“Jesus estava orando num certo lugar...” (Lc 11,1)
Nos Evangelhos encontramos várias passagens onde Jesus ora no silêncio da noite, em profunda e prolongada comunhão com o Pai. A oração solitária de Jesus precede ou segue a algum acontecimento importante.
A solidão de Jesus não é vazia, pois está habitada pela intimidade com o Pai, pelo sonho do Reino, e pelos rostos dos prediletos do Reino: os pecadores, os pobres, os doentes, os oprimidos... Quando Jesus parece estar mais afastado deles é quando na realidade está em profunda comunhão com eles; quanto mais solitário, mais solidário.
Toda forma de oração, de relacionamento com Deus que não leva ao serviço, não é a oração do discípulo de Jesus; é alienação. Uma oração que não se traduz em compromisso ou serviço, não é dirigida ao Deus de Jesus.
Para Jesus, a oração era vida, pois estava sempre na presença de Deus, seu Pai. Jesus partilhava tudo com o Pai: alegrias, dores, esperanças e frustrações. É isso que encontramos na oração do “Pai-Nosso”, que Lucas nos apresenta neste domingo. O novo é realmente o modo como as pessoas se relacionam com Deus: “Quando orardes, dizei: Pai...” Relação nova e inédita. Os seguidores de Jesus são amigos e irmãos, pois tem Deus como Pai. O apelo direto ao Pai não é comum na tradição judaica.
A oração do Pai-Nosso é a mais expressiva síntese que temos da mensagem de Jesus. Ela não é uma fórmula a ser decorada, mas um projeto de vida de filiação e fraternidade. Somos o alvo do amor carinhoso de Deus-Pai. O objetivo da nossa oração é sempre o Pai. Mostra-nos o Pai, e isso nos basta! dizia ingenuamente o apóstolo Filipe.
Orar é viver na presença do Pai. Nesse sentido, a oração não pode ser um compartimento do dia que preenchemos com pensamentos e fórmulas piedosas. Clamar “Abba, Pai” significa estar diante d’Aquele que nos convida a um diálogo sem censuras. Não se trata de oferecer a Deus alguns pensamentos, mas colocar-nos confiantes em suas mãos.
A verdadeira oração cristã descentra-nos de nós mesmos e orienta-nos para Deus e os outros. Ao rezar o Pai-Nosso, vamos percebendo que Jesus transforma todas as nossas questões em desejos e nossos desejos em oração. Tudo está dito aí, e tudo resta a viver. É agora que começa o movimento da vida, a encarnação da prece; a realização dos grandes desejos: tornar-os verdadeiramente humanos e realmente divinos.
O “Abba” de Jesus é carinhoso e solidário, e se faz íntimo dos seus filhos e filhas. É um pai apaixonado e desejoso de ser conhecido e amado. Nesse Deus-Pai podemos confiar e viver como filhos no Filho. Deus-está-em-nosso-meio, encontra-se junto aos seus, com misericórdia, bondade e ternura.
Na oração do Pai-nosso nenhum miserável foi excluído e nenhum errante foi rejeitado; nenhum sacrifício foi pedido, e nenhuma lei foi estabelecida. É pura vivência e visibilização do Amor.
Ao dizer “Abba”, Jesus dirigia-se a Deus como uma criança a seu pai, com a mesma simplicidade íntima, o mesmo abandono confiante. Esta expressão revela, ao mesmo tempo, o segredo da relação íntimade Jesus com o Pai e a manifestação perfeita do mistério de sua missão.
A expressão “Abba” é a prece da criancinha que balbucia tentando dizer a palavra “pai”, a prece não articulada que ainda pertence ao silêncio, ao Inefável. É a primeira expressão de confiança do bebê em relação ao seu pai ou à sua mãe.
O “Pai-Nosso” é este balbuciar interior que se volta para o Infinito; palavra anterior ao termo “pai” ou “mãe”. Desejo confiante de quem se reconhece seguro no olhar do pai ou da mãe.
Na expressão “Abba” há simplicidade, espontaneidade e muita inocência. Estas qualidades do coração são necessárias ao recitar o Pai-Nosso.
Diante de Deus todos somos crianças!
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