Certo
dia, um repórter conseguiu, não sei como, entrar na imensa e bela Corte
Celestial. Depois de fazer algumas adorações ao Pai, ao Filho e ao Espírito
Santo e mil e uma reverências aos santos, escolhidos do Senhor, aproximou-se
curioso de um homem de barba e bigode que não se afastava, nem por segundos, do
lado do Senhor Jesus.
Repórter: Psiu! Sim, você. Podemos
conversar um pouco? Inácio se aproximou. Não era nem alto, nem baixo. Tinha aquela
estatura média do comum dos humanos.
Repórter: Os jovens latino-americanos
me enviaram para lhe fazer algumas perguntas. Queremos conhecê-lo melhor.
Estamos descobrindo que embora esteja muito longe de nós pelo tempo, fez-se
muito próximo pela sua caminhada na vida. É verdade que a metade da sua vida
não foi grande coisa?
Inácio:
É
verdade! Veja só, até os 30 anos de idade deixei-me envolver pela doce e
corrompida proposta do sistema que nos envolvia. Fui um homem mundano e
cheio de vaidades... Meus interesses não iam muito longe: o que queria era
ganhar prestígio dentro da classe dominante, conquistar amorosamente algumas
mulheres interessantes e fazer uma boa carreira nos caminhos do poder.
Houve um breve silêncio. Pensei comigo
mesmo: Experiências fúteis e alienantes,
bem parecidas com o que vemos na maioria dos jovens de hoje.
Repórter: Mas seus pais, Beltrão Yañez de Oñaz e D. Marina Saenz de Licona eram
católicos, pertencentes à pequena nobreza camponesa do País Basco.
Inácio:
Oh,
sim! Na nossa casa de Loyola, tínhamos até um pequeno oratório onde rezávamos
quando éramos pequenos. Fui o caçula dentre 13 irmãos. Alguns deles nem cheguei
a conhecer, pois morreram na guerra, lutando por aquilo que achavam que era
melhor. Parece-me que tínhamos outros 3 irmãos por parte de pai. Todos éramos
católicos, mas freqüentemente não vivíamos a fé que professávamos...
Você me entende? Havia um divórcio sério entre fé e vida. Falávamos uma coisa e
fazíamos outra, por desgraça, bem diferente.
Tínhamos
um irmão padre, Pedro, orgulho da família, mas, mal-influenciado, foi pai de dois
filhos. Como vê, a moral nunca foi o prato forte da família.
Repórter: Não leve a maI o que vou perguntar, mas
sabemos que um dia, um tribunal civil o citou para depor, pois fora acusado de
um crime.
Inácio fixou mansamente seu olhar no meu.
Por um momento senti que tinha tocado em "terreno minado". Fechou,
por uns segundos, seus profundos olhos. Seu rosto pareceu esvair. Recordava?..
Sofria?...
Inácio:
Minha
vida foi, por bastante tempo, muito superficial, sobretudo depois que saí da
casa dos meus pais com 15 anos de idade. Meus pais já tinham falecido. Fui, então, morar
com um parente rico, chamado João
Velasquez de Cuellar, casado com Maria
de Velasco. Eles também tinham uma família numerosa: 12 filhos. Trataram-me
como um a mais da família. Morei com eles 10 anos. Toda minha juventude! Lá eu
me fiz homem! Mais tarde, quando eles perderam tudo o que possuíam, passei três
anos morando sozinho em Nájera, uma bela cidade onde a religião e o pecado se
misturavam de forma estranha.
Que
mais posso dizer? Por um certo tempo, o ambiente que me rodeava girava apenas
sobre sexo, poder e dinheiro. Três grandes ídolos que exerceram sobre mim um
forte atrativo. Mas Jesus foi muito bom e teve misericórdia para
comigo, que ia por caminhos que não levaram a lugar nenhum. Fez-me parar,
voltar a retomar a estrada principal.
Inácio sorriu. Uma brisa suave parecia
envolvê-lo numa imensa felicidade. Seu sorriso era tranqüilo, bonito, como ondas
cansadas, arrebentando mansamente numa praia solitária.
Repórter: Desculpe voltar sobre o
assunto, mas nossa juventude acha muito difícil deixar de lado tantas propostas
baratas que embriagam momentaneamente os sentidos.
Inácio:
Eu
entendo bem o que você quer dizer. Eu também cheguei a pensar assim. Estava
cego. Mas, num belo dia descobri um "valor maior" que
relativizava, com sua presença, todos os outros valores e, desde então, perderam seu mágico fascínio diante do Criador deles. Deus entrou de
cheio em minha vida insensata dando-lhe um sentido novo, que antes não tinha. Isso aconteceu
comigo...
Repórter: Conte como foi. Quem sabe você abre um
caminho para que outras pessoas possam mudar o seu rumo de vida e de valores?
Inácio:
Aconteceu
em 1521, tão longe no tempo, tão próximo na lembrança. Enquanto Lutero, perdido na sua consciência escrupulosa, rompia
definitivamente com a Igreja eu lutava em Pamplona, contra os
franceses. Uma bala de canhão passou entre minhas pernas, destroçando a direita
e quebrando a esquerda. Caí! Tive dores terríveis, e uma infecção local
levou-me à beira da morte. Invadiu-me uma febre espantosa, e no meio do meu
delírio cheguei a escutar o que meus amigos e familiares diziam: 'Ele
não passa de amanhã, festa de S. Pedro!'
Passei um mês entre a vida
e a morte. Daquela dor nasceu um novo Inácio. Comecei a ler a Bíblia... No início pouco entendia,
apenas sentia que era chuva suave caindo em terra muito seca.
Aprendi a orar, a dialogar
e me encontrar com Jesus como um
amigo o faz com outro. À medida que o tempo ia passando, afeiçoava-me mais e
mais à pessoa de Jesus. Os homens quebraram-me as pernas, mas Deus tocava
e curava profundamente o meu coração.
Repórter: Como é possível surgirem
homens novos de vidas tão deterioradas? Esta possibilidade é muito importante
para todos nós. Se aconteceu com você, pode acontecer com outros também... Realmente para Deus nada é impossível!
Inácio: O estar presente diante de Jesus me fortalecia e cicatrizava todas
aquelas feridas morais de minha vida passada. Comecei a criar novas formas,
para romper de uma vez por todas com as antigas atrações mundanas e colocar Jesus, e só ele, no centro de minha
vida, como único Senhor e Deus.
Percebi que minha vida
espiritual crescia à medida que renunciava ao meu próprio querer e interesse.
Comecei a confessar e comungar freqüentemente... Enfim, certo dia, estando cheio de
paz profunda e uma alegria imensa, entreguei-me definitivamente ao Senhor Jesus, dizendo:
Tomai, Senhor, e recebei, toda minha liberdade, a minha memória,
também, o meu
entendimento e toda a minha vontade, tudo, o que tenho e possuo, Tu me
destes com amor. Todos os dons que destes com gratidão os devolvo, dispõe
deles, Senhor, segundo a vossa vontade. Dái-me, somente, o vosso amor,
vossa graça. Isto me basta! Nada mais quero pedir...
Inácio
estava extasiado, belamente transfigurado. Temi quebrar aquele místico silêncio
que nos envolvia. Sua vida se me fez transparente. Vi-o pobre com os pobres,
trocando suas roupas com um mendigo, para ocultar a nobreza do seu sobrenome e
ocupar o lugar social dos pequeninos, amados de Jesus... Vi-o em Jerusalém e em Belém, contemplando com olhar de
menino os lugares por onde Jesus, o
Nazareno tinha passado, curado e perdoado. Vi-o na cadeia, preso pela
Inquisição, suspeito de ser radical demais por causado Senhor. Vi-o caminhar
incansavelmente falando a todos do Salvador. Vi Inácio estudando na Universidade de Paris, fazendo apostolado com
seus colegas de sala, movido pelo seu desejo de querer ajudar...
NB. Continua no dia 27/JUN...
Ramón,
ResponderExcluirExcelente! Como sempre você nos brinda com algo sério, de modo profundo, mas com uma inguagem agradável, atraente e deixando o famoso gostinho do "querer mais". Muito obrigado e parabéns!
Olá Pe. Ramon, muito bom o seu texto. Fala de S. Inácio de maneira simples e poetica.
ResponderExcluirAbraços
Marilene Queiroz
O sr. Pe. Ramón, com sua criatividade, nos fez compreender que não importam as nossas faltas; o importante é buscar o amor de Deus que nos faz mudar o rumo de nossa vida. Assim, como aconteceu com nosso Inácio,pode acontecer também conosco, se desejarmos profundamente.
ResponderExcluirObservar nossas moções, mergulhar sempre em nosso sacrário intrior, unindo-nos à Trindade algo mais forte surgirá dentro de nós. Ágradeço a Deus por ter conhecido a experiencia espiritual inaciana. Obrigada pelo bem que nos faz. Muneide fortaleza
Muneide (Fortaleza ce.
P. RAMON, OBRIGADA POR SUAS ORIENTAÇÕES, SEMPRE EM FORMAS TÃO CRIATIVAS. LUIZA E MARCIO cANGUSSÚ
ResponderExcluirExcelente!
ResponderExcluirObrigado Padre Ramon, agora sim ... Sem essa de defender causas absurdas !
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