A primeira é que a ciência das coisas espirituais é a ciência do discernimento. Trata-se de caminhar, fazer experiências, discorrer e, em seguida, discernir. Só se discerne quando se faz um percurso e se percebe a marca deixada, o fulcro. Esse fulcro é constituído pelos sentimentos articulados com os pensamentos. O discernimento leva a descobrir a Vontade de Deus.
A segunda consequência é a verificação da circularidade entre o LER e o ESCREVER: ler as marcas de Deus na vida e escrever o trajeto percorrido. Este ponto é importante para se captar a forma como a Bíblia pode ser lida nos Exercícios e, de modo particular, no que se refere às contemplações. O texto da Sagrada Escritura é um espelho: Não interessa tanto, no caso das contemplações, particularmente, saber com exatidão o que diz o texto, ou seja, fazer uma exegese minuciosa do texto, mas decifrar a própria vida. Há uma relação circular entre a Bíblia e a própria vida: minha vida é também um livro, uma escritura de Deus: "Vós sois uma carta de Cristo, escrita não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo em tábuas de carne que são os vossos corações..." (1Cor 3,3).
a. Uma pessoa espiritual? O termo espiritual e espiritualidade são aplicados, hoje, a múltiplas realidades. Os menos esclarecidos tendem a confundir pessoa espiritual com uma opção de vida e julgam que bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas são necessariamente pessoas espirituais. Outros julgam que a pessoa espiritual é aquela que frequenta com assiduidade os sacramentos, pratica muitas devoções: espiritual seria, então, a pessoa "rezadeira". Outros ligam a espiritualidade à cultura teológica, bíblica, ou que conheçam a história da espiritualidade: espiritual seria a pessoa culta. Finalmente, muitos julgam que pessoa espiritual é a pessoa perfeita, sem falhas, sem pecado, sem traumas psicológicos, e fazem tudo "certinho".
Ora, alguém pode ser bispo, padre, religioso, freira; pode rezar muito e não deixar de ir todos os dias a missa; pode ser teólogo, biblista e moralista... sem ser necessariamente uma pessoa espiritual.
Entendemos por pessoa espiritual aquela que fez uma experiência pessoal do amor de Deus, experiência existencial que a capta na sua totalidade de ser humano e pecador. Uma vez experimentado esse encontro com o Deus vivo, a pessoa sem deixar de ser pecadora, lança-se no aprofundamento desse encontro, e vai sendo transfigurada no amor, no dom de si a Deus e aos irmãos.
Pessoa espiritual não significa uma pessoa moralmente perfeita, sem falhas, sem pecados. Os santos sempre se consideraram grandes pecadores. Ser espiritual significa ter-se encontrado pessoalmente com Deus, e começar a ver os outros como Deus os vê. A pessoa espiritual é a pessoa menos alienada, mais comprometidacom os valores do reino. As pessoas, quanto mais espirituais mais se comprometem com os irmãos, sobretudo os mais pobres, e mais se comprometem com a justiça, tornando-se verdadeiros profetas.
Inácio foi uma pessoa espiritual, pois tendo-se encontrado com o Deus-Amor, aprendeu com Ele a amar.
b. Quem possui a ciência das coisas espirituais? Inácio aprendeu e tornou-se mestre das coisas espirituais sem professor nem livros didáticos. O mesmo sucedeu com Francisco de Assis, com Catarina de Sena, etc. Ser teólogo, moralista, psicólogo não são necessariamente espirituais.
Como se aprende esta ciência? Pela experiência espiritual pessoal. Não há outro caminho. Não sabe, quem apenas estudou, e "encheu a cabeça" de conceitos, de ideias sobre Deus.
O estudo é necessário e importante, como foi no caso de Inácio, mas é sempre um complemento.
Pode-se encontrar professores de teologia muito cultos, pode-se encontrar professores de moral capazes de fazer todas as distinções sobre o bem e o mel, mas que em vez de conduzirem as pessoas para Deus, as desviam Dele, pois não têm ciência das coisas espirituais nem dos caminhos do Espírito.
Inácio era um ignorante das ciências deste mundo, mas fez uma experiência de Deus, e aprendeu a ler e escrever na linguagem de Deus.
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