O Reino de Deus está próximo...
O celibato do Senhor Jesus não ocupa hoje um lugar de destaque na consciência dos católicos. A imagem que muitos cristãos comprometidos têm de Jesus não se alteraria em nada se Jesus não tivesse sido celibatário. Eu ainda me atreveria a incluir, nesse grupo de cristãos, um número indeterminado de religiosos, religiosas e sacerdotes. Por acaso, somos capazes de explicar espontaneamente o nosso celibato? Amamos o nosso celibato como um dom precioso, presente maravilhoso vindo da abundância do amor com que Deus nos ama? Ou vivemos nosso celibato como um “pedágio” que devemos pagar para poder circular pela Vida Religiosa (VR) ou o sacerdócio?
O celibato é um dos sinais de identidade mais claros da VR. É contranatural e contracultural. Todos sabemos que um dos problemas centrais da VR é a crise de identidade que repercute nas vocações. O Concílio acabou com a teologia do “estado de perfeição”. Com ela acabou também o modo tradicional do povo cristão entender os padres e os religiosos. E, até agora, não encontramos uma teologia adequada para substituí-la. Por isso, torna-se muito difícil, hoje em dia, falar da VR na pastoral vocacional. Se não há clareza na oferta, como os jovens vão saber de que existe algo importante para eles?
Proponho algumas considerações sobre o celibato de Jesus, passo modesto embora nada definitivo, para ir reconstruindo nossa identidade de religiosos a partir de uma teologia que não contradiga o Concílio. São tentativas titubeantes. Quisera fazer um exame público, com certo pudor, de minha relação com Deus e da imagem que tenho de Jesus. Penso que, em bastantes pontos, outros possam coincidir comigo.
1. O celibato de Jesus. Para Jesus, o celibato teve que ser algo muito central. No seu contexto cultural, a fecundidade era sinal da bênção de Deus. Não existia uma tradição prévia que associasse a virgindade com a santidade. Pelo contrário, a esterilidade se associava à maldição divina. Nesse contexto cultural e religioso, Jesus “eunuco” irrompeu e se opôs radicalmente. Por isso, o celibato não pode ser para ele algo marginal em sua fé e redutível, para nós, ao anedótico ou casual. Ao contrário, achamo-nos diante de uma das opções mais bem pensadas, claras, provocativas e decisivas de Jesus. Por isso, sua opção pelo celibato tem que estar enraizada no que para Ele foi o mais central: seu sentir o Reino e Deus. O celibato de Jesus brota do centro da sua vida e da sua mensagem.
1.1 Anúncio do Reino e celibato. “O tempo se cumpriu e o Reino de Deus está próximo” (Mc 1, 15). Jesus começa, assim, seu ministério. Mas, o que tem a ver isso com o seu celibato? Para entendê-lo melhor, tomemos o AT.
No AT existia a lei do ‘levirato’ que exigia ao israelita casar-se com a viúva, sem filhos do seu irmão. Desse modo, o filho nascido dessa união levaria o nome e seria herdeiro do defunto (cfr. Dt 25,5). Isso tinha um profundo significado religioso. O depositário das promessas, com quem Javé selou sua Aliança, não é o indivíduo isolado, mas o povo. Por isso, o povo todo, sem que se perca uma só família, está chamado a viver a realização das promessas. O ‘levirato’ é, pois, uma instituição que pretende assegurar que não desapareça uma parte do povo depositário das promessas.
O celibato de Jesus torna-se, desse modo, estranho e anormal. Mas ainda, irreverente. Vai contra essa tradição que inclui o povo todo no cumprimento das promessas. O celibato de Jesus, dentro dessa tradição, podia ser provocativo: muitos podiam tachá-lo de metido e vaidoso. O celibato de Jesus afirma claramente: estamos já na realização das promessas: “O tempo já se cumpriu!” (Mc 1, 15). Seu celibato não é, pois, funcional: ele não é celibatário porque assim é mais livre para ir de um lado para outro ou para dedicar-se à oração. Jesus é celibatário porque o tempo já se cumpriu, pelo caráter escatológico do anuncio do Reino e não pela necessidade de dedicar-lhe mais e melhores energias! Assim eu entendo o ‘logion’ de Mateus: ”há quem se faz “eunuco“ por causa do Reino dos céus” (Mt 19, 12) ou seja, para expressar em sua vida a presença de Deus entre nós como o mais valioso, definitivo e relativizador de todas as coisas.
Pelo contrário, se Jesus não tivesse sido celibatário não teria consciência de que o Reino estava já no meio de nós (cfr. Mt 12, 28), irrompendo com toda força. Se não fosse celibatário nos teria convidado à oração e ao arrependimento, como fizeram o Batista e outros profetas. Mas, Jesus sentiu o Reino de uma maneira qualitativamente diferente. E esta maneira de sentir o Reino o levou, inexoravelmente, a ser ‘eunuco’ pelo Reino.
1.2 Sentir de Deus e o celibato. Jesus viveu uma sedução de Deus tão grande que encheu a sua vida e a sua alma, que o absorveu radicalmente, apoderando-se do seu coração, tornando-o vitalmente incapaz de partilhar a missão recebida de Deus e a relação terna e afetiva com o seu Abba, com outras dimensões sadias e boas da vida. Deus apoderou-se fisicamente de todo o seu ser. Desde aí, colmou sua afetividade para abrir-se a todo tipo de pessoas.
2. O celibato do senhor Jesus e a nossa fé. Rezamos a um Jesus celibatário ou isso nada significa em nossa oração? Pregamos um Jesus celibatário? Com certeza, insistimos em um Jesus entregue aos pobres e pecadores e por isso, falamos com entusiasmo das refeições de Jesus com os pecadores. Sentimos que é o seu sentir o Reino e Deus que o levam a comporta-se assim? Encontramos uma conexão íntima e inexorável entre as refeições com os pecadores e a sua opção celibatária?
Se o celibato de Jesus é para nós um dado anedótico e marginal do Evangelho, dificilmente integraremos bem o nosso celibato ou valorizaremos positivamente a existência dos celibatários em nossa Igreja. Mais ainda, não apresentaremos a opção celibatária e a Vida Religiosa na Igreja como algo atrativo e vinculado à experiência espiritual de Jesus. E não as proporemos desde as entranhas de uma relação afetiva e intensa com Deus, como aconteceu com Jesus e que assombrosamente, se reproduz em nós mesmos, de algum modo! E se falamos da VR sem funcionalizá-la, nossa vida se encarregará de desmascarar rapidamente o que possa haver de assimilação funcional do celibato.
Os religiosos e religiosas recebemos o carisma de imitar “mais atualmente” (EE 167) o Senhor Jesus, em sua forma de vida, pois, com as diferenças evidentes, se reproduz em nossos pobres vasos de barro, a forma concreta de Jesus sentir o Reino e Deus. O seguimento radical é um chamado para todos os batizados. A imitação atual é uma vocação particular dentro da Igreja, uma forma de atualizar com intensidade fascinante, avassaladora, absorvente, raiando com a identificação, o próprio seguimento radical.
Uma pergunta: O que significa para você o celibato de Jesus?
Ola´Padre Ramon. O tema do celibato é muito debatido por pessoas tanto dentro como fora da Igreja Católica. Há pastores evangélicos que se dedicam de forma abençoada ao seu ministério que se sentem limitados no mesmo quando necessitam dedicar tempo para a vida familiar e para a esposa. Existe a patologia da pedofilia que atinge alguns sacerdotes e religiosos e a mídia atribui isso ao celibato. Não é verdade. Quantos pais abusam de seus filhos e filhas? Quantos avós importunam seus netos e netas? São pessoas casadas e não é por isso que se atribui o problema ao casamento. Vejo o celibato como dom de Deus. É preciso cultivá-lo com a oração e com a meditação. Recordo Santo Afonso de Ligório: "QUEM ABANDONA A MEDITAÇÃO DEIXARÁ DE AMAR JESUS CRISTO. A MEDITAÇÃO É A FORNALHA ONDE SE ACENDE E SE CONSERVA O FOGO DO AMOR DE DEUS".
ResponderExcluirSão Luiz Gonzaga diz: "NÃO EXISTIRÁ MUITA PERFEIÇÃO SE NÃO EXISTIR MUITA MEDITAÇÃO".