O grupo terrorista
conhecido como Estado Islâmico tristemente tem se tornado famoso por diversas
barbáries a pretexto da defesa de uma religião que, como todas as demais, fala
de paz. Assusta, não só por sua violência e ousadia, mas também por possuir uma
impressionante capilaridade: dele fazem parte pessoas de diversas culturas e
países, que aderem sua causa como que chamados por um canto de sereia.
Nesse contexto, publicou-se incômodas
conclusões de órgãos de inteligência brasileiros que descobriram atividades
do referido grupo terrorista objetivando cooptar jovens brasileiros para seus quadros,
inclusive tendo identificado um grupo de 10 pessoas que já estaria atuando nas
redes sociais. Haveria, portanto, o risco de que o modelo de cooptação deste
grupo, que tem sido bem sucedido na Europa, seja replicado na América Latina em
geral e no Brasil em especial.
É difícil
compreender como pessoas de realidades tão diferentes umas das outras possam
aderir repentina e radicalmente à essa causa. Há, contudo, boas explicações
para tanto. Uma delas foi trazida por Daniel Martins Barros, em matéria “Como se faz um terrorista”, para O
Estado de São Paulo. Reproduzo aqui um trecho, grifado:
Sabe-se, por exemplo, que a maioria das pessoas cooptadas por organizações extremistas, eventualmente
transformados em terroristas, são
jovens, no final da adolescência e começo da idade adulta e quase sempre
homens. Essa faixa etária apresenta grandes vulnerabilidades, explorada com
maestria pelos recrutadores. A primeira é a necessidade de se sentir parte de algo, ser acolhido, que todo ser
humano tem, mas os adolescentes em especial. Além disso, com o desenvolvimento
do pensamento abstrato nessa fase surgem vários questionamentos existenciais. A
busca por um sentido na vida abre uma
janela de oportunidade para doutrinação radical que lhes forneça esse
sentido. Os recrutadores do terror então acenam para os jovens com a
possibilidade se identificar com um grupo e de encontrar um propósito em suas
vidas.
Ou seja, o mencionado grupo terrorista procura
jovens em razão de sua vulnerabilidade, em razão de, nesta fase, estarem
buscando propósitos para suas vidas e terem a necessidade de ser parte de algo
maior. Explora-se a “janela de oportunidade” existente neste momento da vida em
que, embora já exista uma boa maturidade intelectual, os impulsos emocionais e
da psique ainda são incompreendidos. Basicamente, é esse o mecanismo utilizado
pelo Estado Islâmico para cooptar fileiras inteiras de jovens por todo o mundo.
Não obstante seja
fácil aceitar a existência e a eficiência desse mecanismo utilizado pelos
terroristas, é impressionante a quantidade de discursos que o ignoram quando em
jogo uma outra realidade: a dos jovens
em conflito com a lei.
É notória a comoção
causada por crimes cometidos por crianças ou adolescentes, sendo eles
exaustivamente explorados pela mídia, ainda que ignorada sua real repercussão
estatística. Sempre que há um novo caso de, digamos, latrocínio, ressurge das cinzas o discurso punitivista
que busca caracterizar o instituto da maioridade penal como um “manto de
impunidade”. Há, inclusive, autoridades públicas que declaram abertamente
ser a inimputabilidade penal uma “permissão para matar”.
No âmbito do
Congresso, diversas iniciativas vão no
sentido de reduzir, remover ou relativizar a maioridade penal. Atualmente,
diversas proposições estão reunidas na Proposta de Emenda Constitucional
171/1993 em tramitação na Comissão de Constituição de Justiça. Para não
me alongar demais, faço remissão à robusta nota técnicaelaborada em conjunto
pelo IBCCRIM, a Rede de Justiça Criminal e a Ouvidoria-Geral da Defensoria
Pública de São Paulo, que demonstra
claramente a inadequação jurídica da medida.
Diante desse
cenário cabe questionar: se
compreendemos tão bem a fragilidade que leva tantos jovens ao redor do mundo a
caírem nas garras do terrorismo, por que não percebemos que os nossos jovens
estão igualmente expostos ao crime organizado? Se jovens europeus, que
presumivelmente tiveram boa educação e acesso à serviços públicos, foram
vulneráveis a ponto de serem cooptados, o que dizer de crianças e adolescentes
que vivem marginalizados?
A estratégia
atribuída ao Estado Islâmico é a mesma que, diariamente, o crime organizado
utiliza todos os dias em nosso país (e, diga-se, em tantos outros). A
falta de lazer, de acesso à educação, cultura, serviços básicos e assistência
familiar formam um terreno fértil para que jovens pobres sejam cooptados. A ausência de perspectiva, de sonhos e de
futuro permite que, facilmente, seja oferecida a eles a promessa de um
grupo, de um pertencimento a algo, seja lá o que for. É exatamente o que todos
buscamos nessa idade.
Se reconhecemos a efetividade, por
assim dizer, da estratégia de cooptação dos “de fora”, é necessário, também,
reconhecer que, aqui em Terra Brasilisnão é diferente. É necessário
seguir o caminho inverso e dar aos jovens as condições necessárias para que
vejam um outro caminho possível: o Estado precisa mostrar que deseja acreditar
na juventude e dar a ela as ferramentas necessárias para se desenvolver de
maneira ampla e realizar todas as suas potencialidades sem recorrer ao crime
para tanto.
Para tanto, fortalecer a proteção social, incentivar projetos de cultura,
esporte, cursos profissionalizantes e uma
escola pública de qualidade são estratégias muito mais eficientes para evitar
que os jovens se aproximem do crime. Sabemos que o poder não deixa vácuos,
de modo que sempre que o Estado deixa de se fazer presente — a exemplo do que
faz em favelas e comunidades pobres — deixa espaço para que outros agentes
tomem seu lugar. É aí que a cooptação ocorre.
Não reduzir na
maioridade penal é assumir um valente compromisso com os jovens, de ver a vida
como é e acreditar que há futuro. Esperamos que nosso Congresso
tenha essa coragem e não seja, também, “cooptado” pelo discurso sedutor do
populismo penal.
NB. E você o que acha neste assunto?
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