“João veio até vós, num caminho de justiça, e vós não acreditastes nele...” (Mt 21,32)
É muito fácil ter fé em Jesus. Hitler se considerava católico e dizia que tinha fé em Jesus; são muitos os que fazem opção em favor da morte e se dizem cristãos. A questão não é ter fé em Jesus, é ter a fé de Jesus. E a fé de Jesus está intimamente comprometida com a vida.
Para Jesus, a fé não está vinculada a um catálogo de crenças ou a uma religião, e sim a um modo de viver e agir. Quê fé temos? Desperta em uma profunda indignação as injustiças e misérias ou se reduz a algumas práticas piedosas e alienadas?
A fé é muito mais que uma “crença”, e não se restringe a uma formulação doutrinal. A fé é um modo de ver e de ser. Quem crê é alguém tomado e configurado por uma experiência radical de amor. Vibra também sua afetividade. Na experiência de fé, a pessoa se percebe enraizada no Amor originário, incondicional e gratuito que a constitui.
Quem acredita ama, e quem ama acredita. Quando alguém não acredita mais no seu parceiro ou parceira é porque o/a deixou de amar. Simples assim. O essencial do “crer” é “entrega do próprio coração”.
Se é verdade que a palavra latina “credere” provém de uma contração de “cor-dare”, a fé seria o dom do coração; ato de confiança amorosa, entrega que envolve o ser em sua totalidade.
A fé não é algo que se “tem” ou “não se tem”; a fé é um caminho, é uma viagem entre a luz e a treva. É uma confiança continuamente renovada, um compromisso sem final.
Jesus fez a desconcertante afirmação de que prostitutas e cobradores de impostos terão precedência no Reino de Deus. Isso deixa claro quem Jesus os reconhecia como pessoas de fé.
Os “sacerdotes e anciãos do povo”, profissionais da religião, disseram um grande “sim” ao Deus do Templo, os especialistas do culto, os guardiães da lei. Não sentem necessidade da conversão e não se abrem à novidade trazida por Jesus. Os “publicanos e prostitutas” disseram um grande “não” ao Deus da religião, no entanto, seu coração se manteve aberto à conversão e acolheram a novidade de Jesus.
“Sacerdotes e anciãos do povo” X “publicanos e prostitutas”: revelam o lugar e o modo de viver na estrutura religiosa do tempo de Jesus. Mas, tais grupos estão presentes, e em constante conflito, em nossa própria interioridade. Como integrá-los, como conviver com eles para que nossa vida seja criativa e expansiva?
A parábola está nos convidando a reconhecer e abraçar o “publicano” e a “prostituta” que cada um de nós carrega em nosso interior. O sentido é o mesmo da parábola do “fariseu” e do “publicano”: até não reconhecer o nosso publicano interno não poderemos estar reconciliados.
Simbolicamente, “publicano” e “prostituta” são aquelas dimensões que temos reprimidas e escondidas. Enquanto não a reconhecermos, projetaremos nos outros o que em nós mesmos rejeitamos. Só quando abraçamos nossa “limitação”, nos humanizamos, pois nos abrimos à humildade. E só então pode emergir a bondade e a compaixão para com os outros.
Os “sacerdotes” e os “anciãos” eram incapazes de reconhecer e aceitar seu “publicano” e sua “prostituta” interior. Isso os incapacitava para amar os outros. Quanto mais nos reconciliamos com nossa debilidade e fragilidade, mais próximos estaremos da verdade.
Dito de outro modo: ao reconhecer e aceitar nossa própria sombra (tudo aquilo que em algum momento tivemos que negar, ocultar, reprimir...) crescemos em unificação e harmonia interior, desaparecem os juízos e preconceitos e entramos em um caminho de humildade e graça. A conversão significa mover-nos em direção à nossa fragilidade, aos limites, à sombra...
Em cada um, jazem unidas, a luz e a sombra, o sacerdote e o publicano. Em cada santo dorme um pecador, e não reconhecer isso conduz ao farisaísmo e ao moralismo; mas em todo pecador dorme também um santo.
Somente quando integrarmos e nos reconciliarmos com os aspectos negativos nossos que tínhamos negado ou até rejeitado, poderemos alcançar a paz e a harmonia estáveis. Portanto, nossa grande tarefa não consiste em sermos “perfeitos”, mas “completos”. Na medida em que somos mais “completos”, compassivos e humanos.
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