“Buscai
em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça” (Mt 6,33)
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil–CNBB, por ocasião de sua 55ª Assembleia Geral, reunida em Aparecida-SP, de 26 de abril a 5 de maio de 2017, sente-se no dever de, mais uma vez, apresentar à sociedade brasileira suas reflexões e apreensões diante da delicada conjuntura política, econômica e social pela qual vem passando o Brasil. Não compete à Igreja apresentar soluções técnicas para os graves problemas vividos pelo País, mas oferecer ao povo brasileiro a luz do Evangelho para a edificação de “uma sociedade à medida do homem, da sua dignidade, da sua vocação” (Bento XVI – Caritas in Veritate, 9).
O que está acontecendo com o Brasil? Um País
perplexo diante de agentes públicos e privados que ignoram a ética e abrem
mão dos princípios morais, base indispensável de uma nação que se queira justa
e fraterna. O desprezo da ética leva a
uma relação promíscua entre interesses públicos e privados, razão primeira
dos escândalos da corrupção. Urge, portanto, retomar o caminho da ética como condição indispensável para que o
Brasil reconstrua seu tecido social.
Só assim a sociedade terá condições de lutar contra seus males
mais evidentes: violência
contra a pessoa e a vida, contra a família, tráfico de drogas e outros negócios ilícitos, excessos no uso da força policial, corrupção, sonegação fiscal,
malversação dos bens públicos, abuso do
poder econômico e político, poder discricionário dos meios de comunicação
social, crimes ambientais (cf. Documentos da CNBB 50– Ética, Pessoa e Sociedade
– n. 130)
O Estado democrático de
direito, reconquistado com intensa participação popular após o regime de
exceção, corre riscos na medida em que crescem
o descrédito e o desencanto com a política e com os Poderes da República
cuja prática tem demonstrado enorme distanciamento das aspirações de grande
parte da população. É preciso construir
uma democracia verdadeiramente participativa. Dessa forma se poderá superar
o fisiologismo político que leva a barganhas sem escrúpulos, com graves
consequências para o bem do povo brasileiro.
É sempre mais necessária uma profunda reforma do sistema
político brasileiro. Com o exercício desfigurado e desacreditado da
política, vem a tentação de ignorar os políticos e os governantes,
permitindo-lhes decidir os destinos do Brasil a seu bel prazer. Desconsiderar os partidos e
desinteressar-se da política favorece a ascensão de “salvadores da pátria” e o
surgimento de regimes autocráticos. Aos políticos não é lícito exercer a
política de outra forma que não seja para a construção do bem comum. Daí, a necessidade
de se abandonar a velha prática do “toma lá, dá cá” como moeda de troca para
atender a interesses privados em prejuízo dos interesses públicos.
Intimamente unida à
política, a economia globalizada tem
sido um verdadeiro suplício para a maioria da população brasileira, uma vez
que dá primazia ao mercado, em detrimento da pessoa humana e ao capital em
detrimento do trabalho, quando deveria ser o contrário. Essa economia mata e
revela que a raiz da crise é antropológica, por negar a primazia do ser humano
sobre o capital (cf. Evangelii Gaudium, 53-57). Em nome da retomada do
desenvolvimento, não é justo submeter o Estado ao mercado. Quando é o mercado que governa, o Estado torna-se fraco e acaba
submetido a uma perversa lógica financista. Recorde-se, com o Papa Francisco,
que “o dinheiro é para servir e não para
governar” (Evangelii Gaudium 58).
O desenvolvimento social, critério de legitimação de políticas econômicas, requer políticas públicas que atendam à
população, especialmente a que se encontra em situação vulnerável. A
insuficiência dessas políticas está entre as causas da exclusão e da violência,
que atingem milhões de brasileiros. São catalisadores
de violência: a impunidade; os crescentes conflitos na cidade e no campo; o desemprego; a desigualdade
social; a desconstrução dos direitos
de comunidades tradicionais; a falta de reconhecimento
e demarcação dos territórios indígenas e quilombolas; a degradação
ambiental; a criminalização de
movimentos sociais e populares; a situação deplorável do sistema
carcerário.
É preocupante, também, a falta de perspectivas de futuro para os
jovens. Igualmente
desafiador é o crime organizado,
presente em diversos âmbitos da sociedade.
Nas cidades, atos de violência espalham
terror, vitimam as
pessoas e causam danos ao patrimônio público e privado. Ocorridos recentemente,
o massacre de trabalhadores rurais
no município de Colniza, no Mato Grosso, e o ataque ao povo indígena Gamela, em Viana, no Maranhão, são
barbáries que vitimaram os mais pobres. Essas ocorrências exigem
imediatas
providências das autoridades competentes na apuração e punição dos
responsáveis.
No esforço de superação do grave momento atual, são necessárias reformas, que se legitimam quando obedecem à lógica do diálogo com toda a sociedade, com vistas ao bem comum. Do Judiciário, a quem compete garantir o direito e a justiça para todos, espera-se atuação independente e autônoma, no estrito cumprimento da lei. Da Mídia espera-se que seja livre, plural e independente, para que se coloque a serviço da verdade.
Não há futuro para uma sociedade na qual
se dissolve a verdadeira fraternidade. Por isso, urge a construção de um projeto viável de nação
justa, solidária e fraterna. “É
necessário procurar uma saída para a sufocante disputa entre a tese neoliberal
e a neoestatista (…). A mera atualização de velhas categorias de pensamentos,
ou o recurso a sofisticadas técnicas de decisões coletivas, não é suficiente. É
necessário buscar caminhos novos inspirados na mensagem de Cristo” (Papa
Francisco – Sessão Plenária da Pontifícia Academia das Ciências Sociais – 24 de
abril de 2017).
O povo brasileiro tem coragem, fé e
esperança. Está em suas
mãos defender a dignidade e a liberdade, promover uma cultura de paz para
todos, lutar pela justiça e pela causa dos oprimidos e fazer do Brasil uma
nação respeitada.
A CNBB está sempre à disposição para colaborar na busca de soluções para o grave momento que vivemos e conclama os católicos e as pessoas de boa vontade a participarem, consciente e ativamente, na construção do Brasil que queremos.
No Ano Nacional
Mariano, confiamos o povo brasileiro, com suas angústias, anseios e esperanças,
ao coração de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil. Deus nos abençoe!
Aparecida – SP, 3 de
maio de 2017.
Cardeal
Sergio da Rocha
Arcebispo de Brasília
Presidente da CNBB
Dom Murilo Sebastião Ramos Krieger, SCJ
Arcebispo de São
Salvador da Bahia
Vice-Presidente da CNBB
Dom Leonardo Ulrich Steiner
Bispo Auxiliar de Brasília
Secretário-Geral da CNBB
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