“Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13,35)
No evangelho deste domingo Jesus nos coloca diante da realidade mais profunda de sua mensagem e, ao mesmo tempo, a realidade que nos faz mais humanos: a vivência do amor. A forma como Ele se expressa é clara e simples: frente aos inumeráveis mandamentos rabínicos, frente ao Decálogo de Moisés, suas palavras soam taxativas: “Eu vos dou um novo mandamento”.
Só há um mandamento: amar os outros, como Jesus nos amou.
Jesus nos deixa a marca de identidade que nos distingue como cristãos. É o mandamento novo, em oposição ao mandamento antigo, a Lei. Amor expansivo, inclusivo, universal. O amor é o “dinamismo divino”. No mesmo movimento, unifica nossa pessoa para “dentro” (integra e harmoniza todas as dimensões de nosso ser) e nos abre para “fora”, ao encontro inspirador com todos.
Jesus não propõe como primeiro mandamento o amar a Deus, nem o amor a ele mesmo. Não precisa de nós, nem nós podemos dar nada a Ele. Deus é puro dom, amor total. É preciso descobrir em nós e reativar esse dom incondicional de Deus que, através de nós deve chegar a todos.
Ao dizer que é “mandamento novo”, provavelmente é um eco daquilo que os próprios discípulos percebiam como “novidade” no modo de viver do Mestre, na gratuidade e na incondicionalidade de seu amor. “Que vos ameis uns aos outros” foi, muitas vezes, entendido como um amor aos “nossos”. A partir de cada comunidade cristã, o amor deve chegar a todos. Não se trata de amar aos que são amáveis (dignos de serem amados), mas de estar a serviço de todos como se fossem nós mesmos. Se deixamos de amar uma só pessoa, nosso amor evangélico se esvazia.
Sem essa experiência de que Deus é Amor em nós, a mensagem evangélica não terá acesso ao nosso próprio ser. O amor que Jesus nos pede, não é algo que possa ter sua origem em nós. Só podemos ser espelho que reflete a essência de Deus, que é puro Amor.
Naturalmente não se pode impor o amor por decreto. O principal erro que continuamos cometendo é apresentar o amor como um preceito que vem de fora. Todos os esforços que façamos por cumprir um “mandamento” de amor estão fadados ao fracasso. O empenho está em descobrir que Deus é amor dentro de nós. Na realidade não se trata de uma lei, mas de uma resposta ao que Deus é em cada um de nós, e que em Jesus se manifestou de maneira contundente. Nosso amor será “um amor que responde a seu amor”.
O amor que Jesus nos pede deve surgir a partir de dentro, não se impor a partir de fora como uma obrigação. Trata-se de manifestar o que é Deus no fundo de nosso ser, através do nosso modo de ser e viver. É um convite a viver o que somos. Na medida em que vamos conhecendo e vivendo o que somos, o amor brota espontâneo e vai abrindo caminho de vida, despertando o amor latente nos outros.
O mandamento de Jesus não diz respeito à relação com Deus, mas à relação com todo ser humano. O que Jesus pede aos seus é um amor incondicional e a todos sem exceção. Todas as normas, todas as leis devem orientar-se a esse fim.
Antes de dizer, antes de pedir, Jesus viveu até o limite a capacidade de amar, até amar como Deus ama: “como eu vos amei”. Mas essa expressão não é comparativa, mas originante e “causal”: porque eu vos amei”. Em outras palavras: “vocês devem se amar porque eu vos amei, e tanto quanto eu vos amei”. A tradução mais justa do texto joanino poderia ser esta: “Com o mesmo amor com que eu vos amei, amai-vos também uns aos outros”.
João emprega no seu evangelho a palavra ágape, que expressa o amor sem mistura de interesse pessoal; seria o puro dom de si mesmo, só possível em Deus. A expressão “agapate” (“que vos ameis”) faz referência ao amor que é Deus, ou seja, ao grau mais elevado do dom de si mesmo. Não está falando de amor de amizade ou amor entre familiares. O amor de Deus é a realidade primeira e fundante.
Ágape é o amor divino. Esse amor é o mais raro, o mais precioso, o mais milagroso.
Assim como Jesus, que se “esvaziou de sua divindade”, o ágape se esvazia de si mesmo para dar mais lugar, para não invadir, para deixar ao outro um pouco mais de espaço, de liberdade...
Eis algumas características do ágape cristão: é um amor espontâneo e gratuito, sem motivo, sem interesse, até mesmo sem justificação... o puro amor.
Descobrir essa realidade e vivê-la é o distintivo do seguidor de Jesus. E é essa qualidade do amor o sinal decisivo pelo qual os discípulos de Jesus deverão ser reconhecidos. Os seguidores dos fariseus eram reconhecidos pelas “filaterias” que usavam; os de João Batista, por batizar, os de Jesus, unicamente pelo amor.
Podemos dizer que o amor tem coração, mãos e pés: coração cheio de compaixão e ternura, mãos que cuidam, curam, abençoam... e pés que nos arrancam de nossos lugares estreitos e nos deslocam para as margens...
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