4o Domingo da Quaresma: MISERICÓRDIA, Amor em excesso... (Pe. A. Pallaoro SJ)

Texto bíblico: Lc 15, 1-3.11-32

“Trazei a melhor túnica para vestir meu filho. Colocai-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei um novilho gordo e matai-o, para comermos e festejarmos” (Lc 15, 22-23 )

Tornar presente o Pai como Amor e Misericórdia foi, para Jesus, o cerne de sua missão. Toda a sua vida foi uma eloquente revelação da misericórdia divina para com a humanidade.

Jesus, presença visível da misericórdia, revela um Deus Pai-Mãe, cheio de ternura que vai ao encontro dos perdidos, libertando-os da exclusão e do isolamento. Deus exulta de alegria quando nos reencontra e convida para a festa da comunhão e do perdão.

Deus é “desconcertante”, “escandaloso”, totalmente incompatível com o “deus legalista” dos escribas e fariseus. A Misericórdia de Deus por nós faz-lhe perder sua soberania e compostura e sair correndo ao nosso encontro, para abraçar-nos na nossa humanidade ferida e profanada, para devolver-nos a filiação e a dignidade.

“Onde há misericórdia, aí está presente o Espírito de Deus. Onde há rigidez, aí estão seus ministros” (Papa Francisco).

O que escandalizava os destinatários das parábolas da Misericórdia (Lc 15) contadas por Jesus, que se consideravam justos e cumpridores exemplares da Lei, não era propriamente a conduta dos pecadores, mas a conduta do próprio Jesus com relação a eles; Ele, rosto visível da misericórdia, permite que os pecadores se aproximem dele, recebe-os de coração aberto, toma a iniciativa de ir ao encontro deles e senta-se com eles à mesma mesa.

O comportamento de Jesus é uma “parábola viva” do comportamento de Deus com os pecadores.

Na parábola de hoje, o pai aparece sempre como alguém que contraria as expectativas dos ouvintes, que vai contra a visão de Deus daquele que está habituado à lei do “olho por olho, dente por dente”.

Os escribas e fariseus não podiam suportar que Jesus proclamasse que Deus acolhe e perdoa incondicionalmente a todos, que tem um carinho especial, um amor de predileção pelos perdidos; um Deus que vai ao encontro dos perdidos e que transborda de alegria quando os encontra.

A parábola do Pai Misericordioso condensa toda a história de nossa salvação. Ela contém a quinta-essência do Evangelho do Reino. O que Jesus quis proclamar foi que o amor, a misericórdia, o perdão e a comunhão são oferecidas por Deus aos “perdidos”.

Justamente por ser o Evangelho condensado, esta parábola deve ser incessantemente ouvida e contemplada por todos. Devemos contá-la, proclamá-la e testemunhá-la, sempre de novo, a todos os homens e mulheres que Deus ama.

Ela é a parábola da nossa vida, da nossa história, de cada um dos nossos caminhos.

Longe de uma imagem de um Deus severo, com a lei na mão pronto para nos acusar, Jesus nos revela o rosto de Deus Pai-Mãe de infinita ternura, que se alegra com o retorno de seus filhos à convivência em sua casa. De fato, no Evangelho de hoje, a volta do filho perdido provoca uma “explosão de alegria” no Pai. Sua alegria era tão intensa que ele não poderia esperar para dar início à comemoração. A expressão “depressa” com a qual o pai exorta seus criados denota que o serviço deve ser executado sem demora, pois o filho não pode ficar por mais tempo privado de sua dignidade.

As ordens aos empregados são dadas em voz alta para que todos fiquem sabendo da festa, para que a sua alegria seja conhecida e partilhada por todos.

Ele convida todos a comer, beber e dançar. Uma grande festa tem início, mas não tem fim.

Tão fortemente o pai deseja dar vida a seu filho mais novo que parece quase impaciente. Nada é suficientemente bom. O melhor precisa lhe ser dado.

Ele ordena que o filho seja imediatamente vestido com a túnica luxuosa, como a que é usada nos dias de festa pelos hóspedes ilustres. O filho recupera sua identidade e sua dignidade de filho. O pai lhe dá o anel para honrá-lo como seu filho amado e novamente devolver-lhe a condição de herdeiro e a plenitude de seus direitos. Com as sandálias, é devolvida ao filho a condição do homem livre e de senhor da casa.

Mas o Pai não ama só o filho perdido e reencontrado. Ele ama também aquele que ficou em casa, a seu lado, e que deixou seu coração endurecer. Ele vai ao seu encontro, vai para pedir que participe da alegria do reencontro e da festa. Não o deixa na sua solidão e na sua rejeição. Não acusa seu pecado.

O Pai procura também aqueles que têm um coração de pedra, invejoso e legalista. O fato miraculoso não está só em que o pai não renegou o filho mais moço, e sim que tenha sido compreensivo com um homem tão duro, frio e rígido como o filho mais velho, e que continua a chamá-lo de “filho”.

A misericórdia, portanto, é o núcleo do Evangelho. E a misericórdia é o “amor em excesso”. Na misericórdia, Deus sempre nos surpreende, sempre excede nossas estreitas expectativas, para abrir caminho a partir de nossas fragilidades. Só o amor misericordioso de Deus nos reconstrói por dentro, destravando-nos, colocando-nos em movimento e abrindo-nos em direção a um horizonte de sentido, de responsabilidade e compromisso.

Deus, em sua misericórdia reconstrutora,  libera em nós as melhores possibilidades, riquezas escondidas, capacidades, intuições... e nos faz descobrir em nós, nossa verdade mais profunda de pessoas amadas, únicas, sagradas, responsáveis... A misericórdia é expansiva, e desata ricas possibilidades latentes em cada um. Ela impulsiona a ir além de si mesmo.

Podemos concluir afirmando que a misericórdia não é só a mais divina, mas também a mais humana das virtudes. É aquela que melhor revela a natureza do Deus Pai.


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