Significado tem a participação do Papa
Francisco na comemoração dos 500 anos da Reforma Luterana, em Lund (31/OUT a 3/NOV)?
A presença do Papa será um fato bonito e importante. É a primeira vez que um Papa comemora a Reforma. Isso é um
passo gigantesco no Ecumenismo. Participar nessa comemoração significa
considerar a Reforma como um evento positivo na história da
Igreja, e que também fez bem ao catolicismo. É um gesto de grande
relevância, pois o Papa se dirige para Lund,
casa dos luteranos, como se fosse alguém da família. Dá a impressão que Francisco
também se sente parte daquela porção de cristandade que nasceu da Reforma.
E contribuição do Papa Francisco no caminho da unidade dos cristãos?
Seu esforço
de reinventar o papado, e buscar um modo novo e diferente de viver o ministério do bispo de Roma. O papado, tal como foi entendido e vivido nos últimos 1.000 anos, é
um dos grandes obstáculos para a unidade dos cristãos. O Papa Francisco está se movendo para um modelo de
papado diferente do senhor feudal, em relação ao qual as outras Igrejas cristãs
poderiam assumir posições novas.
Quais os passos mais significativos do diálogo católico-luterano nos últimos 50 anos?
Houve acordos muito importantes: A "Declaração conjunta sobre a doutrina da justificação", em 1999, na qual aparece a criação de uma nova fórmula de
entendimento ou de pacto entre as Igrejas; e o "consenso
diferenciado". Chegou-se a um acordo sobre os fundamentos da doutrina, embora permaneçam algumas diferenças.
Houve também acordos significativos: o da Eucaristia
(embora
não tenha produzido mudanças substanciais. A hospitalidade Eucarística,
oficialmente, ainda não é concretizada. Não estamos mais "uns contra os outros armados", mas
há um intercâmbio bonito, e partilha em
comum dos dons que cada um pode ter recebido de Deus.
Os dramas, dificuldades e sofrimentos do nosso tempo podem constituir um estímulo para a recomposição da unidade?
As circunstâncias históricas podem
solicitar e favorecer um caminho mais
rápido para a unidade: prova disso são algumas iniciativas que protestantes
e católicos promovem juntos para enfrentar os problemas da contemporaneidade. Penso
que, se a comunhão não nascer da fé, da
esperança e do amor (núcleo do cristianismo), ela vai acabar sendo fraca ou
desmoronando quando os problemas que a suscitaram forem resolvidos. É preciso
trabalhar com paciência a dimensão espiritual, porque só desse modo é possível
construir uma comunhão duradoura.
Quais são as iniciativas mais interessantes lançadas em conjunto por católicos e protestantes?
Quais são as iniciativas mais interessantes lançadas em conjunto por católicos e protestantes?
Os Conselhos
das Igrejas Cristãs constituídos
em algumas cidades (Milão, Veneza...). Esses conselhos se
encontram periodicamente e atuam de muitos modos e em muitas frentes. Em alguns
países também existem os Conselhos
Nacionais das Igrejas Cristãs (CONIC). Essa é a iniciativa mais
relevante, e os os encontros promovidos pela Conferência
das Igrejas Europeias (
protestantes e ortodoxas) e pelo Conselho
das Conferências Episcopais Católicas da Europa. Esses dois organismos
organizam assembleias comuns de grande interesse e valor ecumênico.
Os fiéis católicos e protestantes sentem a divisão da Igreja como uma ferida?
O tema da unidade dos cristãos é sentido apenas por
algumas minorias. A divisão é uma ferida grave. Quando os cristãos de
confissões diferentes vivem uns ao lado dos outros, sem ter nem buscar qualquer
relação entre eles, isso significa que eles se sentem cristãos
autossuficientes, que bastam a si mesmos para realizar a plenitude do
cristianismo. Isso é uma ilusão! O
cristão não é e nunca pode se considerar auto suficiente. Aqui somos
socorridos pela belíssima parábola do corpo de Cristo proposta por São Paulo na Primeira Carta aos
Coríntios (12, 12-26).
Assim como o olho precisa da mão, e a cabeça, dos pés, assim também cada cristão precisa não só do outro
semelhante a si mesmo, mas também daquele que é diferente de si mesmo. Essa
diversidade é manifestação da obra do Espírito, que suscita multiplicidade e
variedade de dons. O cristianismo é um
fato plural, e, nesse sentido, a multiplicidade e diversidade das Igrejas é
algo normal. O que é anormal é a divisão. A diversidade é cristã, a divisão, não.
Precisamos superar a divisão sem apagar a diversidade.
No documento "Do conflito à comunhão" (Comissão Internacional Católico-Luterana, em 2013), afirma: "Em 2017, devemos confessar abertamente que somos culpados diante de Cristo por termos rompido a unidade da Igreja. Este ano jubilar nos apresenta dois desafios: purificação e cura das memórias, e a restauração da unidade dos cristãos de acordo com a verdade do Evangelho de Jesus Cristo". Como esses compromissos vão se traduzir?
Eu não saberia dizer. Certamente, são
objetivos não a curto prazo. A "purificação da memória"
é importante. Purificar não é esquecer o passado, mas relê-la juntos. Em
relação à unidade da Igreja, a premissa necessária é o reconhecimento – por parte da Igreja
Católica e das Igrejas
ortodoxas – das comunidades protestantes como Igrejas
de Jesus Cristo, e não só como "comunidades
eclesiais". Essa falta de reconhecimento é, para os filhos da Reforma, uma ferida dolorosa.
Com que sentimentos se prepara para viver a comemoração da Reforma?
Sou grato a Deus por ter chegado este encontro. A Reforma foi uma bênção para o cristianismo e para a Igreja Católica. Sem a Reforma, o catolicismo teria sido incapaz de formular um projeto de reforma própria (Concílio de Trento). A Reforma deu origem a um novo tipo de cristianismo, a um repensamento original da fé: uma nova articulação do fenômeno cristão. A Reforma criou um novo modelo de Igreja cristã e um novo modo de se situar, como Igreja, na sociedade. Sou otimista neste caminho do diálogo ecumênico. Deus faz maravilhas em nós. O grande problema é a questão do poder, que ninguém quer perder. Será preciso repensar o poder na Igreja, nas Igrejas e entre as Igrejas.
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