6. SOLIDÁRIOS SEMPRE...

 

A pessoa humana, com os seus direitos inalienáveis, está naturalmente aberta a criar vínculos. Habita nela, radicalmente, o apelo a transcender-se a si mesma no encontro com os outros. Se o direito de cada um não estiver harmoniosamente ordenado para o bem maior, acaba por conceber-se sem limitações e, por conseguinte, tornar-se fonte de conflito e violência.


Não podemos deixar de afirmar que o desejo e a busca do bem dos outros e da humanidade inteira implicam também procurar um desenvolvimento das pessoas e das sociedades nos distintos valores morais que concorrem para um amadurecimento integral. No Novo Testamento, menciona-se um fruto do Espírito Santo (cf. Gal 5, 22), expresso em grego pela palavra agathosyne, a busca do bem, o cultivo dos valores e não só o bem-estar material. No latim, há um termo semelhante: bene-volentia, isto é, a atitude de querer o bem do outro

 

Vivemos já muito tempo na degradação moral, frustrando a ética, a bondade, a fé, a honestidade, e esta alegre superficialidade de pouco nos serviu. Tal destruição de todo o fundamento da vida social acaba por colocar-nos uns contra os outros na defesa dos próprios interesses. Voltemos a promover o bem, para nós mesmos e para toda a humanidade, e assim caminharemos juntos para um crescimento genuíno e integral. Cada sociedade precisa de garantir a transmissão dos valores; caso contrário, transmitem-se o egoísmo, a violência, a corrupção nas suas diversas formas, a indiferença e uma vida fechada a toda a transcendência e entrincheirada nos interesses individuais. 

 

Quero destacar a solidariedade. Penso em primeiro lugar nas famílias, chamadas a uma missão educativa primária e imprescindível. Primeiro lugar onde se vivem e transmitem os valores do amor e da fraternidade, da convivência e da partilha, da atenção e do cuidado pelo outro. São espaço privilegiado para a transmissão da fé e dos valores da liberdade, respeito mútuo e solidariedadeformas muito variadas de cuidar dos outros. O serviço é cuidar da fragilidade das famílias, da sociedade, do povo. 

 

Solidariedade é lutar contra as causas estruturais da pobreza, da desigualdade, da falta de trabalho, da terra e da casa, da negação dos direitos sociais e laborais

 

Cuidar da casa comum, que é o planeta. O mundo existe para todos, porque todos nós, seres humanos, nascemos nesta terra com a mesma dignidade. As diferenças de cor, religião, capacidade, local de nascimento, lugar de residência e muitas outras não podem antepor-se nem ser usadas para justificar privilégios de alguns em detrimento dos direitos de todos. Como comunidade, temos o dever de garantir que cada pessoa viva com dignidade

 

Nos primeiros séculos da fé cristã, vários sábios desenvolveram um sentido sobre o destino comum dos bens criados. Isto levou a pensar que, se alguém não tem o necessário para viver com dignidade, é porque outrem se está a apropriar do que lhe é devido. São João Crisóstomo (347-407) disse: «não fazer os pobres participar dos próprios bens, é roubar e tirar-lhes a vida; não são nossos, mas deles, os bens que aferrolhamos». E São Gregório Magno (540-604) di-lo assim: «Quando damos aos indigentes o que lhes é necessário, não oferecemos o que é nosso; limitamo-nos a restituir o que lhes pertence».

 

A tradição cristã nunca reconheceu como absoluto ou intocável o direito à propriedade privada, e salientou a função social de qualquer forma de propriedade privada. O princípio do uso comum dos bens criados para todosé o primeiro princípio de toda a ordem ético-social, é um direito natural, primordial e prioritário.

 

Por conseguinte, ninguém pode ser excluído; não importa onde tenha nascido, e menos ainda contam os privilégios que outros possam ter porque nasceram em lugares com maiores possibilidades. Os confins e as fronteiras dos Estados não podem impedir que isto se cumpra. É inaceitável que uma pessoa tenha menos direitos pelo simples fato de ser mulher, ou que o local de nascimento ou de residência determine menores oportunidades de vida digna e de desenvolvimento. 

 

O desenvolvimento não deve orientar-se para a acumulação sempre maior de poucos. O direito de alguns à liberdade de empresa ou de mercado não pode estar acima dos direitos dos povos e da dignidade dos pobres, pois quem possui uma parte é apenas para a administrar em benefício de todos.

 

A atividade dos empresários é uma nobre vocação, orientada para produzir riqueza e melhorar o mundo para todos. Estas capacidades dos empresários, dom de Deus, deveriam orientar-se para o desenvolvimento das outras pessoas e a superação da miséria. 

 

Isto supõe também outra maneira de compreender as relações e o intercâmbio entre países. Se toda a pessoa possui uma dignidade inalienável, se todo o ser humano é meu irmão ou minha irmã e se, na realidade, o mundo pertence a todos, não importa se alguém nasceu aqui ou vive fora dos confins do seu próprio país.

 

Lembremo-nos que a desigualdade não afeta apenas os indivíduos, mas países inteiros, e obriga a pensar numa ética das relações internacionais. E a justiça exige reconhecer e respeitar não só os direitos individuais, mas também os direitos sociais e os direitos dos povos.

 

Se se aceita o grande princípio dos direitos que brotam do simples fato de possuir a inalienável dignidade humana, é possível aceitar o desafio de sonhar e pensar numa humanidade diferente. É possível desejar um planeta que garanta terra, teto e trabalho para todos. Este é o verdadeiro caminho da paz real e duradoura, possível só a partir de uma ética global de solidariedade e cooperação.

 

PARA ORAR:

1. Lc 7, 11-17  Filho da viúva de Naim...

2. Jo 11, 1-44  Ressurreição de Lázaro...

3. Mt 26, 1-13 Ceia em Betânia...

4. Jo 13, 1-17 Ceia em Jerusalém...

 

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