Algumas tendências do mundo atual dificultam o desenvolvimento da fraternidade universal. Durante décadas, pareceu que o mundo tinha aprendido com tantas guerras e fracassos e, lentamente, ia caminhando para variadas formas de integração. Mas, a história dá sinais de regressão. O bem, como aliás o amor, a justiça e a solidariedade não se alcançam duma vez para sempre; hão de ser conquistados cada dia.
«Abrir-se ao mundo» é uma expressão de que, hoje, a economia e as finanças se apropriaram. A sociedade cada vez mais globalizada torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos. Que significado têm hoje palavras como democracia, liberdade, justiça, unidade? Foram manipuladas e desfiguradas para utilizá-las como instrumento de domínio. Aumentam as distâncias entre nós, e a dura e lenta marcha rumo a um mundo unido e mais justo sofre um novo e drástico revés.
Cuidar do mundo que nos rodeia e sustenta significa cuidar de nós mesmos, de nossa casa comum. Frequentemente as vozes que se levantam em defesa do ambiente são silenciadas ou ridicularizadas. Partes da humanidade parecem sacrificáveis em benefício duma seleção que favorece a um setor humano, «as pessoas já não são vistas como um valor primário a respeitar e tutelar, especialmente se são pobres ou deficientes, se “ainda não servem” (nascituros) ou “já não servem” (idosos). A falta de filhos, provoca um envelhecimento da população e o abandono dos idosos uma dolorosa solidão.
Os direitos humanos não são iguais para todos. Enquanto uma parte da humanidade vive na opulência, outra parte vê a própria dignidade não reconhecida, desprezada ou espezinhada e os seus direitos fundamentais ignorados ou violados.As mulheres não têm a mesma dignidade e idênticos direitos que os homens.
Milhões de pessoas – crianças, homens e mulheres – são privadas da liberdade e constrangidas a viver em condições semelhantes às da escravatura.
Situações de violência vão-se «multiplicando cruelmente em muitas regiões do mundo, a ponto de assumir os contornos daquela que se poderia chamar uma “terceira guerra mundial por pedaços”». Em qualquer guerra o que acaba destruído é «o próprio projeto de fraternidade, inscrito na vocação da família humana».
Reaparece «a tentação de fazer uma cultura dos muros, de erguer os muros no coração, para impedir o encontro com outras culturas, com outras pessoas.
Esmorecem os sentimentos de pertença à mesma humanidade; e o sonho de construirmos juntos a justiça e a paz parece uma utopia doutros tempos. Reina uma indiferença acomodada, filha duma profunda desilusão que se esconde por detrás desta ilusão enganadora: considerar que podemos ser omnipotentes e esquecer que nos encontramos todos no mesmo barco. Diante dessa situação gritamos: Isolamento, não; proximidade, sim; cultura do confronto, não; cultura do encontro, sim.
Neste mundo que sem rumo comum, respira-se uma atmosfera em que «a distância entre a obsessão pelo próprio bem-estar e a felicidade da humanidade partilhada parecem aumentar. Uma coisa é viver juntos, e outra é apreciar a riqueza da vida em comum.
A tragédia global como a pandemia do Covid-19 despertou, por algum tempo, a consciência de sermos uma comunidade mundial que viaja no mesmo barco, onde o mal de um prejudica a todos. Ninguém se salva sozinho; só é possível salvar-nos juntos. A tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas seguranças com que construímos os nossos programas, projetos e prioridades.
Se tudo está interligado, é difícil pensar que este desastre mundial não tenha a ver com a nossa maneira de encarar a realidade. No fim, oxalá já não existam «os outros», mas apenas um «nós». Oxalá não seja inútil tanto sofrimento, mas tenhamos dado um salto para uma nova forma de viver e descubramos que precisamos uns dos outros.
As pessoas que emigram experimentam a separação do seu contexto de origem e, muitas vezes, também um desenraizamento cultural e religioso. A fratura tem a ver também com as comunidades de origem, que perdem os elementos mais vigorosos e empreendedores, e as famílias, particularmente quando emigra um ou ambos os progenitores, deixando os filhos no país de origem.
Os migrantes não são considerados suficientemente dignos de participar na vida social como os outros. É inaceitável que os cristãos partilhem esta mentalidade e estas atitudes, fazendo às vezes prevalecer determinadas preferências políticas em vez das profundas convicções da sua própria fé: a dignidade inalienável de toda a pessoa humana, independentemente da sua origem, cor ou religião.
Compreendo que alguns tenham dúvidas e sintam medo à vista dos migrantes. Mas, uma pessoa e um povo só são fecundos, se souberem criativamente integrar no seu seio a abertura aos outros.
Os meios de comunicação digitais podem expor ao risco de dependência, isolamento e perda progressiva de contato com a realidade concreta, dificultando o desenvolvimento de relações interpessoais autênticas. A agressividade social encontra um espaço de ampliação incomparável nos dispositivos móveis e nos computadores. Há interesses económicos gigantescos que operam no mundo digital
A verdadeira sabedoria pressupõe o encontro com a realidade. Não devemos perder a capacidade de escuta. Ao desaparecer o silêncio e a escuta, transformando tudo em cliques e mensagens rápidas e ansiosas, coloca-se em perigo esta estrutura básica duma comunicação humana sábia.
Para rezar: 1º Gn 4, 1-15 A fraternidade rota…
2º Mc 12, 28-32 Maior mandamento
3º Gl 5, 19-26 Obras da carne e as do Espírito...
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