Na casa de meu Pai há muitas moradas... Jo 14,2)
Sabemos que o Evangelho deste domingo antecede à Paixão e Morte de Jesus. Então, por que colocá-lo no contexto de Ressurreição? Ele antecipou, na sua vida pública que, o destino do ser humano é o coração de Deus. Em Deus, já “somos seres ressuscitados”.
O grupo mais próximo de Jesus vive um momento de tensão e medo. O ambiente está carregado: traição de Judas, anúncio da negação de Pedro, revelação da Sua partida... Jesus diz coisas que nunca dissera antes: palavras luminosas, mobilizadoras, procurando quebrar o clima pesado e convidando os seus amigos à confiança, e revelando que na casa do Pai há muitas moradas. No seu coração cabemos todos.
O medo e a angústia estão presentes no ser humano desde as origens, e podem impregnar nossa vida: enfermidade, fracasso, problemas afetivos, pandemia... Medo e angústia podem bloquear a vida, paralisando toda iniciativa e criatividade.
Quando atravessamos uma crise grave é reconfortante deixar ressoar estas palavras: “não se perturbe o vosso coração; tende fé em Deus, tende fé em mim também”. A experiência de encontro com o Ressuscitado nos pacifica.
Jesus fala de lugares, de moradas, espaços que pacificam e nos livram das angústias e medos. E o coração de Deus é a morada pacificadora por excelência. “Só Deus basta” (S. Teresa).
Sabemos que o ser humano não teria como sobreviver sem um lugar, sem um espaço. Somos seres de lugares (“homo locus”); não qualquer lugar, mas aquele onde possamos nos descobrir capazes de amar e sermos amados, de acompanhar e sermos acompanhados, de contribuir e sermos criativos, de realizar e sentir-nos realizados. Oespaço faz parte do ar que respiramos.
A nossa sociedade parece estar indo à deriva justamente por não saber reconhecer “espaços diferentes e vitais”,porque tudo se torna igual e os lugares não falam mais, pois carecem de sentido. Os espaços são violados, os“lugares sagrados” profanados, os “ambientes” não revelam mais nada... Esse é o primeiro sintoma de uma visão humana desastrosa e desastrada.
Neste mundo disperso, carente de espaços humanizadores, o evangelho de hoje nos dá referências e amparo. E a primeira referência que nos pacifica é a “casa”. “Na casa de meu Pai há muitas moradas”.
Quem realmente habita “nossa casa” não é o “eu”, mas Deus. “Em nós, Deus está em sua casa” (Mestre Eckhart). Casa é mais do que uma realidade física, feita de quatro paredes. Casa é uma experiência existencial primitiva, ligada ao que há de mais precioso na vida humana: a relação afetiva entre aqueles que nela habitam, e reveladora de nossa identidade. “Dize-me como é tua casa e te direi quem és”.
Estar em casa é estar no seu espaço, na sua intimidade, no lugar de plena liberdade e espontaneidade. Ela é o cenário principal do enredo e dos episódios de nossa vida; é o lugar seguro que nos possibilita repouso e revigoramento afetivo, bem-estar e proteção... Sem ela facilmente perdemos a calma e o equilíbrio, tornando-nos presas fáceis da agitação, da perturbação, do medo e da angústia.
O lugar cotidiano da casa se converte na epifania do divino, no lugar concreto do encontro com Aquele que faz de nossa casa, Sua morada.
Nossas moradas provisórias nos revelam que todos somos peregrinos em busca da morada definitiva; nosso coração anseia pelas moradas eternas: o coração do Pai, onde cabem todos.
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