O papa não surpreendeu ninguém com o
discurso do 22/JAN ao Tribunal da Rota Romana, com um texto
totalmente de acordo com o que a tradição anterior poderia ter proferido sobre a família. Francisco disse: "não pode haver confusão entre a
família desejada por Deus e qualquer outro tipo de união".
Existe, portanto, um modelo canônico de família, em
relação ao qual todas as outras formas de união afetiva e permanente são níveis
mais ou menos intensos e que o Papa definiu como "um estado objetivo de erro". O
resto é não é família, mas “união”.
Mas, é realmente
verdade que a família da doutrina eclesiástica corresponde ao desígnio de Deus?
Ou ela também é uma determinada
expressão social, nascida em certo momento da história e, portanto, em outro
momento podendo declinar?
O referendo da católica Irlanda, com o qual a Constituição foi mudada para
permitir que pessoas do mesmo sexo
contraiam casamento, é uma lição imprescindível para a Igreja.
O fato de que a família evolui e muda é mostrado pela
linguagem. O termo "família" deriva do latim e exprime uma gama de significados amplos: Complexo de escravos, servos; tropa,
quadrilha; companhia de comediantes; a casa inteira que inclui membros livres e
escravos; estirpe, casta, gente...
O mesmo no grego do Novo Testamento que
usa o termo oikia, que significa, "casa" (daí o termo "paróquia":
oikia + pará,
que significa "junto").
No hebraico bíblico, casa e família também são sinônimos: dizer "casa de Davi" é
o mesmo que "família
de Davi", ou seja, remete ao casario, incluindo mulheres,
filhos, escravos, concubinas, bens móveis e imóveis.
Portanto, as línguas da revelação de
Deus não conhecem o termo família no sentido usado pela doutrina católica
tradicional e reiterado nessa sexta-feira pelo Papa. Se abrirmos a Bíblia é
verdade que encontramos que "o homem
deixará seu pai e sua mãe, e se unirá à sua mulher, e eles dois se tornarão uma
só carne" (Gn 2, 24), mas, se analisarmos as existências concretas dos
homens escolhidos por Deus, vemos um cenário muito diferente: Abraão teve três mulheres (Sara, Agar e Quetura); Jacó, duas (Lia e Rebeca); Esaú, três; Davi, oito; Salomão, 700. E não encontramos uma única palavra de
condenação contra eles.
O que dizer? Os
textos devem ser interpretados historicamente. Mas, se os textos bíblicos
devem ser interpretados historicamente, como não dizer que também deve ser interpretado historicamente o modelo de
família da doutrina eclesiástica?
Isso deveria levar a
evitar afirmações como "estado
objetivo de erro". A vida
cotidiana humana ensina que há uniões muito pouco tradicionais, nas quais a
harmonia, o respeito, o amor são visíveis por todos e, vice-versa, uniões com o
devido sacramento católico nas quais a vida é um inferno.
Posso estar errado, mas posso afirmar
que Deus não pensa a família conforme o
nosso Código de Direito Canônico.
Ele pensa a relação harmoniosa a qual chama todos os seres humanos, e que se
explicita de diversos modos e encontra seu cumprimento no amor. Cada indivíduo é chamado ao amor. De
modo que ninguém deve ser excluído da possibilidade de um amor pleno, total,
até mesmo reconhecido publicamente.
O nascimento de
alguns seres humanos com uma inextirpável inclinação sexual para com pessoas do
mesmo sexo é um fato inegável. Eles devem permanecer estruturalmente excluídos
da possibilidade do amor integral?
A aspiração ao amor
integral deve ser reconhecido como direito inalienável de todo ser humano. O amor integral é um direito nativo,
primigênio, radical, isto é, diz respeito à própria raiz do ser humano, e
ninguém pode ser privado dele.
Todos têm o direito de se realizar no amor
integral, heteroafetivos e homoafetivos, sem distinção. A maturidade de
uma sociedade é medida pela possibilidade dada a cada cidadão de realizar o direito nativo ao amor integral, mas eu
acredito que a maturidade da comunidade cristã também é medida pela capacidade
de acolhida a todos os filhos de Deus assim como vieram ao mundo, sem excluir
ninguém.
Como dizer que "o nome de Deus é misericórdia" para
quem nasce homossexual? É honesto dizer que Deus é misericórdia para uns e não para todos?
Aqui, a misericórdia só pode ser exercida modificando a própria visão de
mundo, ou infringindo o tabu da doutrina. É assim que se mede a verdade
evangélica, e que se vê se vale mais o sábado ou a pessoa humana.
E você, o que pensa?
Eu creio, e tenho certeza que o Papa também acredita, que o amor integral se dá entre um homem e uma mulher como era o desígnio de Deus na Criação (Gn 1,28), mas o mal entrou no mundo... E onde o pecado abundou a graça superabundou (Rm 5,20), pois Cristo veio resgatar o homem decaído e institui o sacramento e a indissolubilidade do Matrimônio (Mt 19,6) a fim de restaurar aquela mesma imagem e semelhança perdida um dia... O homem e a mulher se completam e como amor integral se abrem a fecundidade. Mas há os que se fazem celibatários por causa do Reino de Deus, quem tiver ouvidos para ouvir ouça (Mt 19,12).
ResponderExcluirEssa militância "progressista" já esta pegando muito mal, depois, a grande maioria das vozes contrarias são rotuladas pejorativamente de arcaicas, conservadoras, resistente às mudanças, ou até de "abrir disputas" dentro da Igreja.
ResponderExcluirTá virando papo de louco, só cai nessa quem quer.
Pe. Ramon, por seu discurso franco aberto e sem medo, me tornei católico. Fiz a primeira comunhão e me crismei aqui em Brasília no ano de 2014, aos 29 anos. Hoje tenho maturidade para ler o papa Bento XVI e Leonardo Boff sem medo, e os admirando igualmente. A verdade não constrói muros, e não tem medo de ser multifacetada. A unidade eu encontro no amor. O senhor me ensinou muito disso. Seu "progressismo" me redimiu com o que há de melhor no "conservadorismo" da Igreja, porque seu apostolado é amoroso e franco. Obrigado! (Thiago Ribeiro)
ResponderExcluirThiago poeta! Saudades de nossos papos profundos e sinceros...
ExcluirPadre Ramon, eu não sou nada para discordar do senhor, só só pó, mas preciso dizer que o seu texto trouxe-me muita desolação. Eu fico muito triste quando leio um texto de um padre afirmando tais coisas. O senhor não está sendo desobediente? não está indo contra os ensinamentos da Igreja? o senhor não está colocando a caridade acima da verdade? o senhor não está atropelando a doutrina e a tradição para impor seu próprio pensamento? O senhor não está confundindo os fieis, dando falsas esperanças para progressistas e dor para aqueles que seguem fielmente a doutrina? Isso tudo é muito triste, pois percebo apenas um relativismo moral liberalizante e uma vontade de agradar ao mundo, à ideologia de gênero, de ser politicamente correto. Não padre, o senhor não pode ser assim, precisa ser fiel aos ensinamentos da Igreja, precisa ser obediente, precisa ouvir o papa, precisa estudar melhor a doutrina da Igreja. Se o senhor quer pensar sobre novas possibilidades, acho que é ate válido, mas que isso fique entre teólogos, pois quando é divulgado para os leigos, gera dor e confusão. Enfim, tenho esperanças no senhor, pois sei que o senhor é bastante inteligente, logo vai abandonar esse modernismo. Sei que não é sua culpa, afinal, o senhor cresceu em um ambiente modernista de má interpretação do concilio, mas tenho fé que com muito estudo e oração, e com ajuda de Santo Inácio, o senhor vai mudar sua forma de pensar. Enfim, sei que não vai aceitar meu comentário, muito menos responder, mas leia com carinho, e saiba que é bom ouvir quem discorde de nós. Aliás, antes de ler seu texto, eu li este aqui, por isso a dor foi maior:
ResponderExcluirhttp://pt.aleteia.org/2016/01/27/como-destruir-a-civilizacao-apenas-com-dois-principios-morais-falsos/
Heitor.
Concordo muito. Uma das passagens da Bíblia (católica inclusive) há um momento em que Jesus resume os mandamentos em apenas um verbo: Amor. Acredito que é isso q deve nos mover socialmente.(M.R)
ResponderExcluirÉ sempre bom recordar o que o Papa Francisco escreveu contra o casamento homossexual quando era cardeal-arcebispo de Buenos Aires. A questão do casamento homossexual está longe de estar encerrada nos países onde foi legalizado.
ResponderExcluir«O povo argentino deverá confrontar, nas próximas semanas, uma situação cujo resultado pode ferir gravemente a família. Trata-se do projeto de lei sobre o matrimônio de pessoas do mesmo sexo.
Aqui estão em jogo a identidade e a sobrevivência da família: pai, mãe e filhos. Está em jogo a vida de tantas crianças que serão discriminadas de antemão, privando-se do amadurecimento humano que Deus quis que se desse com um pai e uma mãe. Está em jogo o rechaço direto à lei de Deus, gravada, ademais, nos nossos corações.
Recordo uma frase de Santa Teresinha quando fala sobre sua enfermidade de infância. Disse que a inveja do Demónio quis cobrar em sua família a entrada de sua irmã maior ao convento de Carmelo. Aqui também está a inveja do Demónio, através da qual entrou o pecado no mundo, que de modo arteiro pretende destruir a imagem de Deus: homem e mulher receber o mandato de crescer, multiplicar-se e dominar a terra. Não sejamos ingénuos: não se trata de uma simples luta política. É a pretensão destrutiva ao plano de Deus. Não se trata de um mero projeto legislativo (este é meramente o instrumento), mas de uma “movida” do pai da mentira que pretende confundir e enganar os filhos de Deus.
Jesus nos disse que, para nos defendermos deste acusador mentiroso, nos enviará o Espírito da Verdade. Hoje, a Pátria, perante esta situação, necessita da assistência especial do Espírito Santo para que pinha a luz da Verdade em meio da obscuridade do erro. É necessário que este advogado nos defenda do encantamento de tantos sofismas com que se busca justificar este projeto de lei, e que confundem e enganam até mesmo pessoas de boa vontade.»
(Jorge Mario Bergoglio, Arcebispo de Buenos Aires, agora Papa Francisco)