No final do seu primeiro dia no Peru,
em 19/JAN, o Papa foi à igreja de São Pedro, (século
XVI), e na imensa e bela sacristia se encontrou com mais 100 jesuítas. Ali falou
sobre o compromisso da Companhia com a evangelização dos povos
indígenas e com a educação, citando os padres Alonso de Barzana (1528-1598), Francisco
del Castillo (1615-1673), Antonio Ruiz de Montoya (1585-1652)
e outros.
1. Os jesuítas do Peru estão comprometidos com as questões relacionadas à reconciliação e à justiça. Agora, parece que as forças políticas chegaram inesperadamente a um acordo, e a reconciliação aparece como um chamado para todos. Propõe-se uma reconciliação sem que tenha havido um processo. Minha pergunta é: Que elementos levar em consideração quando queremos uma reconciliação? Sentimos que a palavra “reconciliação” foi manipulada, e sentimos que está sendo proposta uma justiça que não foi bem preparada. O que pensa sobre isso? A palavra “reconciliação” não é apenas manipulada, também está queimada. Atualmente – não apenas aqui, mas também em outros países de América Latina –, a palavra reconciliação foi enfraquecida. Quando São Paulo descreve a `reconciliação´ de todos nós com Deus, em Cristo, quer usar uma palavra forte. Hoje, entretanto, a “reconciliação” tornou-se uma palavra qualquer. Hoje, negocia-se debaixo dos panos.
Eu diria que não
devemos tocar o circo, mas também não chutá-lo. Devemos dizer aos que usam a `reconciliação´
em seu sentido enfraquecido: usem-na
vocês, nós não vamos usar uma palavra que hoje está queimada. Devemos continuar trabalhando para reconciliar
as pessoas, com a arma da oração, que é a que nos vai dar força e fazer
milagres, mas acima de tudo com a arma humana da persuasão. A persuasão age com
humildade.
Ir ao encontro do adversário, expor nossas razões
quando for dada a oportunidade... O que
atualmente se propõe não se trata de
uma verdadeira `reconciliação´, mas de uma negociação. E está bem: a arte
da liderança política implica também a capacidade de negociar. O problema está
no que se negocia. Se entre o que leva para negociar estão os seus interesses
pessoais, então já era...
Então, em vez de
falar de `reconciliação´, é melhor falar de “esperança”.
2. Santo Padre, temos diminuído em
número e continuamos com muitas instituições. Como nos animaria? Como fortalecer
nossa vocação de seguir Jesus e de viver na Companhia em meio a circunstâncias
que desanimam? O que dizer aos idosos vendo que os jovens escaseiam? O que
dizer aos mais jovens? Você disse que temos muitas “instituições”. Eu me
atrevo a corrigir a palavra: temos muitas
“obras”. Devemos fazer uma distinção entre obras e instituições.
O aspecto institucional é essencial na Companhia. Mas, nem todas as `obras´ são `instituições´.
Talvez o foram, mas o tempo fez com que deixassem de sê-lo. Discernir entre o que é uma `instituição´ que engaja e dá
força, que promete e é profética, e o que é uma `obra´. E sempre um discernimento pastoral e comunitário.
O padre Arrupe: fazer a seleção das obras com este critério: que sejam instituições,
no sentido inaciano da palavra, isto é, que engajem as pessoas e que respondam às demandas de hoje. E isso exige discernimento.
Considerando a diminuição de jovens e de forças, se
poderia mergulhar em uma `desolação institucional´. Não, isso não podemos
permitir. A Companhia de Jesus passou por um período de `desolação institucional´ durante o
generalato do Pe. Ricci (1703-1775),
e que acabou preso no Castelo Santo Ângelo. As cartas que o Padre
Ricci escreveu à Companhia, naquela época, são uma
maravilha de critérios de discernimento, critérios de ação para não se deixar
afetar pela `desolação institucional´. A desolação joga para baixo, é como um
cobertor molhado que jogam sobre você e leva à amargura, à desilusão...
O espírito da
desolação marca profundamente. Eu aconselho vocês a lerem as cartas do Pe. Ricci.
O Pe. Roothaan (1785-1853) passou por outro período de
desolação da Companhia devido à maçonaria. Houve a outros
períodos como esses na história da Companhia.
Por outro lado, devemos buscar os pais da
institucionalização da Companhia: Inácio, Fabro...
Aqui podemos falar do Pe. Barzana (1530-1597). Fiquei encantado com o Barzana. Era
chamado de um novo Francisco Xavier das Índias Ocidentais. E esse homem,
no deserto, semeou a fé. Dizem que era de origem hebraica (Bar Shana). É bom olhar esses homens
que foram capazes de institucionalizar, e que não se deixaram desolar.
Pergunto-me se Xavier, não podendo entrar na China, se estava
desolado? Não, eu imagino Xavier dizendo ao Senhor: “Vós não o quereis, então, tchau, está bem
assim!”. Escolheu seguir o caminho que lhe foi proposto, e, nesse caso, foi
a morte... Mas, está bem!
Não devemos entrar no jogo da desolação. Pelo
contrário, devemos procurar os jesuítas
consolados. Buscar sempre a consolação. Olhem para frente, e que o sorriso
do coração não se manche. Temos
necessidade do discernimento dos ministérios e das instituições em um clima de
consolação. O Pe. Lorenzo Ricci quis sempre escolher a
consolação mesmo no momento de maior desolação que a Companhia teve,
quando sabia que os tribunais europeus estavam prestes a dar o golpe de
misericórdia na Companhia.
3. O que dizer sobre o tema dos abusos sexuais?
Somos marcados por esses escândalos. O que pode nos dizer sobre este assunto? Ontem falei sobre isso aos sacerdotes
e religiosos chilenos na catedral de Santiago. É a maior desolação
que a Igreja está atravessando. E isso,
nos leva a passar vergonha, mas devemos lembrar que a vergonha também é uma graça muito inaciana, algo que Santo
Inácio nos faz pedir nos três colóquios da 1ª Semana dos Exercícios
Espirituais.
Devemos tomá-la como graça e ficar profundamente
envergonhados. Devemos amar uma Igreja com chagas. Muitas chagas...
No dia 24/MAR, na Argentina, é a memória do
golpe do Estado militar, da ditadura... E, a cada 24/MAR, a Praça de
Maio se enche de pessoas que fazem memória desse acontecimento. Em um dia
desses, saí da sede da Arquidiocese e fui ouvir as confissões das irmãs
carmelitas. Quando voltava, peguei o metrô e não desci na Praça de Maio,
mas seis quadras antes. A praça estava lotada; andei para entrar por um lado.
Quando atravessava a rua, um casal com uma criança. O menino se adiantou em relação
aos pais e o pai lhe disse: “Venha,
venha, venha... Cuidado com os pedófilos!” A vergonha que eu passei!
Alguns até dizem: “Bem, vejam as estatísticas... 70% dos pedófilos são do ambiente
familiar... A percentagem de pedófilos no clero é de apenas 1,6%. Não é para
tanto!...” Mas, é terrível! Deus nos
ungiu para abençoar e não para destruir. Vocês deveriam ouvir o que sente um abusado ou uma abusada. Nas
sextas-feiras, costumo me encontrar com alguns deles. Ficam arrasados!
Para a Igreja é uma
grande humilhação.
Isso mostra nossa fragilidade.
É chamativo o fato de que existem várias congregações, relativamente novas, cujos fundadores
caíram nesses abusos. Os casos são públicos. O Papa Bento XVI
interveio numa delas. O fundador tinha semeado esse costume. Eu tive que
suprimi-la. O abuso afetou algumas congregações novas e bem-sucedidas. Os abusos nessas congregações são sempre
fruto de uma mentalidade ligada ao poder que deve ser sanado em suas raízes
malignas. Existem três níveis de abusos:
1. Abusos de autoridade –misturar os
foros interno e externo; 2. Abusos
sexuais; 3. Fraudes econômicas.
O dinheiro sempre
está no meio: o diabo entra pelo bolso. Inácio põe o primeiro degrau das tentações na
riqueza... Depois vem a vaidade e a soberba. Em novas congregações muitas vezes
os três níveis acontecem simultaneamente.
4. Ajude-nos neste processo de discernimento. O Padre
Geral nos chama para pensar sobre os rumos que a Companhia precisa tomar nestes
tempos, considerando nossas fraquezas e fortalezas. Como está vendo que o
Espírito move a Igreja para o futuro? Como seguir os caminhos do Espírito? Respondo com uma palavra: “Concílio”.
Peguem o Concílio Vaticano II. Releiam a Lumen Gentium. Com os bispos chilenos, exortava-os
à desclericalização. O povo de Deus é quem leva a Igreja adiante. A graça da
missionariedade e do anúncio de Jesus Cristo nos é dada pelo batismo. A
evangelização é feita pela Igreja como povo de Deus. O Senhor quer uma Igreja evangelizadora. Uma Igreja que vai para
fora, que sai para anunciar Jesus Cristo. Depois, ou no mesmo momento que o
adora e se enche com Ele. Estou à porta e
bato. Se alguém me abrir, eu entrarei...
O Senhor está fora e quer entrar. Às vezes, no
entanto, o Senhor está dentro e quer
sair... Ele nos pede para sermos uma
Igreja em saída. Igreja hospital de
campanha... Ah, as feridas do povo de Deus! Uma igreja pobre e para os pobres! Os pobres são o centro do
Evangelho. Não podemos pregar o Evangelho sem os pobres. É nesta linha que
sinto que o Espírito nos está levando. E as resistências para não fazê-lo são
fortes. O fato de que há resistências é um sinal de que se está no caminho
certo. Se não fosse assim, o demônio não se incomodaria tanto.
Os critérios? Pobreza, misericórdia e a consciência do povo fiel de Deus...
Na América Latina, em particular, deveriam se perguntar: “Onde é que o nosso povo tem sido criativo?” Na piedade popular. E por que o povo conseguiu ser tão criativo na piedade popular? Porque não interessava aos padres e assim deixavam que [o povo] fizesse...
Os critérios? Pobreza, misericórdia e a consciência do povo fiel de Deus...
Na América Latina, em particular, deveriam se perguntar: “Onde é que o nosso povo tem sido criativo?” Na piedade popular. E por que o povo conseguiu ser tão criativo na piedade popular? Porque não interessava aos padres e assim deixavam que [o povo] fizesse...
O que a Igreja hoje
está pedindo à Companhia? Ensinar com humildade a discernir. Às
vezes, demonstramos pouca capacidade de discernimento, não sabemos fazê-lo,
porque fomos educados em outra teologia, talvez mais formalista. Contentamo-nos
com o “pode ou não pode”, como também
disse aos jesuítas chilenos a propósito da resistência à Amoris
Laetitia. Alguns reduzem todo o resultado de dois sínodos, todo o trabalho
realizado, ao “pode ou não pode”. Ajudem-nos, pois, a discernir. E para
discernir, é preciso mergulhar nos Exercícios Espirituais, é
preciso examinar-se. Começar por si mesmo.
O encontro termina assim. O reitor da igreja explica ao Papa o significado da cadeira que prepararam para ele. Disse que em 1992 houve um ataque do Sendero Luminoso e que uma parte da igreja foi destruída. Na restauração, as paredes foram reforçadas e uma arquitrave de madeira de 1672 foi tirada, madeira com a qual se fez a cadeira talhada ao estilo barroco de Lima para esta visita. O Papa agradece sorrindo e brinca: “Estou sentado em 1672...” O Provincial agradeceu ao Papa.
O Papa respondeu ao agradecimento: Muito obrigado. Rezem por mim!
Divido com vocês uma graça muito grande. Desde o momento em que pressenti que
poderia ser eleito Papa, senti muita paz, paz que sinto até hoje. Peçam ao
Senhor para que a mantenha!
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