Mística e Psicologia...


Falar de mística numa sociedade secularizada e multicultural parece um paradoxo, mas é neste mundo dessacralizado e sem ídolos que podemos encontrar os rastros mais puros de Deus. Deus é incompreensível e a única coisa que podemos fazer é escu­tar seus passos ou seu silêncio. Deus se revela misteriosamente por metáforas amorosas na história e na vida de cada pessoa. Perceber essa TEO-grafia (marcas de Deus!) é entrar no mundo do Transcendente e da mística.

A ciência desmistificou a experiência religiosa e, desse modo facilmente nos sentimos desprotegidos, desconfiados e até paralisados. A suspeita paira sobre tudo e todos! 

A ciência purificou a religião de muita poeira históri­ca, e a psicologia jogou fora os excessos “imaginários” que pouco ou quase nada tinham a ver com a experiência de Deus.

A verdadeira experiência mística, perceber Deus naquilo que ouvimos, vemos e fazemos é iniciativa divina, por isso não tem medo da crítica das ciências. Hoje sabemos muito bem até onde vai a fantasia e as nossas projeções internas. Deus é mais!

Alguns identificam a “mística” com o mais estranho dela, isto é com aqueles “fenômenos curiosos e/ou paranor­mais” que brotam em alguns “ilumina­dos”; outros apenas acolhem, com humildade, o experimentado naquela busca sincera co o mais profundo de si mesmo ou na realidade material ou espiritual que os circundam. Tal experiência é fonte importante de conhecimento, comunhão e sabedoria.

Nesse imenso supermercado do religioso que surge por toda parte pre­cisamos discernir para não entrar em canoa furada. Nem tudo o que reluz é ouro, e nem o que leva a etiqueta “religiosa” é tal. Há muita propaganda enganosa e não pouca insensatez no mundo da imaginação e da afetividade.

É próprio da psicologia estudar e interpretar o que observa, e da mística experimentar, sem medos e receios, o inefável gratuitamente revelado. Um não contradiz o outro.

Há uma mística dos “olhos fechados, apofática (via negativa), pas­siva, que brota na mente e a ilumina, e toca o coração. Ela ocorre quando a pessoa se esvazia e encon­tra o Tudo no nada. Então, as partes desaparecem e a pessoa como que arrebatada e unificada, perde a noção do tempo e do espaço. É a mística clás­sica, tradicional; experiência subjetiva do Transcendente e do Infinito.

Mas há também outra mística, a “dos olhos abertos”, katafática (via positiva), ativa, que ilumina a mente, toca o afeto e chega até o coração, traduzindo-se em gesto de serviço e ajuda. A pessoa, assim tocada e iluminada, se coloca a serviço daqueles que mais precisam. Esta mística de serviço encontra o invisível no visível e a Deus no meio do barulho do mundo. Santo Inácio de Loyola e a sua escola espiritual são expoentes desta mística engajada. “O amor consiste mais em obras do que em palavras...” (EE 230).

O amor abre o coração e os olhos, os ouvidos e as mãos para servir gratuitamente o necessitado... A mística dos “olhos abertos” não tem medo do exame criterioso da ciência; como o amor não o tem da verdade, pois ambos (amor e verdade) acontecem juntamente e se realizam plenamente no gesto de ajuda realizado.

Eu acho que as Escrituras sem a mística viram literatura e a vida se esvazia de profundidade e sentido. 

Eis o nosso desafio: Descobrir Deus em todas as coisas e em todas as pessoas. 

E você, o que pensa e tem a dizer?


Um comentário:

  1. Fico com as sábias palavras do Irmão Guy Consolmagno, SJ, astrônomo jesuíta, diretor da Specola Vaticana (Observatório astronômico da Santa Sé): "Quem diz que fé e ciência são antagônicas geralmente só conhece uma dessas áreas. E frequentemente é imaturo na outra."

    Busco ver a Deus em todas as coisas, mesmo sabendo que Ele está presente, mesmo quando não consigo vê-lo. Tendo a sentir que algumas coisas dependem do tempo. Assim como quando Deus falou a Moisés (em Exôdo 33:17,23) que ele "não poderia vê-lo e continuar vivo", e então Moisés só viu o Senhor após ele passar e viu-o pelas costas, acredito que Deus esteja presente mesmo em situações de sofrimento ou de explicações "científicas" que tentam desmistificar sua presença. Mas nós não estamos vendo-o face a face. É preciso que o tempo passe. Quando o tempo nos dá suas costas, ao olharmos para trás, compreendemos aquilo que não conseguíamos entender em meio ao turbilhão de sentimentos por estarmos implicados em uma determinada situação. Mas Deus estava lá. Assim como estava com Moisés. Vejo essa passagem como uma metáfora para o tempo, nossas aflições por não enxergarmos e para termos confiança de que Ele está conosco... e "em todas as coisas".

    Abraço,
    Francis

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