“E, enquanto rezava, o céu se abriu e o Espírito Santo desceu sobre Jesus...” (Lc 3,21-22)
Terminado o
ciclo natalino, somos convidados a fazer o caminho com Jesus durante sua vida
pública. Liturgicamente, este longo percurso contemplativo é conhecido como “Tempo Comum” (este ano seguiremos o
Evangelista Lucas), tempo de intimidade e de identificação com Aquele que é
nossa referência e inspiração no caminhar cristão.
Ao inaugurar a vida pública de Jesus, o Batismo
significa o alvorecer dos novos tempos,
o novo início para toda a humanidade, a Nova Criação: “O Espírito de Deus pairava sobre as águas” (Gn
1,2).
À luz deste
acontecimento “fontal”, situado no início
da vida pública de Jesus, deve ser visto tudo o que vai ser relatado em
continuação nos Evangelhos. Com o batismo
de Jesus, começa uma nova era na história do mundo, na história da intervenção
salvífica de Deus em favor da humanidade.
A “abertura
dos céus” que se rasgam significa a nova relação entre Deus e a humanidade, o início de um novo diálogo, um novo tempo de graça. Jesus é o lugar do novo, definitivo e pleno
encontro de Deus com os homens, dos homens com Deus e dos homens entre si.
Segundo os
estudiosos da Cristologia, a tomada de consciência de quem era Ele e qual era
sua missão, foi um processo de contínuo discernimento
que não terminou nunca. O relato do batismo
está nos falando de um passo a mais, ainda que decisivo, nessa tomada de
consciência.
Nesse sentido, o Batismo de Jesus é um acontecimento
fundamentalmente vocacional.
“Quem sou? Para quê nasci? Quê sentido quero que minha existência
tenha?...” Todos nos fizemos um dia essa pergunta.
Depois de ter
passado trinta anos no anonimato em Nazaré, dedicado aos trabalhos cotidianos,
Jesus decidiu deixar suas pequenas seguranças e pôr-se a caminho. Despediu-se dos seus e se lançou a uma
aventura da qual não regressaria mais. Decisão central para sua vida e para
a nossa.
A experiência no
rio Jordão funda sua vocação, e a partir de então compreende quem é Ele para
Deus: O Filho Amado. Com
essa consciência aposta plenamente por seu projeto de vida. Ele experimenta a presença de Deus de um
modo claro e contundente.
Jesus sente que o Pai o chama a mudar o estilo de
vida escondido, mudar
de caminho, deixar sua terra, e lançar-se numa nova aventura: vida itinerante, missionária e despojada.
Esta novidade não
cabia mais nos estreitos espaços de Nazaré, nem nos moldes da sinagoga e da
religião oficial. Começou a transitar por outros espaços alternativos, onde
ativar a vida expansiva do Reino.
Jesus não está preso
à estrutura da sinagoga, mas aberto ao dinamismo do Reino que irrompe como
graça, surpreendendo a cotidianidade. Ele vive sintonizado no Espírito, que se
revela em meio aos tempos humanos como sua dimensão mais profunda e definitiva.
Jesus não foi um extraterrestre. Os primeiros
cristãos tomaram muito a sério a humanidade
de Jesus.
Todos sentimos o
chamado a reorientar nosso caminho. Um dia tomamos a decisão de deixar para
trás espaços e pessoas que formavam nosso entorno. Aventuramo-nos a estabelecer novas relações, novas práticas, novas
formas de pensar a realidade. Caminhamos para o desconhecido, confiados na
promessa e na fidelidade de Deus. Por Ele e n’Ele, saímos a descobrir novos
horizontes.
“Tu és
meu(minha) filho(a) amado(a), em ti ponho o meu benquerer!” Essa foi nossa entrada na fila da
humanidade, em virtude da fé de nossos pais. Fomos acolhidos junto a outros,
constituindo a grande comunidade dos seguidores de Jesus, reconhecidos como filhos e filhas do mesmo Pai, irmãos e irmãs de
todos.
Viver nossa vocação
batismal implica viver em contínua “operação saída”. O discernimento
implica investigar a quê novos lugares nos quer conduzir
o Espírito.
Levamos anos em
que, em lugar de ir, voltamos. Temos
medo frente às “novas saídas”. Há uma preferência por permanecer no seguro,
no conhecido, no de sempre. Buscamos as mais sofisticadas razões para “não sair”, e ficar naqueles espaços que
nos dão segurança.
Quando a vida cristã não se põe em movimento de
saída, ela se mundaniza e se asfixia.
Tanto mais intensa será nossa
vivência batismal quanto mais nos leve para “fora” de nosso próprio querer
e interesse. Nessa “saída de si” encontramos nossa vida
espiritual: “Sair de si”.
Esta saída de si é humanizante e humanizadora, porque faz emergir tudo o que é humano
em nós.
Temos de
suspeitar quando, por mais propósitos que façamos não saímos do mesmo lugar. No
Batismo comprometemos nossas certezas, nossos valores, nossa confiança básica,
nossa fé. De sedentários nos convertemos em nômades, buscadores
de uma realidade totalizante que nos ultrapassa e que está sempre
além.
Texto bíblico: Lc 3, 15-16.21-22
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