Jesus levou-os para fora, até perto de Betânia. Ali ergueu as mãos e abençoou-os” (Lc 24,50)
Segundo o relato de Lucas, na Ascenção, Jesus “desaparece” em Deus; Ele não se afasta da humanidade, mas continua presente de uma outra maneira: junto com o Pai e o Espírito faz sua “morada” no interior de cada pessoa.
Por isso, Jesus não deixa uma estrutura religiosa organizada (com sua hierarquia, seus ritos, leis, doutrinas...); Ele deixa na terra “testemunhas”, ou seja, aqueles que comunicam a sua experiência de um Deus de bondade e contagiam com seu estilo de vida centrado no modo de agir e viver do próprio Jesus. Testemunhas, trabalhando por um mundo mais justo e humano.
Jesus conhece bem os seus discípulos; sabe que eles são frágeis e medrosos. Onde encontrarão a audácia para serem testemunhas de alguém que foi crucificado pelo representante do Império e pelos dirigentes do Templo? Jesus tranquiliza-os: “Eu enviarei a vós aquele que Pai prometeu”. Não lhes vai faltar a “força do alto”. O Espírito os defenderá.
A “ausência física” de Jesus revelar-se-á, então, como oportunidade para fazer crescer a maturidade de seus seguidores. Ele lhes deixa o dom de seu Espírito que promoverá o crescimento responsável e adulto dos seus. É inspirador recordar isso nesse momento em que parece crescer entre nós o medo à criatividade, a tentação do imobilismo, a petrificação no ritualismo e na doutrina, ou a saudade de um cristianismo pensado para outros tempos e outra cultura.
A festa da Ascenção do Senhor nos recorda que, terminada a presença histórica de Jesus, vivemos “o tempo do Espírito”, tempo de criatividade e de crescimento responsável no seguimento de Jesus. O Espírito não nos oferece “receitas eternas”. Ele nos dá luz e alento para ir buscando caminhos sempre novos e alternativos para atualizar hoje o modo de ser e agir de Jesus.
Para expressar graficamente o último desejo de Jesus, o evangelista Lucas descreve a sua partida deste mundo de forma surpreendente: Jesus volta ao Pai levantando as suas mãos e abençoando os seus discípulos. É o seu último gesto. Jesus entra no mistério insondável de Deus e sobre o mundo faz descer a sua bênção.
A Bênção atravessa toda a Bíblia, e quer atravessar também nossas vidas. Ela brota do olhar primeiro e amoroso de Deus que, admirado, viu que toda Criação era boa e preciosa. Também nossa missão, confiada pelo Ressuscitado, consiste em recuperar este olhar, esta benção original, sobre nós e sobre a terra; uma bênção que desperta admiração e assombro ao perceber a bondade e beleza no interior daqueles que não são considerados bons e dignos de beleza.
A palavra “bênção” tem um sentido amplo e direto; procede do termo latino “benedictio” e significa “dizer bem”. Mas, determinados pelo nosso contexto social e político que preza pelo ódio, preconceito, maledicência, “fake news”.., a sensação que temos é que há uma curiosidade viral, uma excitação, um prazer mórbido em “dizer mal”, destruir reputações, emitir juízos moralistas, ferir e excluir o outro que pensa, sente e ama de maneira diferente. Há uma “maledictio” (“mal-dizer”) que paira em todos os meios de comunica-ção e redes sociais, envenenando relações, rompendo vínculos, criando divisões. E tudo isso emerge da interioridade petrificada das pessoas, alimentando um fúnebre processo de desumanização. O trágico é que essas manifestações de maldição são expressas por quem se confessa seguidor d’Aquele que sempre foi presença visível da Verdade e fonte de perene Benção.
“Não há pior patologia que essa dissipação da alma, esse olhar cheio de pré-juízos que nos torna pequenos. Não há exercício mais esterilizante que essa espécie de ressentimento expresso como anátema em relação com a vida.
Somos herdeiros de uma benção. Somos a geração portadora dessa benção. Presente, passado e futuro. Somos portadores da bênção de Jesus. E a nossa primeira tarefa é ser testemunha da Bondade de Deus, manter viva a esperança, sem nos rendermos diante do “maledictio”.
Na Igreja de Jesus, temos esquecido que a primeira coisa a se fazer é promover uma “pastoral da bênção”. Somos testemunhas desse Jesus que passou sua vida semeando gestos e palavras de bênção, de bondade e de misericórdia. Assim, despertou nas pessoas da Galiléia a esperança no Deus Salvador, abriu um horizonte de sentido. Jesus era uma bênção visível e as pessoas reconheciam isso.
Somos chamados a ser presença de “bênção”. Que todos aqueles que vivem situações de desamparo, de miséria, de desamor, de indefesa, de maldição... possam sentir em nós o prolongamento da Benção do Ressuscitado; possam sentir-se bem acolhidos, bem-amados.
“Dizer bem”, “bem-dizer”, “abençoar”, é nossa vocação primordial, porque só isso desperta a consciência de que cada um de nós é portador autorizado de uma indestrutível benção, e esse é o modo de fazer justiça ao maravilhoso milagre que é estar vivos. “Dizer bem” é conectar-nos com aquela verdade mais profunda, que é o puro vínculo na ordem do ser. Sem essa ancoragem compassiva na raiz do nosso ser e no nosso modo cristificado de viver, não chegaremos a compreender verdadeiramente o enorme e misterioso pulsar da própria existência.
Cada um de nós depende daquilo que a benção desencadeia. Somos um elo na longa corrente de bênçãos; são inúmeras as pessoas que deixaram impregnadas em nosso coração a marca da bênção oblativa, aberta e desafiadora. Crescemos e amadurecemos sob o impulso da “benedictio” daqueles que conviveram ou convivem conosco. E, por isso, é tão importante buscar a benção, colocar-nos de seu lado luminoso, ativá-la e exercitá-la ao nosso redor. O tempo se ilumina quando nos deslocamos da sombra da “maledictio” e nos re-situamos na órbita da “benedictio”.
Assim se expressa a maravilhosa e antiga bênção irlandesa: “Que o caminho seja brando a teus pés,/ que o vento sopre leve em teus ombros./ Que o sol brilhe em teu rosto sem ferir-te,/ e as chuvas caiam serenas em teus campos./ E até que eu de novo te veja,/ Deus te guarde cada dia na palma de Sua mão”.
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