O que significa ser sacerdote hoje? Estou particularmente comovido por fazer isso para os sacerdotes de Bolonha, onde São Domingos jaz 800 anos, após a sua morte.
Como jovem dominicano, fui ensinado que toda a pregação começa com a escuta e estou muito consciente de estar falando com vocês agora, antes de tê-los escutado...
Certa vez, um amigo meu, um bispo inglês, me pediu para pregar no 25º aniversário da sua ordenação episcopal. Todos os bispos ingleses estariam presentes. Ele me disse: “Timothy, diga-nos o que significa ser um bom bispo”. E disse aos meus irmãos dominicanos: “O que eu posso dizer? Eu nunca fui bispo!”. Um deles respondeu: “Não se preocupe, Timothy, no passado a ignorância nunca o impediu de falar!”. E não o fará hoje.
Este é um momento difícil para ser padre. O povo de Deus está profundamente escandalizado com a crise dos abusos sexuais. Muitos jovens acham que a Igreja está fora do mundo, que é contra as mulheres e os homossexuais. Podemos parecer irrelevantes, como uma máquina de escrever na era dos laptops. E muitos jovens estão abandonando a Igreja.
Existe uma história que fala de uma situação desse tipo: Dois discípulos desiludidos estão em viagem para Emaús, logo depois da Páscoa. Eles esperavam que Jesus seria aquele que viria para redimir Israel, mas ele fracassou. Havia relatos de algumas mulheres que diziam que Jesus havia ressuscitado dos mortos, mas os apóstolos os haviam liquidado como “tolices” de mulheres (Lc 24,11). Eles perderam a fé e a esperança. Abandonaram a comunidade de Jerusalém, e voltaram para casa. Exatamente como muitas pessoas hoje se encontram. Como podemos ir ao encontro delas? Como Jesus faz isso?
Os dois discípulos estão tentando dar um sentido ao fracasso das suas esperanças quando encontram esse desconhecido. Jesus não diz que eles estão errados e que ele ressuscitou. Ele apenas lhes pergunta: “Do que vocês estão falando?” (Lc 24,17). Começa a partir deles. Eles são convidados a expressar a sua perplexidade e a sua decepção, a sua raiva. Ele não fala antes de escutar.
E as primeiras palavras deles a Jesus são: “Tu és o único estrangeiro em Jerusalém que não sabe quais são as coisas que aconteceu aqui nestes dias” (Lc 24,18). Exatamente como muitos jovens italianos e ingleses: “Vocês, sacerdotes e religiosos, não têm ideia do que estamos passando”. Muitos católicos desiludidos pensam que não temos ideia das suas lutas ou do que significa ser uma jovem com um bebê indesejado a caminho, ou ser gay e solitário, e se sentir rejeitado pela Igreja.
Depois de mais de um ano com o vírus, muitas pessoas, até mesmo sacerdotes, também se sentem sozinhas, esquecidas e incompreendidas. Como nós, sacerdotes, abrimo-nos aos seus mundos, com a dor e alegria deles, os seus sonhos e os seus medos? Os jovens simplesmente presumem que um velho padre como eu não pode se interessar por eles. Mas, se é aqui que eles se encontram, é aqui que eu devo estar.
Eles estão indo na direção errada, fugindo da comunidade de Jerusalém. Jesus não bloqueia o caminho deles, nem lhes diz para voltarem atrás... Ele apenas caminha com eles.
O ministério mais doloroso de um sacerdote é caminhar com as pessoas que se afastaram da Igreja. Santa Teresa de Lisieux dizia que a sua vocação era a de se sentar à mesa com os incrédulos e beber do seu cálice amargo. A Igreja é chamada a sair de si mesma e a “ir às periferias, não só geográficas, mas também às existenciais...”
Um dos meus amigos abandonou a Ordem Dominicana, antes da ordenação. Depois, ele abandonou a Igreja e perdeu a fé em Deus. Nós nos encontramos a cada dois meses para comer e beber alguma coisa. Compartilhamos aquilo que estamos fazendo, as nossas esperanças e os nossos sonhos. Muitas das suas convicções são agora contrárias às minhas. Ele luta pela eutanásia voluntária. Isso é profundamente doloroso para mim. Mas eu não tenho que romper com ele.
Primeiro, porque ele é um amigo; segundo, porque, se eu compartilhar a viagem dele a Emaús, longe da Igreja, talvez um dia ele volte para casa. Frequentemente, não quero ouvir as suas novas convicções, mas, se é disso que ele fala pela estrada enquanto caminha, então é isso que eu devo ouvir.
Jesus era um homem de conversas, principalmente com as pessoas difíceis! Pensem na conversa com a mulher samaritana, junto ao poço. A primeira pergunta que eu gostaria de fazer é esta: com quem devemos falar enquanto caminhamos pela estrada? Quem é para nós a mulher sozinha junto ao poço? Quem são as pessoas que fogem da Igreja e com quem podemos caminhar? Jesus primeiro ouve e depois fala! As Escrituras são oum diálogo de Deus com a humanidade.
O principal testemunho da nossa fé, especialmente como pregadores, é nos envolvermos em uma conversa. A conversa é o único modo de anunciar Jesus. Qualquer outro modo corre o risco de cair na ideologia. Todo o Evangelho de João é uma conversa após outra.
No centro da toda vocação sacerdotal está a arte de conversar. O padre deve ser alguém que gosta de conversar com as outras pessoas, principalmente se não concordam com ele. Confiança para falar e humildade para escutar.
A história rumo a Emaús envolve algo interessante. Jesus está em dois lugares ao mesmo tempo. Está em Jerusalém, lugar da ressurreição (com os apóstolos) e está na comunidade apostólica e também com os discípulos que fogem para Emaús.
Nós também devemos viver em ambos os lugares. Dizia-se que São Domingos estava “in medio ecclesiae”, no meio da Igreja. A Igreja é a nossa casa, mas também somos pessoas que estão nas periferias. Estar em Jerusalém e na estrada para Emaús.
É incômodo pertencer ao mundo da ortodoxia, e gastar tanto tempo com os não ortodoxos. Aos seminaristas e padres jovens gostaria de dizer que esse coração dividido é a dor característica da sua vocação; se experimentam a dor, é sinal de que serão bons sacerdotes.
O sacerdote é chamado a viver na tensão entre as convicções da Igreja e as questões do mundo. Nenhum de nós encontrará o equilíbrio perfeitamente correto. Alguns de nós serão mais da instituição; outros encontrarão seu ministério nas periferias. Alguns serão Pedro, rocha; outros são Tomé, cheio de dúvidas.
Alguns de nós serão por temperamento mais conservadores, e outros, progressistas. Porém, cada um deve valorizar a vocação do outro. Não deve haver rivalidades. Todos são necessários, e ninguém deve ser desprezado. A polarização entre conservadores e progressistas deveria ser totalmente estranha ao catolicismo.
Precisamos uns dos outros. Juntos como presbitério, cada um com o seu papel diferente, facilitamos o complexo diálogo entre a Igreja e a Palavra, o Evangelho e a realidade secular, Jerusalém e Emaús.
Chegamos agora à grande ironia dessa história, tão típica dos Evangelhos. Eles dizem a Jesus: “Fica conosco, porque é tarde, e o dia já passou” (cf. Lc 24,29). Essas pessoas irrequietas, fugindo da Igreja, convidam o Senhor do Sábado para repousar com elas. Oferecem a Deus uma refeição e um leito para a noite.
Pregamos aceitando a hospitalidade. Quando Jesus envia os discípulos para pregar, ele diz que eles não devem levar nada com eles, “e em qualquer casa em que vocês entrarem, permaneçam aí, até vocês partirem do lugar”. Jesus está à porta e bate, e, se alguém abrir a porta e o deixar entrar, ele permanecerá com ele (cf. Ap 3, 20).
O nosso ministério sacerdotal inclui a aceitação da hospitalidade, como eu digo aos meus irmãos em Oxford quando saio para jantar de novo! O dominicano francês Pe. Chenu era o avô do Concílio Vaticano II. Mesmo aos 80 anos, na maioria das noites, ele saía para ver amigos, artistas ou para ouvir políticos ou líderes sindicais. Esse grande pregador aprendeu a arte de ser hóspede nas casas e nas instituições de outras pessoas.
Devemos ter a coragem de aceitar o convite para descansar com os jovens, ou artistas, ou trabalhadores, apenas para desfrutar a companhia deles, e sentir o prazer de estar com eles.
“Fica conosco, pois já é tarde, e a noite já vem chegando” (Lc 24, 29). Se quisermos que eles se sintam em casa na Igreja, devemos estar em outros lugares também com eles...
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