O Espírito conduziu Jesus
ao deserto, para ser tentado pelo diabo... (Mt 4,1)
O deserto
é um lugar instigante na vida humana. Apresenta-se como o lugar da tentação e
também onde o Senhor nos fala ao coração. O
interior não se expande sem períodos de deserto.
Há desertos que são buscados, e há
também aqueles que a vida nos traz. Eles sempre aprofundam em nós uma dimensão
do amor.
Os
evangelhos sinóticos
(Marcos, Mateus e Lucas) colocam o
relato das tentações de Jesus no início de sua atividade pública. Acaso eles
estão a dizer que, antes de começar uma missão, é preciso enfrentar-se com os
próprios “demônios interiores”?
“Demônios
interiores” é tudo aquilo que nos divide (“dia-bolum”=o
que divide) e rompe a comunhão com os outros, com Deus e com suas
criaturas; forças ocultas que conduzem aonde não queremos ir.
O “dia-bolum” não reconhece o Criador, e
gosta de possuir, conquistar, adular, mandar, competir, destacar, impor... E repugna
o doar, servir, colaborar, agradecer, suscitar, partilhar...
Os
“demônios”, dos quais os relatos sinóticos falam, são três: Ter, Poder e Aparência (vaidade). Neles o “EGO” se entrincheira e se apega aos bens
materiais, ao poder e ao prestígio. O que o EGO busca é uma só coisa: segurança. Por isso, a maneira de
“lidar” com esses demônios interiores é reconhecer as carências pendentes em
nossasvida e descobrir a falsidade de suas promessas. Tendências narcisistas,
próprias de um ego imaturo.
Perceber as “vozes dia-bólicas” (aquilo
que nos divide!) de nosso interior pode ajudar a compreender as mentiras que
elas prometem. A segurança e a felicidade não estão no dinheiro, nem no o poder
ou a fama. Esse futuro não tem fundamento e viver para ele é “perder a vida”.
A segurança
não se encontra ao alcance do ego nem está sob o seu controle. O que
ardentemente aspiramos é nada menos que o
Absoluto (“adorarás ao Senhor, teu
Deus, e somente a Ele prestarás culto”),
não como “algo”, mas como “alguém”.
Jesus tentado
nos ajuda quando tentados. Ele também “foi provado em tudo
como nós” (Hb 4,15) e precisou superar a “divisão interna”, própria dos humanos,
para viver a densidade aberta e oblativa.
Jesus no deserto
viveu um processo de humanização profundíssimo, deixando-se pacificar e conduzir pelo
Espírito, reencontrando na própria história, pontos de referência fundamentais
que vão situá-lo na condição de Filho de Deus. As tentações
não foram um momento da vida de Jesus, mas uma “sombra escura” que o acompanhou ao longo de toda sua vida.
Frente
ao ídolo do poder e do ter, Ele se mantém de pé, despojado; frente ao desejo de utilizar sua condição
de Filho em seu próprio benefício, elege o caminho da obediência
sintonizada no Pai; frente ao discurso
do êxito e da fama, Ele elege o do serviço. As tentações são expressão do conflito permanente
de sua vida e de sua obra.
Jesus
não veio para que os anjos esvoaçantes o carregassem, mas para carregar sobre
seus ombros a ovelha perdida; não veio para transformas pedras em
pães, mas para entregar-se Ele mesmo como Pão de vida; suas mãos não se fecham
possessivas sobre as riquezas, mas para levantar os caídos e sarar feridos...
Neste tempo quaresmal, identificados com
Jesus na estadia do deserto, vamos “des-velando” nossos dinamismos “dia-bólicos” ,
que atrofiam nossas forças criativas e nos distanciam da comunhão com tudo e
com todos.
Não nos
deixeis cair na tentação do ter, do poder e da ambição desenfreada...
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