Sede como os que esperam seu senhor voltar de uma festa de casamento... (Lc 12,36)
“Fazer memória” dos entes queridos que já fizeram a “travessia” para a plenitude, nos situa diante desta realidade: todos morremos sozinhos, mas morremos para todos e com todos, na grande corrente de Vida da qual todos procedemos, e na qual todos pós-vivemos; retornamos ao coração d’Aquele a quem Jesus chamou “Deus dos Vivos”, não de mortos.
A vida é um contínuo expandir e a morte se revela como a expansão radical, pois mergulhados em Deus, nos tornamos universais.
Nesse horizonte de Vida que intuímos que a “grande travessia final” é o processo natural na qual todos, um dia, vão se deparar. Para os que estão do lado de cá da fronteira, têm-se a impressão que a pessoa “partiu”; para os que estão do outro lado, há a certeza que a pessoa está “chegando”, carregada de vida, de memória e de experiências. E viverá para sempre dentro do mistério do “Deus dos vivos”.
Como cristãos, acreditamos que a vida se transforma no seio da Vida em Cristo; sua vitória solidária na ressurreição abre, para todos, o mesmo destino: seremos “aspirados” para dentro do coração de Deus.
Há um dado que nos afeta a todos: a incapacidade cultural de abordar os limites, perdas, fracassos, mortes... Expulsamos a dor e a morte da nossa experiência humana. Elas não estão presentes no nosso cenário cotidiano.
Vivemos como se tivéssemos que ser imortais. E quando a morte está perto, as pessoas se afastam dela, ou então, ela é afastada para locais específicos; quando sentimos a presença da morte, tudo fica desestabilizado.
O confronto com a morte não precisa desembocar em um desespero que possa destituir a vida de todo sentido. Ao contrário, a morte pode nos fazer despertar para uma vida mais intensa. Ela nos faz reingressar na vida de uma maneira mais rica e apaixonada; ela aumenta a consciência de que esta vida, nossa única vida, deve ser vivida de maneira mais plena, sem a marca de culpa ou remorsos. A experiência da morte pode servir como uma experiência reveladora, um catalisador extremamente útil para grandes mudanças de vida. A morte menos temida, dá mais vida.
O evangelho deste dia fala de “velar” e de “estar preparados”; chamados a despertar. Estamos despertos quando mantemos “atenção plena” ao que acontece em nosso interior e ao nosso redor. Um dos riscos que hoje nos ameaça e esfria nosso fervor no seguimento de Jesus é cair numa vida superficial, mecânica, rotineira, massificada... Com o passar dos anos os projetos, metas e ideais vão se apagando e perdemos a capacidade de dar um sentido novo à nossa existência.
A vigilância não é medrosa e pessimista; é alegre expectativa do Deus que nos surpreende no hoje de nossa existência; é chamado a viver com lucidez e responsabilidade, sem cair na passividade ou letargia.
Por isso é preciso estar despertos e viver a espiritualidade da espera: viver o momento presente, porque qualquer momento é o definitivo, é viver o tempo habitado por Deus. Esperar é estar despertos para nos conectar com essa Presença sempre surpreendente.
Uma visão esvaziada da morte desumaniza a vida presente e nos impede de viver em plenitude o momento atual. A vida presente tem pleno sentido por si mesma. O que projetamos para o futuro já está aqui, ao nosso alcance. Aqui e agora podemos viver a eternidade, quando a vida é atravessada pela Vida divina.
A “espera” tem um significado ativo; a “espera” não pode separar-se da busca e do encontro, do agir, do amar e servir. A espera é agradecida, é construtiva, é autêntica sede de Deus. O coração está habitado de esperas.Somos seres esperantes.
A surpresa e a riqueza de cada momento fazem de cada instante da vida a antecipação do que será a vida plena. Carregamos a alegria de apostar como se fôssemos eternos. Fomos feitos por mãos celestiais, chamados à vida, para a liberdade, para a bondade, para a amplidão dos céus.
Confessamos que a vida é de Deus e, como Ele, é eterna. E nossa última morada não é sob a lápide fria de um túmulo, mas no coração do mistério de um infinito Amor.
A morte do ser humano é um “trânsito para o Pai”, morrer para dentro de Deus. Vivemos “travessias” provisórias até a grande travessia para Deus. Acreditamos na Ressurreição! Somos verdadeiramente luz da LUZ!
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