Evangelho do dia: Jo 8, 1-11
Jesus percebeu algo muito sério nesta
inclinação que temos de julgar as
outras pessoas.
É escandalosa a capacidade do ser humano
de causar dano aos outros por meio do juízo gratuito, desqualificação e condenação.
Todos
temos vocação de juízes; todos somos peritos em alimentar um tribunal interior,
onde a lei ocupa o centro.
As
boas relações só são possíveis quando não se julgamos uns aos outros. Quando alguém
sabe ou suspeita que lhe estão julgando; a relação humana se complica, se
envenena, e termina por fazer-se insuportável. É muito duro ir pela vida
sabendo que alguém pensa mal de você.
Por detrás de tanto juízo e condenação existe
uma insegurança radical, que se disfarça de lei.
A necessidade de ter razão e de
acreditar ser portador da verdade é indício de uma insegurança insuportável de
base. O fanatismo religioso revela
insegurança camuflada, como o afã de superioridade esconde um doloroso
complexo de inferioridade.
Quando
alguém se eleva em juiz da vida dos outros e se considera com conhecimentos
para condená-los, usurpa o lugar de Deus. Por isso é tão frequente que as
pessoas que se consideram mais próximas a Deus são os juízes mais implacáveis
dos outros.
No
evangelho de hoje, o pressuposto de Jesus é que ninguém pode ser identificado
com seus atos exteriores. Dentro de cada um, existe um mistério profundo e
impenetrável, cujo conhecimento é reservado unicamente a Deus. Por detrás de
cada ato humano, existe uma história que se nos escapa. Deixemos que Deus seja
Deus e que Ele tenha a última palavra. Ele conhece cada pessoa, na sua
intimidade. É com misericórdia que ele
pesa as ações humanas; por isso Ele salva sempre.
O relato de João, indicado para a liturgia deste
domingo, põe em confronto duas maneiras
diferentes de reagir perante a “mulher pecadora”: de acolhida e
proximidade ou de distância e julgamento.
De um lado, os olhares dos escribas e fariseus se voltam
para a mulher, ao mesmo tempo que a atenção repreensiva concentra-se sobre
Jesus, buscando motivos para também julgá-lo.
Por outro lado, entre o Mestre e a mulher se instaura uma surpreendente compreensão e
acolhida: nada de julgamento e condenação.
A mulher encontrou e descobriu, nas palavras e na pessoa de Jesus, um modo
novo e fascinante do rosto misericordioso
de Deus. Ela sentiu-se perdoada por Jesus, o “justo”, o amigo dos publicanos e dos pecadores.
Jesus não
contabiliza os pecados, não classifica as pessoas em puras e impuras. Ele abraça a realidade em sua totalidade, integrando-a.
Ele
acolhe e celebra a vida em sua totalidade. Não foi o passado de erros da mulher que
determinou a atitude de Jesus para com ela, pois Ele não se deixa determinar
pelo passado.
Jesus tem
um coração expansivo, voltado
para todas as direções, onde quer que se encontre a realidade limitada e
frágil. O encontro com Ele não desperta sentimentos de culpa; as pessoas podem
retirar-se em paz. Jesus faz da misericórdia
o verdadeiro evento divino. Nele, a misericórdia
torna-se o dom constitutivo não só do divino, mas também do humano.
Enquanto os escribas e fariseus não entendem a ternura e a acolhida de Jesus para com a mulher; esta, ao contrário, conhece o
mistério inefável da Misericórdia e
abandona-se a Ele. Libertada de seu
passado e amada no pressente, a mulher sente-se devolvida à vida, levando
consigo no coração um dom inesperado: o perdão,
que a inunda de paz e alegria.
Ela muda a sua vida quando percebe ser amada por um
amor envolvente, gratuito, antecipado.
A
mulher estava preparada para a morte, mas Jesus a despede viva, abrindo uma
nova possibilidade de futuro. É notável como Jesus encarna a atitude de
rejeição ao pecado e amor ao pecador. Isto foi magistralmente expresso por S.
Agostinho: “Só ficaram dois, a miserável
e a misericórdia”.
Onde
impera a Lei, não há futuro, só julgamento; onde a Misericórdia encontra espaço ali a vida tem nova chance. Os acusadores acreditavam estar
seguros, fundamentados na lei e na sua consciência. Jesus os conduz a um nível
mais profundo, apelando a se olhar a si mesmos.
Jesus
não se comportou como juiz, nem com relação à mulher nem com os acusadores. Ficou
num plano superior, no nível da miseri-córdia.
Todos devem reconciliar-se e iniciar uma
vida em gratuidade, criando condições distintas de convivência, e gratuidade
não coercitiva.
Uma pergunta: O
que você ainda não perdoa?
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