Por que vês tu o cisco no olho do teu irmão, e não percebes a trave que há no teu próprio olho?
O evangelho deste domingo nos situa no mesmo cenário das bem-aventuranças. O Mestre da Galiléia está ensinando buscando despertar a radicalidade que o Reino de Deus pede.
O ensinamento de Jesus tinha começado um pouco antes com uma afirmação taxativa: “Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados” (Lc 6,37). Depois da proclamação das bem-aventuranças e os “ais” contra aqueles que buscavam honras, riqueza e poder, Jesus vai proferindo uma série de afirmações que orientam o seu discipulado e revelam um “modo de ser e proceder” original e humano. Ele também adverte das armadilhas nas quais podemos cair quando nos colocamos como “juiz”:
* Por quê somos tão rígidos e duros, tão insensíveis e julgadores?...
* O que nos faz ficar petrificados por dentro?
* Por que temos medo do desconhecido e daquele que pensa e sente de maneira diferente?
Em cada um de nós o instinto do julgamento está enraizado profundamente. Proliferam os “tribunais ambulantes e permanentes”...
Tal atitude julgadora nos petrifica em todo o nosso ser, deixando-nos estagnados e congelados...
Será que estamos imobilizados, petrificados em nossos pensamentos e em nosso coração e em nosso espírito. Estamos retraídos, auto-centrados e isso nos impede de viver com maior liberdae.
* Como passar do coração de pedra para a fonte de água viva?
* Como libertar o coração dos medos que levam a excluir os outros e fechar-nos numa fria rigidez?
* Como reencontrar, no nosso cotidiano, a fluidez que habita em nós?
No Evangelho deste domingo encontramos expressões que nos movem a abandonar este ofício julgador. No entanto, em muitos seguidores de Jesus amadurece ao longo da vida, a convicção de que há coisas mais importantes a fazer. Precisamos “cristificar” nossa visão para que ela não se deixe determinar pelas limitações próprias e a dos outros. A sabedoria de Jesus recorda algo elementar: o outro é nosso espelho, pois o cisco que vemos em seu olho nos está falando de uma “trave” que há no nosso.
“Guia cego” é aquele que, centrado na lei, se situa acima do outro, exigindo dele qualquer tipo de “submissão”. Isso acontece porque tal “guia” carece de compreensão e só busca alimentar e fortalecer seu próprio ego.
O guia autêntico considera-se a si mesmo como “acompanhante”, e fala a partir de sua própria experiência, e remete cada pessoa a si mesma, na certeza de que o único “Guia” é sempre o Espírito Santo.
Assim, enquanto o “guia cego” acaba caindo no buraco, o acompanhante autêntico oferece luz e espaço amplo para que cada qual vá encontrando seu próprio caminho.
Jesus está sempre nos chamando à autenticidade. A única Lei definitiva é a que está escrita em nosso interior e tem a marca do amor. É preciso descer ao coração e descobri-la, para que ela inspire nosso ser e nosso proceder.
Como cristãos temos copiado a atitude dos fariseus, dando mais valor ao cumprimento de normas que à busca interior das exigências de nosso verdadeiro ser. Esta é a causa de nosso fracasso na vida espiritual.
A originalidade do Evangelho está na aventura da descoberta do “mundo interior”, esse mundo desconhecido e surpreendente, que é o coração, onde acontece o mais importante e decisivo em cada pessoa. É preciso ser discípulo da “escola do coração” onde aprendemos a nos acolher como dom totalmente gratuito de Deus e a entregar-nos totalmente ao seu Reino.
Por outro lado, vivemos também um contexto de muitos “corações de pedra”, intransigentes, cheios de ressentimentos e juízos implacáveis, corações fechados em jaulas de pré-juízos e de suspeitas, que acabam envenenando as relações e rompendo os laços humanos.
O seguimento de Jesus consiste, sobretudo, em alcançar a experiência interior que Ele viveu, e deixar que nossa interioridade cristificada se manifeste. Fazer caminho com Ele nos ajuda a descobrir as enormes possibilidades em nossos próprios corações. O Coração divino que humaniza nosso coração, tornando-o aberto e sensível a tudo o que é humano; ao mesmo tempo, ativa em nós um coração que se faz solidário e comprometido a afastar de nossas relações tudo o que desumaniza: fechamentos, intolerâncias, julgamentos, preconceitos, ódios...
Ter o coração nas mãos nos capacita a olhar a realidade, compreender cada pessoa em sua situação e viver oblativamente, a partir da gratidão e da responsabilidade. Sentir o pulsar de nosso coração em sintonia com o Coração do Pai nos ajuda a recuperar o “humanismo” que estamos perdendo.
Por isso Jesus dava tanta importância ao coração: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus” (Mt 5,8).
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