E vós, quem dizeis que eu sou?... (Mt 16, 15)
O chamado de Jesus se apresenta de modos diferentes nos evangelhos, segundo o temperamento e as circunstâncias de cada pessoa. Algumas vezes, o convite a seguir Jesus chega por mediação de outro: “encontramos o Messias”, diz André a seu irmão Pedro, mas sempre é Deus quem tem a iniciativa no chamado.
A liturgia deste domingo nos apresenta duas leituras bíblicas, com duas perguntas impactantes: No caso de Pedro, é Jesus quem toma a iniciativa e pergunta: “E vós, quem dizeis que eu sou?”
Ao professar a identidade de Jesus (“o Filho de Deus”), Pedro redescobre também sua verdadeira identidade, escondida debaixo de uma personalidade impulsiva e voluntarista...
Mateus nos situa diante de um jogo de palavras: “petros” e “Petra”, entre uma pedra movediça (petros) e a Rocha firme (Petra) sobre a qual Jesus edificará sua nova comunidade. O mesmo Simão é ao mesmo tempo “petros” e “Petra”, pedra do caminho e rocha, de tal modo que o sentido da promessa de Jesus seria: “Tu és Petros e sobre essa Pedra/Rocha (que és tu mesmo, também) edificarei minha Igreja”.
Parece claro que `petros´ foi o apelido que Jesus quis dar a Simão. “Tu és só um petros”, simplesmente uma pedra movediça, cascalho sem estabilidade e que não serve para ser fundamento de uma casa. Isso parece ter sido Simão no princípio, para Jesus e para a comunidade mais antiga.
Mas, Mateus acrescenta que ele recebeu uma missão especial de Deus, por sua confissão de fé, sem deixar de ser petro/cascalho, ele se converteu em Petra/Rocha firme da fé, alicerce da Igreja de Jesus.
A partir desta perspectiva, “esta Rocha” se refere à confissão de fé que o Pai de Jesus revelou ao frágil petros. Apesar de ser pedra do caminho, Pedro recebeu uma revelação de Deus e sobre ela edificará Jesus sua Igreja (não sobre Pedro como pessoa, mas sobre sua confissão de fé). Esta relação entre Pedro (petros-pedra) e sua confissão de fé como Rocha (Petra), sobre a qual Jesus edificará sua igreja, constitui o centro teológico de Mateus, sua contribuição à história da comunidade cristã.
Mateus sabe que não tem sentido edificar a Casa/Igreja sobre uma pedra do caminho, ou seja, sobre cascalhos impróprios para a construção e que podem ser arrastados pela água da torrente. Mas ele sabe também que Simão, chamado Pedro/Pedra, está relacionado com a Petra/Rocha da Igreja de tal forma que nem os poderes do inferno não prevalecerão sobre ela.
Na situação de Paulo, é este mesmo que faz a Jesus a pergunta: “quem és tu Senhor” (Atos 9,5). Ao responder – “Eu sou Aquele a quem tu persegues”, Jesus pôs às claras a identidade violenta, dogmática, farisaica, legalista... de Saulo. Daí a forte imagem da luz, no caminho de Damasco, que desvela quem é Saulo e quem é Jesus.
O encontro com esta luz, ilumina os recantos violentos e obscuros da personalidade de Saulo. Saulo perseguidor será Paulo, o seguidor de Jesus. Ele reordena seus instintos violentos, agressivos... em favor do Evangelho. Este é o verdadeiro sentido da conversão: os impulsos humanos, antes desordenados, são reordenados a serviço de uma causa maior.
A tradição afirma que Saulo caiu do cavalo; imagem de forte simbolismo, pois ter um cavalo é símbolo de status, de poder, de vaidade...; “cair do cavalo” expressa que Paulo, para entrar no caminho do seguimento de Jesus, precisou sair de sua prepotência, de seu dogmatismo e preconceito.
Para que haja transformação interior, precisamos “cair ao chão”, voltar ao “húmus”, reconhecer-se como humano, cheio de limitações e fragilidades, mas também possuidor de ricas potencialidades. Ao cair, Saulo começa a deixar-se conduzir por outros e por Jesus.
Pedro e Paulo, por diferentes caminhos, encontraram seu verdadeiro húmus, humanidade e identidade. “Quem sou eu? Para quem? Para quê? Qual é o meu lugar e missão no mundo?”
Toda pessoa possui dentro de si uma profundidade que é seu mistério íntimo e pessoal.
A própria interioridade é a rocha consistente e firme, bem talhada e preciosa que cada pessoa tem para encontrar segurança e caminhar na vida, superando as dificuldades em favor da vida.
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