Justiça é um dos conceitos centrais da Sagrada Escritura, com uma diversidade de sentidos e, por isso mesmo, difícil de ser definido. Em todo caso, trata-se de um conceito que inclui “relação”.
Nas “antíteses” – “ouvistes o que foi dito..., eu, porém, vos digo” – do Sermão da Montanha, somos colocados diante de cinco casos concretos que tem a ver com a vida comunitária: a reconciliação, o olhar puro que não se apossa de outra pessoa, a transparência no falar, a não violência (ou mansidão bíblica) e o amor gratuitoque inclui o “inimigo”.
O “eu, porém, vos digo” de Jesus nos inspira a descer até às raízes de nosso ser, esvaziando-nos progressivamente de nosso ego e ativando todos os recursos humanizadores aí presentes.
Na perspectiva bíblica, “justo” é aquele que se “ajusta” ao modo de agir de Deus, vivendo e agindo com a marca da bondade.
A expressão “justiça de Deus” não tem nenhuma relação com o julgamento de Deus, pois ela é, antes de tudo, misericórdia e fidelidade a uma vontade de salvação. A justiça deve significar uma maneira de prolongar o ser e o agir de Deus.
O problema da relação entre misericórdia e justiça está em considerar como incompatíveis esses dois atributos de Deus. É preciso afirmar os dois ao mesmo tempo e compreender como ambos estão em Deus, reforçando-se mutuamente. Deus é justo em sua misericórdia e misericordioso em sua justiça. A misericórdia não exclui a justiça e a verdade, mas a misericórdia é a plenitude da justiça e a manifestação mais luminosa da verdade de Deus.
Já no Primeiro Testamento encontramos afirmações deste tipo: a justiça de Deus é sua misericórdia. São Paulo, em sua carta aos romanos, afirma que a justiça de Deus se manifesta na justificação do pecador. Deus é justo porque quer que todos se salvem.
Jesus veio expandir o horizonte do comportamento humano; veio nos libertar dos perigos do moralismo e do legalismo.
A justiça de Deus não é amor aberto e libertador. O evangelho chama “justos” precisamente aqueles que acolhem os exilados, visitam os encarcerados, dão pão a quem tem fome... Os que colocam suas vidas a serviço dos excluídos. O único fundamento de qualquer justiça é Cristo.
Assim, podemos entender o que Jesus fez em seu tempo com a Lei de Moisés. Disse que não vinha abolir a lei, mas plenificá-la. Jesus não foi contra a Lei, senão que foi mais além da Lei. A vontade de Deus está mais além de qualquer formulação, por isso, não podemos nos limitar ao que está escrito, mas precisamos sempre dar um passo a mais. Quem ama, não precisa de leis. Segundo S. Paulo, “quem ama, cumpre toda lei”.
As indicações do evangelho no sentido de viver no espírito e não na letra, parece que estão sendo ignoradas. Caímos facilmente no legalismo, no farisaísmo que se perde em meio a um emaranhado de leis, desviando-se do essencial, que é a vivência do amor gratuito, expansivo...
“Ouvistes o que foi dito: não matarás, não cometerás adultério, não jurarás falso; eu, porém, vos digo...” Não fica abolido o mandamento antigo, mas elevado a níveis mais profundos.
Percebemos que se estende cada vez mais o crescimento da agressividade, do preconceito e da intolerância... Cada vez são mais frequentes, os insultos ofensivos proferidos só para humilhar, desprezar e ferir.
Por outra parte, as conversações (sobretudo nas redes sociais) estão tecidas de palavras injustas que espalham condenações e semeiam suspeitas (fake-news). Palavras ditas sem amor e sem respeito que envenenam a convivência, causam danos e rompem as relações entre as pessoas.
Os mandamentos continuam tendo sentido. São um mapa de rota, uma proposta para entender a vida.
É necessário dirigir nosso olhar a Jesus para que, na comunidade cristã, a instituição não seja mais importante que o Evangelho, nem a Lei mais importante que a misericórdia. O Plano de Deus e a fé cristã são muito mais que uma adesão doutrinal, é humanizar-se para amar. “O cristianismo não é uma ética de mínimos de justiça, mas uma religião de máximos de felicidade. Os mínimos de justiça lhe parecem irrenunciáveis, mas tais mínimos não esgotam o conteúdo da religião cristã. Suas propostas não competem com a ética cívica, senão que a complementam. Enquanto que a universalidade dos mínimos de justiça é uma universalidade exigível, a dos máximos de felicidade é uma universalidade ofertável”.
A justiça do Evangelho, centrado no amor, é um plus sobre a justiça humana, centrada na lei.
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