“Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz”
Celebramos no último domingo do Ano Litúrgico, a festa de Cristo Rei. Jesus: proclamar-se “rei” sem conquista militar, nem por herança de família, nem por estratégia de partido... Certamente, Jesus utilizou a imagem de rei e de reino, mas não na linha do domínio absoluto, mas de serviço mútuo. Reinado fundado na verdade de Deus e na fraternidade entre os homens.
Cena inusitada: o poder terreno se depara com alguém que diz: “sou rei”, sendo um condenado à morte, frágil, pobre, coroado de espinhos, sangrando e com as mãos atadas. Esse Rei é Jesus. Nesta cena, se enfrentam o opressor e o oprimido.
Onde se apoia a autoridade de Jesus? No testemunho da Verdade. Jesus é a Verdade. Jesus sempre se revelou verdadeiro e transparente: “para isto nasci, para dar testemunho da verdade”.
Jesus é Rei, porque vem dar testemunho da verdade; de uma verdade racional, separada da vida. Jesus é Rei e todos podemos ser “reis” n’Ele e com Ele; “Ser rei” é viver na verdade do que somos, em gesto de transparência e amor mútuo.
Só a verdade nos cura e nos liberta do apego ao poder, da ganância do dinheiro, da imposição sobre os outros...
É da essência do ser humano exigir sempre a verdade. É preciso des-velá-la e não escondê-la. A verdade é indobrável. Mesmo ensanguentada, não capitula. No contexto atual o importante não é a verdade do ser, mas a do aparentar; não é a coerência de vida, mas a mentira camuflada de verdade.
A ocultação da verdade é um dos sintomas mais fortes do processo de desumanização que estamos vivendo; a “cultura da mentira”, a destruição dos outros pelas “fake news”, os negócios escusos, os orçamentos secretos, o negacionismo como hábito de morte... Quanta incoerência! Dizemos que somos seguidores d’Aquele que “veio testemunhar a verdade” e, no entanto, procedemos como canais por onde flui a mentira deslavada.
Des-velar a verdade de si mesmo e acolher a verdade no outro é sinal de maturidade. A verdade é limpa. É inocente. Os “pilatos” da atualidade estão a postos violentando a verdade em nome de uma ideologia que alimenta ódios, preconceitos, intolerâncias...
Acaso somos o que dizemos ser? Acaso vivemos o que falamos? Quem se fecha numa crença ou numa ideologia, sente-se automaticamente dono da verdade. Daí, a exclusão de quem pensa e sente diferente, o fanatismo, o proselitismo... Jesus disse que “veio para dar testemunho da verdade”.
A Verdade é uma das grandes carências existenciais. Não se trata de uma necessidade periférica, mas uma dimensão que nos humaniza. Temos sede da verdade. Antes que “ter” a verdade, precisamos “ser verdade”.
Uma das angústias humanas é não alcançar o manancial da verdade. Enquanto a verdade for encoberta, não ficamos em paz. Sem a verdade, a existência é sombria e onde falta a verdade, instala-se lacuna na existência humana. Quem não vive a verdade, está “carunchado” por dentro.
Ser “testemunha da verdade” requer “viver na verdade”; viver na verdade inclui o reconhecimento e a aceitação da própria verdade (com suas luzes e sombras) e da verdade dos outros. Quando alguém transita por este caminho, começa a viver na humildade.
Como seguidores de Jesus fixamos nosso olhar n’Ele, pois Ele é o centro do nosso caminhar e, assim, vamos descobrindo nosso ser verdadeiro. Os antigos gregos entenderam a verdade como “a-létheia” (“sem véu”), ou seja, quando emerge a verdade de nós mesmos.
Quem se descobre verdadeiro e sem máscara, vive profundamente, e alarga sua vida a serviço dos sem-vida.
Esta é a via da humanização; e quanto mais nos humanizamos, mais nos divinizamos.
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