As dificuldades que estamos vendo acontecer em nossa Igreja, com fortes
resistências às reformas implementadas pelo bispo de Roma, o Papa Francisco, são compreensíveis a partir das
resistências a um novo paradigma que emergiu fortemente com o Concílio Vaticano
II. Na realidade, esse modelo não tem sua origem nesse Concílio, mas ele
foi resgatado das fontes da Igreja primitiva.
Trata-se do paradigma que se caracteriza pela "gratuidade". É o modo de ver o
mundo e as pessoas a partir da bondade, da misericórdia, da ternura e da
generosidade do próprio Deus amor. Esse protótipo sempre foi vivido de forma
individual pelas pessoas santas e bondosas que marcaram a vida de nossa Igreja,
mas no segundo milênio da era cristã ele desapareceu da vida institucional da
Igreja, de sua maneira de se organizar e de atuar em relação ao mundo, dando origem ao paradigma da
"intolerância".
Nesse paradigma da intolerância, o Evangelho facilmente foi endoutrinado, como disse o Papa
Francisco, foi transformado em pedras
para atirar sobre os outros que não pensavam como nós. Reinava a
desconfiança, o controle, a rigidez das normas, a força da autoridade, o
fechamento a todo diálogo, as condenações de toda espécie, o centralismo
romano, a impossibilidade de participar das decisões que vinham de cima para
baixo. Antes do Concílio Vaticano II, a Igreja se opunha ao mundo moderno e não
queria diálogo com ele. A tentativa era
de se criar uma sociedade alternativa, com partidos políticos católicos,
associações e instituições católicas, sempre em oposição intransigente ao mundo
moderno. Era, realmente, uma Igreja
"de costas" à realidade.
O Concílio colocou a Igreja em diálogo com o mundo moderno e fez ver um modo
positivo de estar nele como fermento na massa, como sal da terra e luz do
mundo. A Igreja, antes considerada
como a salvação para o mundo, passou a
ser definida como "sacramento" ou "sinal e instrumento" da
salvação, realizada em Jesus Cristo. Além disso, ela deixou de ser somente
a hierarquia para se transformar numa Igreja
povo de Deus, onde a hierarquia faz parte desse povo, todo ele rico em
dons, carismas e ministérios diversificados. Os cristãos leigos e leigas
passaram a ter um papel positivo dentro da Igreja e no mundo, sendo seu
apostolado compreendido como derivação de seu Batismo e conferido pela próprio
Senhor.
O Concílio Vaticano II não quis entrar pelo caminho do paradigma
anterior, que era o da intolerância. E o Papa Francisco, movido pelo novo
paradigma do Concílio, desde o início de seu ministério, nos falou da
"ternura" e do "cuidado". Ainda mais, convocou-nos à
"revolução da ternura" (EG 88) e nos introduziu num ano jubilar sobre
a "misericórdia". É isso que ainda muitos não compreenderam, pois o
paradigma anterior custa a ceder e quer resistir mediante as
"condenações", a defesa de uma fictícia "tradição" (com
"t" minúsculo!), em nome de uma "doutrina" e de
"verdades" que, segundo eles, estão sendo transgredidas.
Em visita à Cuba, o Papa Francisco citou Santo Ambrósio que dizia: "Onde
há misericórdia, está o espírito de Jesus. Onde há rigidez, estão apenas seus
ministros". E o teólogo Marciano
Vidal afirmou: "Há questões na
Igreja que podem ter uma orientação mais misericordiosa, sem deixar de ser
evangélica".
No entanto, é muito difícil mudar a
cabeça das pessoas que se habituaram com o paradigma anterior e se beneficiaram
com ele, com poderes e privilégios.
Não tenhamos medo da ternura! É com ela que somos chamados a
realizar a reforma de nossa Igreja, das nossas relações, do nosso
comportamento, das nossas atitudes e do nosso modo de ser. Em tudo e acima de
tudo devemos ter o estilo de vida de Jesus de Nazaré, despojando-nos do
paradigma da intolerância.
Na realidade a Igreja tinha medo de se sentir fragilizada diante dos oportunismos e hoje como Jesus anda no meio do povo sem medo de ser apedrejado.
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