11º DTC: Discípulos misericordiosos do Senhor... (cf. Pe. A. Palaoro SJ)

“...vendo as multidões, Jesus compadeceu-se delas, porque estavam cansadas e abatidas” (Mt 9,36)


Depois do percurso quaresmal e pascal, retomamos o tempo litúrgico conhecido como “Tempo Comum”(Ano A), seguindo o evangelista Mateus. Estamos na escola do discipulado, deixando-nos modelar pelo Mestre de Nazaré: seu estilo de vida, sua forma de pensar e de viver a relação com o Pai, sua maneira de entender o ser humano, sua relação com os outros, seu modo de conhecer, de crer, de esperar, de amar, sua liberdade diante da religião e das tradições, sua atitude diante das vítimas e excluídos...

Jesus vive uma presença diferente e inspiradora no contexto social e religioso de seu tempo. A partir do olhar misericordioso do Pai, Jesus contempla a vida e sente suas entranhas compassivas. Quando os evangelhos falam da compaixão de Jesus como estremecimento de suas entranhas, eles expressam algo muito profundo e humano. A palavra hebraica “rahamim”, refere-se ao ventre materno de Deus.

compaixão é uma emoção tão profunda e poderosa em Jesus que só pode ser descrita como contração do “ventre de Deus”. Nele, está oculta toda a ternura e bondade divina. Nele, todos os sentimentos, emoções e paixões são uma só coisa no amor divino. A compaixão revela o abismo de ternura imensa, inesgotável e insondável de Deus. 

Não se trata de adesão a um mero programa ou a uma doutrina, mas do convite a um seguimento (“vir comigo”), no calor e intimidade de uma relação pessoal que é dirigida a cada um em particular. Para isso, requer-se uma resposta sem reservas, com a marca da compaixão. Sem ela, todo seguimento de Jesus torna-se vazio, burocrático e rotineiro.

compaixão é princípio de humanidade e da identidade do ser humano. Podemos ser definidos como seres compassivos. Sem compaixão, não há humanidade. Todo ato de homi-cídio e de eco-cídio se converte em sui-cídio. Quem mata ou destrui a natureza acaba por destruir-se a si mesmo. Sem compaixão, não há respeito pela vida dos outros, mas a guerra de todos contra todos.

com-paixão não é passiva, mas sim altamente ativa; trata-se de sair de si mesmo e de seu próprio círculo e entrar no universo do outro enquanto outro, para sofrer com ele, cuidar dele e caminhar junto a ele.

Quem já foi tocado por um olhar de uma pessoa pobre ou sofredora não sai “ileso” desta experiência; algo mudou dentro de sie, provavelmente, foi uma “experiência de Deus”.

As comunidades cristãs, ao longo de sua história, se moveram entre duas atitudes: a insensibilidade diante do sofrimento humano e a compaixão para com as vítimas. Hoje, só teremos credibilidade se deixar-nos afetar pela situação do outro. E às notas tradicionais aplicadas à Igreja: una, santa, católica, apostólica, poderíamos acrescentar samaritana e compassiva. É na vivência compassiva que a Igreja mais se identifica com Aquele que é centro dela, o Jesus Compassivo. Afinal, somos seguidores de uma pessoa compassiva. A Igreja, para ser Igreja, precisa fundamentar-se na compaixão de Jesus.

Jesus não estabeleceu nenhum sistema de dogmas, normas e ritos. Não é o fundador de uma religião, mas de um movimento vivo, ativado pela compaixão e animado por uma esperança sempre nova, e renovadora de vida. 

O Evangelho deste domingo possibilita considerar nossa interioridade como “Israel”; Jesus nos envia às “ovelhas perdidas” da casa de Israel, de nosso interior: afetos, desejos, sentimentos, paixões, feridas, fracassos, traumas... Evangelizar nossas profundezas para ser pessoas compassivas.

A evangelização começa pela própria interioridade. Tudo deve ser integrado, acolhido, iluminado... para dar um novo sentido à nossa própria existência. Na evangelização das profundezas precisamos colocar Deus em seu devido lugar. Retornar a Ele, vivendo plenamente nossa humanidade, e deixando-se vivificar pelo seu Espírito. 

Só seremos compassivos com os outros quando formos compassivos com nossa própria história.

 Misericordiosos como o Pai!


Um comentário: