Portanto, sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito... (Mt 5,48)
O evangelho deste domingo é continuação do discurso de Jesus sobre o Monte, e apresenta o modo de ser e de viver dos seus seguidores. Quando Jesus fala em `amar os inimigos´, não se refere somente aos inimigos externos, mas também aos internos. Precisamos também saber lidar com nossas sombras e fragilidades e reconciliar-nos com o inimigo interno que rejeitamos.
Reconciliar-se com as próprias fraquezas é um processo doloroso, mas se tentamos evitar essa dor, ignorando-o, acabamos gastando muita energia na ilusão de mantê-lo afastado. E poderá se transformar em um tirano... O que rejeitamos em nós surge depois por toda parte. A cura é a reconciliação e a pacificação interior. Ao se perdoar em vez de se condenar, torna-se mais humano e certamente melhor cristão.
Diante da necessidade de reconciliação com nossas sombras e limites pode parecer estranho a afirmação do evangelho de hoje: “Portanto, sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito”.
Lucas, no entanto, modificou as palavras de Jesus e escreveu: “Sede misericordiosos, como vosso Pai é misericordioso”. Esta expressão parece mais ajustada, inclusive por todo o contexto. E tem razão, pois não podemos exigir que o ser humano seja “perfeito”, e essa demanda pode conduzir a um perfeccionismo estéril e estressante.
Foi assim que, ao longo da história surgiu a cultura da perfeição, que nos seduziu e controlou a nossa existência, pois desde a infância fomos impelidos a procurar a bendita perfeição. E essa ideia de “perfeição” modelou a mente e petrificou o coração.
Na vida cristã, inúmeras pessoas e grupos religiosos, seguiram a pauta de formação do “ideal de perfeição”, gerando muita rigidez, moralismos, escrúpulos... e farisaísmo. O seguimento da pessoa de Jesus foi se esvaziando, e deu lugar a um voluntarismo centrado na prática de leis e normas (legalismo). E isso, assumiu um valor central na orientação da vida espiritual, reforçando a ideia de que tudo aquilo que diz respeito a Deus deve ser perfeito. E a santidade passou a ser considerada sinônimo de perfeição.
No entanto, transitar pelo labirinto da perfeição é desumano. Caminhar por ele é uma luta árdua, pois torna-se difícil pedir ajuda quando as próprias imperfeições ficam expostas aos outros. A expressão “atingir a perfeição” revela-se uma imprudência. E a procura da perfeição não ajuda a viver, amar, sonhar, sorrir, perdoar, ou ser feliz... A busca da perfeição virou estressante, conduz ao desprezo de si mesmo, tornou insuportável a relação com os outros, conduzindo, não poucas vezes, à automutilação.
Quem centrou sua vida na busca da perfeição, aceitar o próprio erro é humilhante. Longe de ser uma oportunidade, o fato de equivocar-se representa uma ameaça à sua dignidade. Não basta ser bom, precisa ser perfeito. E, embora, no seu mais íntimo aceita que jamais será perfeito, pelo menos tenta aparentar isso diante dos outros. Este modo de proceder tem um nome – perfeccionismo – e são muitos os que caminham por esse labirinto.
Isso não é vida. Queremos habitar e transitar por lugares onde a compaixão e o cuidado possam abraçar nossa fragilidade e limite. Passar de um humanismo da “auto-exaltação” para aquele da “auto-acolhida”.
A compaixão afirma o “eu real” contra as pretensões do “eu ideal”. E a compaixão faz parte da essência de nosso ser, pois é a mais humana de todas as virtudes.
O discípulo de Jesus deve ser perfeito no Amor como o Pai celestial é perfeito no Amor. Ele ama a todos sem distinção, “fazendo nascer o sol e cair a chuva sobre maus e bons, justos e injustos”.
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