No desalinho triste das emoções confusas, ouve-se a voz de Fernando Pessoa, murmurando: o mistério da vida dói-nos e apavora-nos de muitos modos. Mas este horror que hoje me anula é menos nobre e mais roedor. É uma vontade de não querer ter pensamentos, um desejo de nunca ter sido nada, um desespero consciente de todas as células do corpo e da alma. É o sentimento súbito de se estar enclausurado numa cela infinita. Para onde pensar em fugir, se só a cela é tudo? (PESSOA, Livro de Desassossego). Emoções confusas... Uma dor, se é mesmo dor, é que tudo dói! E que fere a todos.
É uma constante em nossos restringidos contatos diários, seja pessoalmente, por telefone ou videoconferências, todos reclamando: dor, febre, fígado, estômago, cabeça, garganta, coluna, etc. Depois de todas as queixas, uma pergunta: você está bem? Trava-se um silêncio como quem diz: você não está prestando atenção ao que falei! Não é isso o que quero dizer, quando tudo dói a dor não é física! A dor é da alma. Uma dor que fere a todos, em meio ao recolhimento solitário obrigatório, um encontro com a consciência.
Bernardo Soares queixa-se do caminho entre fantasmas inimigos que a imaginação doente imaginou e localizou em pessoas reais. Dói-me tudo por não ser nada. A dor vem do descompasso, do hiato entre aquele que pensa e o que é pensado, entre a vida imaginativa e a experiência real... Por favor, devagar, porque não sei onde quero ir. Há entre mim e os meus passos uma divergência instintiva. Há entre quem sou e estou uma diferença de verbo que corresponde à realidade. Devagar... Sim, devagar... (Álvaro de Campos).
Como é difícil acreditar, compreender, e aceitar isso. Normal! Estamos tão racionais, tão obcecados pela ânsia de vencer, pela objetividade, por ser o destaque e garantir nosso território, que só mesmo adoecendo, doendo, machucando é que paramos para valorizar nossas sensações e nos perceber. Ninguém gosta de sentir dor, ninguém quer adoecer, todo mundo teme se machucar. “Eu te entendo, Migliaccio, eu te entendo. Porque eu, como você, sou...”
Eu te entendo porque quando entendemos essa dor, dolorida que dói também no Outro, passamos a reduzir nossos complexos de superioridade e de inferioridade. Pode não parecer, mas os dois são bastante semelhantes. Às vezes, a pessoa tem os dois e nem percebe. Falo isso sendo o primeiro da lista, certo? Oscilamos tantas vezes entre esses dois comportamentos que ferimos e nos ferimos sem nem perceber.
Sim, sem esses fantasmas que atrapalham nossas maiores conquistas na vida, tudo passa a ser mais leve.
Eu te entendo, pois, o caminho entre fantasmas inimigos que a imaginação idealizou e localizou em pessoas reais. Dói-me tudo por não ser nada. Minha a dor é da alma.
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