A um deu 5 talentos, a outro 2, a outro 1; a cada um de acordo com a sua capacidade...
Neste 33º Dom. do Tempo Comum, a liturgia nos propõe uma parábola complexa. A história relata um episódio que um homem rico, ao sair em viagem, reparte seus bens entre seus servos com a intenção de que os façam render para que, no seu retorno, possa ver incrementado seu patrimônio. No seu regresso, premia àqueles que tiveram êxito no negócio e castiga duramente aquele que, por medo, enterrou o dinheiro recebido e não gerou lucros para o seu patrão.
Geralmente, ao interpretar ingenuamente a parábola, consideramos que este homem rico está representando a Deus e que os servos representam as diferentes respostas diante dos “talentos” recebidos do mesmo Deus. No entanto, a partir desta compreensão, torna-se difícil entender como Jesus pode apresentar o Deus do Reino atuando de forma tão dura e sem misericórdia com quem não fez crescer o “talento”. O modo com que frequentemente resolvemos a dificuldade é responsabilizar o servo que enterrou seu “talento”. Consideramos que este servo agiu com negligência e covardia e, portanto, mereceu ser castigado.
Sempre corremos o risco de uma interpretação literal e moralista da parábola, e isso alimenta uma falsa imagem de Deus. Mas, o Deus de Jesus não atua a partir do critério de prêmio e castigo. A atitude do senhor da parábola não pode ser exemplo do modo de agir de Deus. Jesus nunca acreditou nem nos apresentou a Deus como o senhor desta parábola, que funciona por interesses e rentabilidade. O Deus de Jesus, nosso Deus, é bondade, acolhida, compaixão e misericórdia. Tampouco o Deus de Jesus é um senhor duro e rancoroso, que recolhe onde não semeia, que arranca até o último centavo e que ameaça jogar o ser humano na “geena”, onde haverá choro e ranger de dentes.
Não, Jesus não quer que rendamos lucros para o patrão egoísta e austero, que causa pavor no terceiro servo da parábola. Deus não é austero nem egoísta. Deus é “dom” que se oferece, se compartilha... A presença de Deus nos inspira para que sejamos e ativemos a vida, pelo prazer de ser e de partilhar... E pelo prazer de partilhar com os outros o que temos recebido.
Por isso, a parábola dos talentos é muito mais um protesto contra uma estrutura social e religiosa centrada na cultura do prêmio/castigo, inclusão/exclusão, competente/incompetente...
Pensemos na parábola do filho pródigo, que é tratado pelo Pai de uma maneira completamente diferente. Tirar o pouco que tem daquele que tem menos para dá-lo ao que tem mais, tomado ao “pé da letra”, seria impróprio do Deus de Jesus. Através da parábola, Jesus denuncia o “deus da religião”, manipulado pelos encarregados do Templo (sacerdotes, escribas, fariseus...) para exercer o poder religioso sobre as consciências das pessoas e, assim, mantê-las sob seu controle.
Em “chave de interioridade”, alimentamos em nós a imagem de um “deus” que é fruto de nossas projeções, muitas vezes carregadas de feridas, traumas, medos, auto-exigências, busca da perfeição... Uns projetam a imagem do “deus do mérito”, que recompensa aqueles que se esforçam em “multiplicar talentos”; é a imagem do “deus” dos dois primeiros servos. Em um ambiente social onde ninguém se move a não ser por um pagamento, onde tudo deve trazer algum benefício, é impossível compreender a gratuidade que o evangelho. Se buscamos prêmios é que não entendemos nada do evangelho.
Outros projetam a imagem do “deus do medo”, duro, intransigente, que cobra até o último centavo, que castiga... É o “deus” do terceiro servo.
Estas falsas imagens de Deus, no entanto, causam danos e afetam a vida em todas as suas dimensões (pessoal, familiar, social, espiritual). Por detrás destas imagens se encontram crenças religiosas às quais chamamos tóxicas.
Estas crenças tóxicas podem gerar personalidades dependentes e submissas, neuróticas e ansiosas, medrosas e passivas, moralistas e perfeccionistas; ou talvez personalidades agressivas, dominantes, vingativas, controladoras. São o reflexo de uma imagem distorcida de Deus e “chegamos a nos parecer com o Deus que projetamos”. Esta distorção é o resultado, muitas vezes, de uma educação rigorosa e moralista, produto de uma espiritualidade dualista que coloca a perfeição como o ideal de todo cristão e o menosprezo de tudo o que não é “espiritual”.
Também é insuficiente interpretar “talentos” como qualidades da pessoa. Esta interpretação é a mais comum e está sancionada em nossa linguagem. Somos instigados a ativar todas as possibilidades, mas sempre pensando no bem de todos e não para acumular mais e “depenar” os menos capacitados, dando graças a Deus por sermos mais espertos que os outros.
A parábola não julga as qualidades, mas o uso que fazemos delas. No essencial, todos temos o mesmo talento. As bem-aventuranças deixam isso muito claro: por mais carências que tenhamos, podemos alcançar a plenitude humana. Temos algo essencial, e muita coisa que é acidental. O importante é a essência que nos constitui como seres humanos.
O grande “pecado” dos(as) seguidores(as) de Jesus é a de não segui-Lo de maneira criativa. Passar dos “talentos” ao Talento, e em especial ao Talento do Coração, a serviço da humanidade.
Tem partes bem interessantes, mas no ficou clara a alegoria. Com isso ficaria ótima.
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