Por que matamos sempre os melhores?
D. Bonhoeffer era de uma família das mais aristocráticas da
Alemanha luterana. O pai, neurologista e psiquiatra, não se
declarava cristão. Contudo, a família estava embebida pelo profundo sentimento
religioso da mãe.
Dietrich, aos oito anos, começou a ter aulas de piano e a ler, com grande
habilidade, as partituras. Aos 10 anos, executava já as sonatas de Mozart.
A música sempre fez parte essencial da sua vida. Aos 14 anos de idade tinha o
sentimento de que Deus o pegara para si, e declarou que seria teólogo. Obteve o
doutorado em teologia aos 21 anos, e a sua
tese foi intitulada Sanctorum
Communio.
Este homem era vital,
ardente, impulsivo, curioso e sociável: "Ele realmente anunciava – disse um amigo – o Evangelho às pessoas da rua". Fascinava os amigos e os seus estudantes, e ele ria de bom grado.
Aos poucos, a
Bíblia o possuía, e se sentia invadido pela felicidade cristã: "A alegria autêntica é algo incompreensível,
seja para os outros seja para quem a experimenta...".
Ele lia a Bíblia e
escolhia um texto que mantinha presente durante a semana, tentando mergulhar em
profundidade. Às vezes, detinha-se por horas e dias em uma única palavra, antes
de experimentar o toque interno de Deus.
Ele foi um grande teólogo e o Discipulado (1937)
a sua obra-prima. Sua vocação mais profunda era a de ser pastor: rezava e
pregava com devoção.
"Os seres humanos – escrevia – precisam de pastores: Cristo era o pastor, e nós devemos ser
pastores como ele".
"Quando vocês o viam pregar –
lembra uma velha amiga –, viam um jovem
irresistivelmente tomado por Deus".
Viajou para os Estados Unidos (1939), onde permaneceu por cerca de dez
meses. Essa permanência teve influência decisiva sobre a sua fé. Bonhoeffer se
perguntava: "Mas nos Estados Unidos,
ainda existe o cristianismo? Não faz nenhum sentido esperar frutos onde a
Palavra de Deus não é mais pregada nem vivida...".
Mas, foi justamente
ali, nos Estados Unidos, onde Cristo parecia ter
desaparecido, que Bonhoeffer descobriu
um sinal muito vivo da sua presença, sobre tudo nas igrejas dos negros,
onde o Evangelho era pregado com a força da fé. Ele gostava muito dos spirituals,
e ia ouvi-los no Harlem.
“Não existem
duas realidades, mas somente uma realidade, e essa é a realidade de Deus na
realidade do mundo".
Cristo era o Encarnado, completamente
humano e nada nosso lhe era estranho. "O homem que eu sou – dizia – Jesus também foi...". “Cristo humilde e humilhado entrou livremente
no mundo do pecado e da morte. Entrou de modo escondido, não sendo reconhecido
mais como Deus; andou desconhecido, como mendicante, marginalizado entre os
marginalizados, sem pecado entre os pecadores e até como pecador entre os
pecadores...”
“Deus ama o que é pequeno e baixo; o que está
perdido, o insignificante, o fraco e quebrado. Ele não se envergonha com a limitação
humana: adentra nela e realiza maravilhas onde ninguém esperava... Assim o
mundo se transforma. Não existe nada,
por mais incrédulo e perdido que não seja acolhido por Deus em Jesus Cristo e reconciliado
com ele. Quem tem fé não pode falar do mundo como se fosse totalmente perdido e
separado de Cristo. Cristo morreu para
dar vida ao mundo...”.
Bonhoeffer nunca fugiu
do real, e a única vez que o fez – em 1939 e por um curto período nos Estados
Unidos, foi para evitar o horror do nazismo. “O Pai nunca abandonou o Filho, e
muito menos na Cruz...”.
Bonhoeffer sentiu e compreendeu
que a Palavra divina sobrevinha chamando para o seu serviço. Ele se encontrou no profeta Jeremias.
Todos trataram Jeremias como sonhador, inoportuno e inimigo do povo, como são xingados
os que foram seduzidos por Deus. Bonhoeffer não era mais dono de si mesmo. "Senhor, tu me seduziste, e eu me
deixei seduzir...” Ele escutara as palavras de Jesus: "Segue-me!". E ele
foi.
A palavra de Jesus tinha
autoridade máxima e imediata; ela exigia obediência, aceitação incondicional e
seguimento.
Jesus tinha dito:
"Se alguém vem a mim, e não odeia
seu pai, sua mãe, a mulher e os filhos, os irmãos e as irmãs, e até mesmo a sua
própria vida, não pode ser meu discípulo...". O pedido de Jesus fazia
do seu discípulo uma pessoa sem pai, sem mãe, sem filhos, irmãos e irmãs, e até
mesmo sem a si mesmo e o jogava na mais absoluta solidão, precariedade e
insegurança. Confiemo-nos ao Senhor...
Por isso, as amizades de Bonhoeffer eram totais e apaixonadas.
Em 1931, os grupos
de jovens da Igreja Luterana foram aliciados pela Juventude Hitlerista e os
novos pastores obrigados a jurar fidelidade a Adolf Hitler. Bonhoeffer nunca aceitou essa
submissão: "... com esse tipo de Igreja, identificada
com o Nazismo, não temos nada em comum...".
Em 1942,
conheceu Maria von Wedemeyer, uma jovem de 18 anos, cheia de frescor, inteligência e
sensibilidade e Bonhoeffer ficou
encantado. No ano seguinte, foi encarcerado pela Gestapo, perto
de Berlim. A sua vida não mudou. Todas as manhãs, meditava meia hora sobre um versículo da Escritura
e recitava orações de intercessão pelos amigos, pelos pais, pelos parentes e
pelos pastores da Igreja Luterana
que estavam nos campos de concentração. Na cadeia, era afável e gentil
com todos, até com os guardas... Pouco depois, foi transferido para uma
prisão subterrânea e enforcado no dia 9/ABR/1945.
Fica a pergunta: Por que matamos sempre os melhores?
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