárquico) da Igreja. Para este Sínodo foi perguntado a toda
a Igreja, que é majoritariamente laical. Esta
novidade é um sinal de esperança.
A situação da família
tal como é e não como os clérigos às vezes imaginam.
Por isso, é um acerto a ser muito agradecido, que este Sínodo supere em muito a
visão clerical da família.
A primeira coisa era
procurar ouvir a família. É um bom começo. À vista dessas
respostas, substancialmente recolhidas no “Instrumentum laboris”, não creio que
seja uma aventura pensar que a reflexão e o ensinamento sinodal não vai se
limitar ao problema dos divorciados que voltaram a se casar e sua possível
admissão à comunhão eucarística. E não se limitará a este problema porque, por
mais grave que seja, não é o principal problema da família cristã neste momento
da história.
Infelizmente, os
divorciados que voltaram a se casar e que pedem aproximar-se da Eucaristia são
uma minoria.
O problema, mais amplo
e grave, é o descenso impressionante da natalidade, a diminuição dos
matrimônios, e especificamente dos matrimônios canônicos,
a falta de autenticidade cristã na decisão de contrair matrimônio sacramental,
o aumento das uniões de fato, sem nenhum vínculo jurídico, o aumento
progressivo dos fracassos matrimoniais e sua inevitável incidência na transmissão
da fé aos filhos, etc...
A
família cristã, a partir da vertente
religiosa, passa por momentos de especial e grave dificuldade. Com esta
afirmação, de nenhuma maneira diminuo a importância ao problema dos divorciados
recasados e sua admissão à Eucaristia, mas procuro situá-lo em uma perspectiva
necessariamente muito mais ampla.
Mas,
voltando a este problema concreto, como canonista e buscando uma solução na
doutrina e normativa da Igreja, pessoalmente pediria duas resoluções sinodais:
a) Simplificação dos processos de
nulidade canônica. Facilitar o máximo possível o procedimento processual.
b) Admissão, na doutrina e na normativa eclesial,
daquilo que se conhece como solução de foro íntimo: quando não há
dúvida sobre a validez canônica do primeiro matrimônio, mas estamos diante de
um fracasso irreversível do mesmo e diante da estabilidade e vivência cristã do
matrimônio que contraíram só a partir da lei civil, o definitivo deveria ser a decisão tomada em
consciência pelo casal em nova união, depois de séria reflexão. “Testemunhar de um
modo crível a Palavra de Deus nas situações humanas difíceis, como mensagem de
fidelidade, mas também como mensagem de misericórdia” (cardeal W. Kasper).
E você, o que sente e pensa sobre esse assunto?
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