Na tua opinião, qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?... (Lc 10,36)
Em todo ser humano há reservas de bondade e compaixão, adormecidas muitas vezes, mas que podem aflorar diante do sofrimento dos outros. Nas pessoas sofredoras, nos crucificados da história há algo que atrai e nos faz sair de nós mesmos; eis a origem da solidariedade, o sentimento de proximidade com as vítimas deste mundo.
A parábola do Bom Samaritano com os gestos oferecidos ou negados ao homem ferido. Gestos que vao além de todos os credos e culturas, transformando o estranho em próximo.
Diante da pergunta do especialista em leis: quem é o meu próximo? Jesus responde invertendo e reformulando a pergunta: “quem se torna próximo?”.
Quem é o meu próximo? Uma pessoa “qualquer”, sem nome, que passa ao seu lado, cai em desgraça e clama por auxílio. A “proximidade” se define pela “travessia” em direção ao sofrimento e à exclusão.
O infeliz da parábola lucana é o paradigma do ser humano que precisa de ajuda. Ele representa a alteridade carente, “ferida” que, em sua carência questiona o meu eu, impelindo-me para o êxodo do amor.
A parábola do samaritano revela um sentido ainda mais profundo: do silêncio do corpo daquele infeliz - de quem não se sabe o nome, não se vê o rosto e nem sequer se diz que pediu ajuda, mas questiona o caminho dos passantes e os convoca à responsabilidade urgente. Ajudar ou não eis a questão.
O sacerdote judeu e o levita viram bem e entenderam o que tinha acontecido, através de um olhar de banda, carregado de suspeita, receio e desconfiança. Seguramente se perguntaram: “Que pode acontecer comigo se me aproximo dele e o ajudo?...” Seu comportamento seria outro se se perguntassem: “Quê pode acontecer a este homem, se me aproximo dele e o ajudo?”
O pecado deles é a omissão: não fazem nada, nem de mau nem de bom. São piedosos, mas insensíveis; a religiosidade não se traduz em gesto fraterno. Enganam-se pensando que se chega a Deus pelo caminho vertical, e não pelo horizontal da ajuda fraterna. Amam a Deus só de palavras e de boca, e não com obras e de verdade. Não percebem que só no amor ao próximo é que se revela o amor a Deus.
“Viram”, masnão se deixaram afetar pela pessoa necessitada. O amor a Deus não se expressou como amor ao próximo. Julgavam-se estar unidos a Deus, mas na verdade estavam distantes do irmão sofredor. A fé sem obras é morta.
Além disso, o “legalismo” falou mais forte que a lei da vida no coração dos dois responsáveis pela religião. Invocando a lei da pureza ritual (proibia o contato com cadáveres!), sentiram-se dispensados de acudir o necessitado. A obediência ritual superou o apelo moral.
Mais contrastante foi a atitude do samaritano: “chegou perto, viu e sentiu compaixão”. É a dinâmica da misericórdia! Tudo começa com o “aproximar-se”. É impossível ser afetado sem proximidade. Enquanto o sacerdote e o levita se desviaram do homem caído no chão, o samaritano “achegou-se”. A proximidade física permitiu-o “vê-lo”de fato.
O “ver” do samaritano vem depois de chegar junto ao ferido. O aproximar-se é o primeiro passo. O samaritano optou pelo amor.
A experiência cristã se constitui como uma “mística de olhos abertos”, que como um colírio dilata as pupilas dos olhos para captar o horror tremendo do inferno da pobreza e da exclusão.
Olhar-nos com os olhos do outro que nos visita supõe uma autêntica revolução interior. O olhar do outro nos arranca do “ensimesmamento” que nos cega e desmascara a enfermidade raiz de nossa cultura atual: a indiferença e a cínica apatia diante da dor dos pobres e marginalizados.
A parábola do samaritano desvela seu significado último e perturbador: no “outro” Deus nos fala e nos encontra, convocando-nos para a solidariedade. “Onde está Deus?” Não está entre os conhecedores de Sua identidade, não está nas instituições que o representam, mas está lá, onde ninguém o espera: quem não é “nada” O hospeda e O aponta.
Jesus deslocou Deus transferindo seu habitat do templo para o corpo que está à “beira da estrada”. O excluído é doravante, a revelação da Sua presença.
Sugiro que nesta semana você se aproxime de alguma pessoa necessitada.
Lindo texto. Faz me mais fraterno Senhor.
ResponderExcluir