“E Jesus começou a ensiná-los:
bem-aventurados...” (Mt 5,2)
O Evangelho
que nos foi confiado é um programa para alcançar a felicidade, a vida
ditosa, prazerosa, bem-aventurada. Na boca de Jesus brilha sempre a
palavra chave: “Felizes”. A felicidade,
proclamada aqui por Ele, é já uma realidade presente na sua pessoa e na sua
missão.
Todas e
cada uma das bem-aventuranças são autobiográficas. Jesus viveu-as durante
30 anos antes de proclamá-las. Elas são, portanto, a expressão do que
constitui o centro mesmo da sua pessoa e da sua vida, dos seus sentimentos,
atitudes; numa palavra, do seu mistério.
Poderíamos
dizer que as bem-aventuranças são o autorretrato de Jesus. Não é lei que se impõe, mas confissão: “o Reino chegou”.
As Bem-aventuranças não são uma doutrina, mas um estilo de
vida, um modo de proceder. Jesus não prega
diretamente uma moral. Proclama a “irrupção” da graça, do amor, da
misericórdia, da justiça de Deus na história da humanidade.
Chegou a “hora” de Deus intervir na história,
e Jesus proclama “felizes” os até agora indefesos, oprimidos e marginalizados,
mas que mantiveram viva a confiança em Deus.
Jesus fala da felicidade
não no singular, mas no plural. Em outras palavras,
o que Ele afirma é que a felicidade de cada um está em íntima
relação com a felicidade dos outros, com quem cada um convive.
Nas
nossas igrejas fala-se muito mais da renúncia ao prazer, do sofrimento, do
sacrifício, da suportabilidade e pouco de ser felizes, e deleitar-se com tudo
aquilo que Deus pôs no mundo e na vida. Não é comum encontrar pessoas que
associem Deus e a religião à alegria de viver.
Portanto,
o centro da fé cristã não está na
religião com suas exigências de sacrifícios e renúncias, com suas verdades e
suas normas, mas na felicidade dos seres humanos.
“A ética de Jesus é a ética do prazer de viver para todos, da felicidade compartilhada por todos,
sem excluir ninguém. E isso é o que mais custa assumir e aceitar como projeto
de vida, porque a ascética mais dura não é a da renúncia, mas sim da doação” (J. Maria
Castillo).
Os enunciados das bem-aventuranças soam
à primeira vista como “idealistas”, “utópicas”, não possíveis de
serem colocadas em prática no mundo em que vivemos. No entanto, pela sua provocação e questionamento, elas são a proposta mais realista, mais
revolucionária e mais eficaz jamais pronunciada.
As bem-aventuranças são a exposição mais
exigente e, ao mesmo tempo mais fascinante, da mensagem e da “intenção
de Cristo”. Elas são a plenificação daquilo que é o mais humano em nós.
De
fato, percebemos uma resistência surda frente às bem-aventuranças, não porque
nosso coração não se reconheça nelas, mas porque parecem tão impossíveis, tão
distantes estamos delas...; vivemos mergulhados em tantas contradições,
profundos dramas e violências que nos parecem desmenti-las. Incomoda-nos e
inquieta-nos sua mensagem de humildade, de mansidão, de paz, de pureza, de
misericórdia... quando, na realidade, estamos envolvidos em construir, em
fomentar um mundo que é arrogante, agressivo, violento, intolerante,
excludente, injusto...
Temos resistências em
escutá-las porque elas nos colocam de novo frente à verdade para a qual
nascemos, diante
do mais original de nosso coração e de nossas entranhas humanas. A ética de
Jesus nas bem-aventuranças encontra resistência para ser assumida por nós
precisamente em virtude de sua desconcertante humanidade.
As bem-aventuranças nos esperam no pequeno, no cotidiano, no próximo
mais próximo, e nos impulsionam a proclamar: a paz é possível, a alegria é uma
realidade, a justiça não é um luxo, a mansidão está ao alcance da mão... Elas nos dizem que nascemos para a bondade, a
beleza, a compaixão...
Ao formular as bem-aventuranças, Mateus traça o perfil que caracterizará os
seguidores de Jesus; elas condensam as atitudes básicas que os cristãos
devem ter na relação com os outros, seguindo as pegadas do Mestre. Jesus propõe
a ventura sem limites, a felicidade plena para seus seguidores. Deus não quer a dor, a tristeza, o
sofrimento; Deus quer precisamente o contrário: que o ser humano se realize
plenamente, que viva feliz... Jesus acreditava na vida, e queria que todos
vivessem intensamente.
As bem-aventuranças podem ser escutadas
como uma mensagem que brota do mais profundo da vida e que tem como finalidade
apresentar a qualquer pessoa o mais humano que existe em nós.
Ao
proclamar bem-aventurados os pobres, os que choram, os perseguidos, os
humildes... Jesus, certamente, jamais quis sacralizar a dor humana. Ele
constata a situação do povo, de pobreza, humilhação, submissão; percebe o
esforço que o povo faz para mudar a situação, e o proclama feliz nesta busca, porque esta busca mora no próprio
coração de Deus.
Aos olhos de Jesus nada é
mais perigoso para o espírito humano do que vidas satisfeitas, acomodadas, sem
desejos, sem a
afeição das esperas e o desassossego das buscas; corações quietos, indolentes,
medrosos, covardes, petrificados, sensatamente contentes com aquilo que são e
têm.
Como são repletos de vida os
que quase nada são e têm, os que
ainda se encantam com as buscas, os que sonham e lutam por um mundo novo. Sua
vida é penosa, sem dúvida, mas repleta de razões, criatividade, entusiasmo e
vitalidade.
Todos os
seres humanos desejam ser felizes. Com tudo, a felicidade não é uma situação existencial que possamos agarrar e possuí-la
nem uma sucessão interminável de prazeres que acabam por nos esgotar, mas uma forma
de ser e de viver.
A felicidade que
buscamos é o que realmente somos.
Ser feliz, portanto, consiste em experimentar na existência a plenitude de
nossa verdadeira identidade.
Ser feliz é deixar
viver a criatura livre, alegre e simples presente dentro de cada de nós.
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