“E olhando para aqueles que estavam sentados ao seu redor...” (Mc 3,34)
Depois do percurso quaresmal e pascal, retomamos o tempo litúrgico conhecido como Tempo Comum, seguindo o evangelista Marcos.
O Evangelho deste domingo nos mostra como Jesus exerce um grande poder de atração sobre as pessoas; são muitos aqueles que o buscam: a multidão, os membros de sua família, os mestres da lei... Todos se aproximam e se situam em torno a Jesus.
As multidões, admiradas de sua capacidade de “destravar vidas”, aglomeram-se nas portas das casas onde Jesus se encontra, vindo de todos os lugares. Todos são capazes de reconhecer que Deus atua nele.
Por outro lado, seus familiares querem “agarrá-lo” e levá-lo para casa; querem preservar a honra da família, pois estão preocupados pelos comentários que se fazem sobre Ele. E os mestres da lei, que tinham descido de Jerusalém, o acusam de realizar seus exorcismos com a força do chefe dos demônios e não do Espírito Santo.
O pecado contra o Espírito Santo tem raízes profundas no coração das pessoas, pois é uma cegueira culpável, um resistir-se à ação salvadora de Deus; a pessoa se coloca numa atitude contrária à conversão. É uma opção fundamental pelo mal que impede o Espírito Santo de atuar. O blasfemo se exclui a si mesmo do perdão de Deus.
Diante das diferentes reações das pessoas, o que impressiona é a atitude de Jesus comprometido com a causa da vida. Ele desafia a todos a não permanecerem “fora”, mas a situar-se ao seu redor, e deixando-se impactar pelo seu modo de ser e agir. Aqui está o sentido do verdadeiro discipulado, a constituição de sua nova família.
Jesus aproveita a visita de sua mãe e seus irmãos para falar do nascimento da nova família, aquela que vive em sintonia com a vontade do Pai, constituindo a nova comunidade. É preciso sair do que é “meu”: minha família, minha religião, minha Igreja...
Jesus transgride os espaços: família, religião, povo, cultura... E alarga os espaços estreitos da família; não permanece dentro das quatro paredes. Há uma tendência em todo ser humano a se fixar numa zona de conforto que precisa ser ampliada.
Nesta perspectiva, fica em segundo plano a consanguinidade. Doravante, ser mãe ou irmão de sangue não tem importância. O critério de pertença à família do Reino consiste em abrir-se à vontade do Pai.
A identidade dessa nova família se configura por um idêntico modo de proceder, fundado no amor e na prática da justiça. Por esse caminho, os discípulos se reconhecem como irmãos e irmãs, unidos para além de qualquer divergência, cultura ou raça. É uma comunhão de vida.
“E olhando para os que estavam sentados ao seu redor…” Esta imagem circular expressa um tom diferente de seguimento e de proximidade com Jesus: a circularidade, reunir-nos ao redor do próprio Jesus que nos convoca. Estar em círculo, portanto, também quer dizer que estamos vinculados uns aos outros numa postural corporal que tem Jesus no centro.
Nossa vida cristã, como expressão do seguimento de Jesus, tem muito disto: estamos e vivemos em círculo. Esta imagem do círculo quebra toda estrutura piramidal, hierárquica, de poder, de prestígio... Todos estamos ao redor de Jesus, vivendo ministérios e serviços diferentes.
Ele amplia o conceito de família: inclui a todos. Já não são os laços de sangue que contam. Situar-nos no círculo do seguimento Jesus implica acolher a diversidade das pessoas que compõem este mesmo círculo.
A ideia de unidade da espécie humana não deve eliminar a diversidade, e saber conviver com as diferenças é sinal de maturidade.
A diversidade racial, sexual, cultural, religiosa... supera a monotonia e oferece a criatividade de muitas formas. A harmonia fecunda entre as pessoas está na diversidade das diferenças, não na repetição mecânica. O conformismo repete cópias, mas não facilita a união autêntica. Sem as diferenças entre pessoas, a sociedade seria apenas um marasmo. Por isso, as diferenças pluralistas são valores, não anomalias. Além disso, são sedutoras, não amedrontadoras. A diferença pessoal mantém certo fascínio.
Muitas vezes, o zelo religioso, moral ou político degenera em formas de intransigência e intolerância. E com isso, nos colocamos “fora” do círculo familiar de Jesus.
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