Depois, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor... (Jo 20,20)
O relato pascal deste domingo é chave para entender o sentido de todas as aparições do Ressuscitado aos seus discípulos. Ele não tem a intenção de nos querer dizer o que “aconteceu”, mas transmitir-nos uma vivência, uma experiência.
Ao refletir sobre os relatos das Aparições padecemos de um míope e estéril realismo: quê viram? O quê aconteceu? Como Ele apareceu?... Interessa-nos mais a curiosidade do que o fato. Lemos os Evangelhos mais como jornalistas do que como pessoas de fé.
Mas, se tivéssemos estado ali, teríamos acreditado no Crucificado? Aquele que não sente sua fé interpelada pelo crucificado e pelos crucificados do mundo, não tem uma fé bem enraizada.
É na comunidade onde se pode descobrir a presença do Ressuscitado. A comunidade é a garantia da fidelidade a Jesus e ao seu Espírito; sobretudo, é a comunidade que recebe a nobre missão de expandir a grande surpresa realizada pelo Pai em Jesus.
Jesus aparece no centro da comunidade, como presença de unidade, porque, agora, Ele é para eles e elas a única referência e fator de comunhão. A comunidade cristã está centrada em Jesus: sua saudação elimina o medo; as chagas, sinal de sua entrega, evidenciam que é o mesmo que morreu na cruz; o sopro do seu Espírito lhes reacende a alegria e a coragem...
A verdadeira Vida não pode ser tirada de Jesus nem tirada dos seus seguidores. A permanência dos sinais de sua morte (chagas) indica a permanência de seu amor. Além disso, garante a identificação do Ressuscitado com o Jesus crucificado. A comunidade tem agora a experiência de que Jesus vive e lhe comunica essa mesma Vida.
O evangelista João é o único que divide em dois o relato da aparição aos apóstolos reunidos. Com isso personaliza em Tomé o tema da dúvida, que é capital em todos os relatos de aparições.
Bastavam os sinais anteriores: o dom da paz, a memória de sua entrega (mãos e lado), o perdão, o sopro do Espírito. Mas o texto joanino continua dizendo que faltava Tomé, precisamente um dos Doze. Não é um cristão comum aquele que estava ausente da comunidade, mas um dos antigos companheiros de Jesus, um de seus doze seguidores. Precisamente Tomé, um dos líderes da igreja primitiva, corria o risco de entender a ressurreição de um modo “espiritualista”, “desencarnada”, fora da comunidade.
Não há experiência pascal sem um retorno à corporalidade do Cristo, que continua sendo o mesmo Jesus da história que morreu por sua fidelidade à causa do Reino: trazer vida em abundância a todos.
Neste segundo encontro do Ressuscitado com os discípulos, João destaca a exigência de “tocar” as feridas de Jesus, para conservar assim a memória de sua paixão. “Tocar” em Jesus significa tocar e curar as feridas da humanidade que sofre.
O Ressuscitado não se apresenta com força e poder, mas com amor e a partir do amor, exercendo o “ofício do consolar” (S. Inácio). Por isso, às vezes não é fácil reconhecê-lo. E, no entanto, é Ele mesmo. Aquele que foi crucificado é o que Deus ressuscitou.
Esta igualdade fica expressa por meio das chagas que o Ressuscitado traz em seu corpo. Mas estas chagas são algo mais que um modo de dizer “sou eu mesmo”. As chagas são expressão de identidade; elas são as “marcas” da entrega e que nunca desaparecerão.
Jesus, vencedor da morte, não abandona a fragilidade da existência humana. A fragilidade da carne mortal foi assumida na glória do corpo ressuscitado. A ressurreição não O separa da condição humana anterior.
Jesus, que conhece bem nossas obscuridades e resistências, medos e bloqueios que nos habitam, se faz presente em meio às nossas vidas abrindo as portas fechadas e pacificando nosso interior: “a paz esteja com vocês!” Ele vem ao nosso encontro e se empenha em re-criar-nos, comunicando seu Sopro sobre nós, como o Criador fez no princípio de tudo. Ali onde continua habitando o caos, a incerteza e a desconfiança, Ele nos oferece alegria, paz e fortaleza.
A experiência do encontro com o Ressuscitado nos faz encontrar o verdadeiro lugar do nosso corpo em nossa vida.
Ao aproximar de suas feridas reacende em nós a solidariedade e o impulso para sair de nossos espaços fechados e entrar em sintonia com os chagados da história. As chagas do Crucificado, por graça, nos transformam em testemunhas de sua presença em todos os feridos e sofredores.
Que sua paz alente nosso anúncio alegre para que outros possam crer e, crendo, todas tenham vida em seu Nome!
Nossas feridas físicas e morais só estarão curadas quando forem motivo de dar glória a Deus.
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