Há mais mistérios entre o céu e a terra do que a vã filosofia dos homens possa imaginar. Esta frase de William Shakespeare se encaixa bem na proposta do documentário Nostalgia da Luz, trabalho do chileno Patrício Guzmán (*1941).
O filme tem como palco central o deserto do Atacama, um local tão seco
que, ao mesmo tempo, atrai astrônomos e arqueólogos.
A grande sacada do longa-metragem é a percepção do tempo. Se tudo o que é visto no espaço é um retrato do passado, já que os eventos vislumbrados
ocorreram sabe Deus quantos anos-luz, o mesmo acontece na Terra. Por um
motivo muito simples: um mero piscar de
olhos oferece ao cérebro a imagem de um passado recente. São milésimos de
segundo, é verdade, mas ainda assim não se trata do presente. A partir desta
analogia, o longa oferece ao espectador uma divagação contemplativa sobre céu e terra. Se olhamos
para o alto para descobrir o passado, há na própria terra muito ainda a ser
descoberto.
O deserto do Atacama é o palco ideal para tal
comparação devido às
suas particularidades: sua mínima umidade faz com que poucas nuvens se formem
no local, possibilitando uma vista
límpida e privilegiada das estrelas. Não é à toa que vários observatórios foram
construídos no local.
Pelo mesmo motivo, o clima seco
ajuda a preservar o que está no solo. Desenhos pré-colombianos e restos
mortais são lá encontrados em um estado de conservação impressionante. É a
partir destas análises que Guzmán atinge o ponto central do
documentário: revelar as fraturas do passado e ressaltar a necessidade de
investigá-las para viver no presente.
Para isso, o diretor volta ao
tema mais doloroso da história recente do Chile: a ditadura de Pinochet,
que fez com que milhares de cidadãos simplesmente desaparecessem. Alguns destes
ressurgem no Atacama, parcialmente ou em sua totalidade.
O impacto visual da busca pelos corpos ganha ainda mais força a partir dos emocionantes
depoimentos coletados por Guzmán, de pessoas que se recusam a desistir porque
precisam de uma resposta que lhes traga a paz. Mesmo que esta venha através da
confirmação da morte.
De ritmo lento e com imagens belíssimas do
deserto, Nostalgia da Luz é
um filme reflexivo que busca entender a necessidade
humana em saber mais sobre si mesma. A célebre pergunta “o que somos” surge tanto no âmbito
cósmico quanto no social, habilmente unidas pelo diretor através da narrativa.
Belíssimo filme.
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