A maioria das pessoas vivem não a partir dos valores, mas das suas inclinações. As decisões dependem do teor das suas paixões. Mas, o que é uma paixão?
Alguém já definiu a paixão como a embriaguez da matéria ou a loucura dos sentidos. Mas, só existe a paixão da carne? Não pode haver uma paixão do espírito, um inebriamento pelo espiritual? Apaixonar-se pela pessoa e proposta do Senhor? Oxalá todos fôssemos assim apaixonados!
A paixão surge quando o conteúdo cognitivo apresentado diminui, exagerada ou totalmente, a distância necessária entre o sujeito e o objeto mental representado. O sentimento ou emoção levantados possuem tal grau de intensidade que se sobrepõe à lucidez e à coerência da razão. A pessoa assim apaixonada perde o rumo lógico da sua existência e acaba fazendo verdadeiras loucuras humanas.
A paixão pertence à estrutura sensitiva do homem, daí a dificuldade de ordená-la convenientemente para não se sobrepor à razão e ao objetivo global da pessoa. A paixão é uma projeção incontrolada da ânima (no homem) ou do ânimus (na mulher) de uma pessoa.
Quando a paixão surge a pessoa fica à sua mercê. Chega-se ao máximo da passividade diante de uma força, positiva ou negativa, que desenfoca a realidade. O conteúdo apresentado arrasta de tal modo a vontade que não deixa possibilidade alguma de escolha. Nada fica mais perto da loucura do que a paixão!
Sob o influxo da paixão a pessoa não possui forças para exercer objetivamente sua liberdade, pois identifica-se de tal modo com o “objeto” que fica como hipnotizada, idiotizada e impossibilitada de uma outra escolha. Sob esta pressão poderosa, o espaço da liberdade fica quase extinto.
Sem este distanciamento mental (entre o sujeito e o objeto), a vontade ignora a inteligência e todo bom senso, levando o sujeito a verdadeiras imprudências, exagerações e até desvarios. Geralmente a paixão é uma idealização, desenfocada, do `objeto´ representado. É a tirania da fantasia suplantando a realidade!
Na paixão negativa, o componente erótico é dominante, prendendo a imagem e o ser do outro dentro de si, gerando falsa convivência e relacionamentos pouco duradouros. A paixão positiva (movida pela graça!) constrói o máximo; a negativa destrói até o mínimo. Como ordenar, pois, o querer antes de ele se apaixonar negativamente? "Quero, desejo e é minha determinação deliberada vos imitar!" (EE 98), orava suplicante o pobre Inácio de Loyola.
O que mais podemos dizer? A paixão brota misteriosamente nas profundidades abissais do inconsciente, como fruto da graça ou do pecado. A pessoa é arrastada, como por uma enxurrada, e tudo enfrenta ou relativiza. O difícil parece fácil e o impossível acontece! O apaixonado não mede esforços, porém a responsabilidade moral dos seus atos pode ficar seriamente comprometida, segundo a paixão que o mova. Quantas marcas e cicatrizes, pessoais e sociais, foram curadas ou pelo contrário, dolorosamente abertas no coração de pessoas apaixonadas! Na paixão obtém-se o máximo da visão (tudo parece bom e possível) ou o máximo da distorção da realidade (ódio!). A paixão encurta a distância mental entre a imagem apresentada e o sentimento experimentado, por isso o agir é quase espontâneo e inevitável.
O contrário da paixão é o ódio. Quantos relacionamentos `apaixonados´ terminaram perigosamente se odiando... O amor acolhe o outro na suas diferenças e limitações, completando-se nessas diversidades; o ódio, pelo contrário, despreza, ridiculariza e manipula. O primeiro, enriquece; o outro, destrói. Fazer uma coisa ou outra depende da decisão livre e consciente da pessoa.
A paixão tem uma força quase que irresistível. A paixão negativa é carência humana. Passa rapidamente, como o sereno da manhã. A paixão positiva é duradoura, toque da graça, cheia de ternura e afeição. Seus efeitos perduram para sempre!
Não é fácil viver continuamente apaixonados!
NB. Você gostaria de acrescentar mais alguma coisa?
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