Indignos da ceia de Jesus, mas sempre acolhidos... (Enzo Bianchi, IHU on-line)




Um dos temas mais incandescentes no atual debate eclesial é o relativo a quem pode participar da mesa eucarística. A atual disciplina católica a esse respeito é rigorosa: nem os não católicos – exceto em casos particulares – nem aqueles que vivem contradições públicas ao Evangelho podem participar dela.

A partir dessa norma, obtém-se a exclusão daqueles que vivem no pecado e se lembra que Paulo já admoestava os cristãos de Corinto a vigiarem sobre a sua celebração eucarística, porque, se não sabiam discernir o corpo de Cristo, comeriam e beberiam a própria condenação (cf. 1Cor 11, 28-29). Essa reivindicação deve ser levada a sério: para o Apóstolo, quem não discerne o corpo do Senhor nos pobres, nos membros do corpo de Cristo, não come a ceia do Senhor, despreza a Igreja de Deus e faz os pobres corarem.

Mas a exortação de Paulo não deve ser entendida como uma proibição dirigida a quem é indigno moralmente, porque todos os cristãos são e continuam sendo pecadores, mesmo quando se aproximam da Eucaristia. Não se trata de uma dignidade que depende do fato de ser irrepreensível, mas de um discernimento (diákrisis) do corpo do Senhor na realidade cotidiana.

Quem vai à ceia do Senhor se sente indigno até o último momento ("Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha morada..."), aproxima-se dela como um pecador que confia na misericórdia de Deus, está convencido de que a Eucaristia não é um prêmio para os bons, mas um sustento para os fracos e um viático para os pecadores (como já afirmou Bento XVI antes de Francisco).

A esse respeito, não podemos esquecer que a mesa do Senhor, inaugurada por Jesus na Última Ceia, incluía comensais certamente não dignos: participavam dela Judas, que O traiu; Pedro, que O renegaria pouco depois; os outros apóstolos que, conscientes da hora de Jesus, discutiam entre si sobre quem era o maior e que, por medo, O abandonariam, todos.

Assim como Jesus não desdenhou se sentar à mesa dos pecadores, assim também a sua mesa é lugar de acolhida de todos, dignos e indignos, espaço de inclusão em vista à comunhão na qual a santidade do Senhor Jesus encontra o pecado dos discípulos e se difunde entre eles, purificando-os. Por isso, Ele lhes oferece o cálice do seu sangue derramado justamente por eles ("por vós", diz, explicitamente) e pelas multidões, para a remissão dos pecados.

Além disso, essa é a consciência da grande tradição da Igreja indivisa, como mostra o diálogo que precede a comunhão eucarística entre o presbítero e o povo na liturgia bizantina: "As coisas santas são para os santos". Dois dos inumeráveis testemunhos patrísticos, um oriental e um ocidental, ecoam isso: "Não se abstenham da comunhão nos santos mistérios, não se privem da Eucaristia por estarem manchados do pecado" (Cirilo de JerusalémCatequeses mistagógicas V, 23); e "toda a vez que tu bebes do cálice, recebes a remissão dos pecados e te inebrias de Espírito" (Ambrósio de MilãoOs sacramentos V, 3, 17).

A Eucaristia é verdadeiramente a mesa do dom, da gratuidade do amor que não deve ser merecido: mesmo no acesso a essa mesa, Jesus faz com que os muros caiam, derruba as barreiras entre puros e impuros, anula as divisões. Mas com uma condição imprescindível e absoluta: que aqueles que vão a essa mesa acessem-na como um mendicante e estejam cientes da ação que realizam e do grande dom que recebem.


Inadequada é a pergunta: "Existe alguém entre nós que se sente digno?". Em vez disso, perguntemo-nos: "Existe alguém que, discernindo o corpo e o sangue do Senhor, tem sede de ser salvo?". Porque a mesa do Senhor está pronta, e Ele mesmo nos convida: "Venham a mim, cansados e oprimidos, doentes e pecadores, e Eu lhes darei a vida!".

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