Numa
aula de História (daqui a cem anos)
O cenário é nosso velho
conhecido. Alunos sentados em filas, o professor lá na frente, deitando
falação. A novidade são as carteiras,
cujo tampo é uma tela interativa igual à do professor, que substituiu a
lousa (ops, no meu tempo já não existia lousa...). De lá, os alunos têm acesso
instantâneo ao mundo.
Diz o mestre:
-
Hoje vamos estudar a “Queda de Brasília”.
- Não é “da Bastilha, fessor”, diz o Joãozinho lá no fundão, enquanto manda um zapinbox para a Julinha, a lourinha mais jeitosa da turma.
- Não, é Brasília mesmo, no Brasil. Bastilha foi na França, em 1789. Brasília caiu em 13 de setembro de 2016. Foi assim:
O Brasil vivia um dos
muitos momentos de crise da sua história.
E dessa vez era geral. Crise econômica, desemprego, recessão e, vejam só, muita
corrupção. Naquele tempo havia muita
corrupção no Brasil...
Mas,
a diferença estava no fato de que, por motivos vários, as denúncias que vinham
à tona, pela primeira vez na história do país, estavam sendo realmente apuradas
e os corruptos de primeiro escalão, grandes empresários, políticos influentes,
estavam sendo julgados, condenados e indo pra cadeia.
- Cadeia? O que é isso, professor?
- Era o lugar para onde mandavam criminosos, naquele tempo e de onde eles saiam piores ainda. Mas isso eu explico noutra aula.
Apesar
da surpreendente ação da Justiça, as elites que ocupavam o poder tinham ainda
grande controle da situação. Uma presidenta acabara de ser destituída por um
impeachment...
- Presidenta? Impeachment?
- Olha, meninos, se eu for explicar tudo tin tin por tin tin, não vamos sair daqui hoje. Bruno, desliga esse teizer e presta atenção. Aqui não tem nenhum pokemon!
- Tin tin por tin tin...? O professor surtou…
- Bem, como eu dizia, a presidenta caíra e o interino virou titular. Esse aí, na tela, com cara de vampiro. E um dos acordos que fizeram entre eles pra derrubar a presidenta, era salvar a pele de um deputado que se tornara símbolo da corrupção, um tal de Eduardo Cunha. Por isso tem gente que fala na ‘Queda do Cunha’, que acabou derrubando Brasília.
- Eduardo, fessor, igual o senhor. O que ele fez?
- Eu não sou Cunha! Sou Machado e não sou ladrão! E seria mais fácil dizer o que ele NÃO fez... Continuando: os aliados do Cunha e do vampiro combinaram de fazer a sessão que julgaria o deputado numa segunda feira, dia em que tradicionalmente não havia quórum na casa, um 12 de setembro, para ser mais preciso. O Brasil ainda vivia a ressaca de uma Olimpíada e estava a vinte dias de uma eleição municipal. Ou seja, a sessão ia acontecer na calada da noite (ou do dia).
Pelas regras, para
cassar o deputado, precisava de metade dos votos mais um. Com o plenário esvaziado, seria
grande a chance de ele não ser punido. E foi o que aconteceu. Dos 500 e tantos
deputados que havia, apenas 237 compareceram. O curioso é que, numa das
denúncias, um delator disse que o deputado exigiu uma propina dizendo que tinha
200 deputados pra sustentar...
O
placar confirmou: 200 a 37ª, a favor do Cunha. Só que...
Eles,
acostumados a viver naquela ilha da
fantasia que era a Brasília daqueles tempos, não imaginavam que haveria reação.
E ela começou quando um professor postou no Facebook (que era o IC (Instant
Connections) daqueles tempos, uma longa carta onde dizia da sua indignação e
convocava a população a ter vergonha na cara e não engolir aquele escárnio.
- O fessor empolgou, tá falando igual meu avô...
- A coisa começou aos poucos. De todo os cantos do Brasil começaram a chegar caravanas, carros, gente desembarcando na Rodoviária (depois eu explico o que é carro e Rodoviária, Joãozinho), no aeroporto e indo todos acampar no gramado, em frente ao Congresso. Naqueles dias, suas excelências estavam votando aumentos para si mesmos e seus asseclas. A casa estava cheia.
- Asseclas? Pirou...
- A multidão cercou o prédio. Ninguém entra, ninguém sai. O grupo se dividiu em três. Uma parte ficou no Congresso, outra cercou o Supremo Tribunal Federal e um terceiro grupo sitiou o Palácio do Planalto. Entrava em cena o Poder acima dos três poderes, o povo, do qual, segundo o artigo primeiro, parágrafo primeiro da Constituição, “emana todo poder, que é exercido por meio de representantes eleitos ou diretamente”.
Ou
seja, se os representantes não são fiéis ao exercício do poder, conforme foram
eleitos, o povo pode e deve assumir diretamente os destinos da nação.
- Isso é que é revolução, professor?
- Sim, meu caro, isso é Revolução. E a História está cheia de momentos assim, que mudaram o rumo das coisas e dos acontecimentos...
Ali, na Queda de
Brasília, o Brasil começou a mudar.
- Sem violência?
- No início, houve quem quisesse colocar fogo no circo (depois explico o que é circo...). Alguém, inspirado, com certeza, pela Revolução Francesa, sugeriu aproveitar o formato dos prédios do Congresso e instalar ali uma guilhotina gigante, usando a cúpula côncava como cesto, mas a ideia foi logo descartada.
Líderes
do movimento lembraram o projeto de lei que estava engavetado no Congresso e
propunha implementar medidas de combate à corrupção a partir da experiência do
Ministério Público. Seriam dez medidas para aprimorar a prevenção e o combate à
corrupção e à impunidade.
Só sai daí depois de
votar a lei!
Era o grito da multidão.
O
presidente do Congresso, um dos mais interessados em abafar o movimento, ligou
para os militares do Alto Comando pedindo intervenção e proteção. O general que
atendeu disse que ia, sim, colocar a tropa na rua, para apoiar a multidão.
Resumo:
a lei foi aprovada, outras vieram, inclusive uma que implementava uma
verdadeira reforma política (o povo não arredou pé até que suas excelências
votassem a pauta completa de reivindicações), eleições gerais foram marcadas,
já sob os auspícios da nova legislação e o país começou uma lenta, gradual e
segura caminhada rumo à sua reintegração moral, política, econômica e social.
- E o Cunha, fessor, o que foi feito dele?
- O movimento revolucionário criou um comitê apelidado de Esquadrão Curitiba. O interessante é que todos os seus membros eram nisseis e sanseis, tanto que eram chamados de “japoneses da Federal”.
Pois
bem, os deputados, agora com quórum completo, cassaram o correntista suíço
(depois eu explico) e o Esquadrão Curitiba levou-o a julgamento sem as tais
imunidades e impunidades parlamentares, além do famigerado foro privilegiado,
que também caíra na reforma.
Julgado e condenado, na
forma da nova lei, teve que devolver o dinheiro roubado, perdeu privilégios, bens
e propriedades, inclusive o que estava em nome de laranjas...
- Quê que laranja tem com isso, fessor?
- Depois explico...
Resumindo,
o Cunha se ferrou, ele e outros, em seguida, enquadrados na nova legislação. E
foi assim, meninos, de forma bem resumida, a “Queda de Brasília”, página da
nossa História sem a qual vocês não estariam vivendo no país em que vivem hoje.
- Mas ainda tem corrupção, fessor,
- Mas não tem impunidade, Joãozinho, isso faz muita diferença.
- Gostei da aula, fessor, mas o senhor deixou um monte de coisa sem explicar...
- Assunto para amanhã, turma. Hora do recreio!
- Êêêê!!!
-
Aluno é tudo igual...
Muito profético
ResponderExcluirMuito profético
ResponderExcluirMuito bom!!!!
ResponderExcluir