Um pobre, chamado Lázaro, cheio de feridas, estava no chão, à porta do rico... (Lc 16, 19)
O Evangelho deste domingo traz, mais uma vez, uma parábola escandalosa e provocativa. A parábola do rico “epulón” e do pobre Lázaro inquieta, pois nos situa diante da exigência do amor concreto e comprometido com o pobre.
A situação do pobre Lázaro é consequência do mal proceder daqueles que apodrecem em suas riquezas. Os pobres não existem “porque sim”, mas por uma deficiente partilha dos bens e de uma insensibilidade social.
A cena revela-se ainda mais dramática, quando se considera que o pobre se chama Lázaro, isto é «Deus ajuda». Não é uma pessoa anónima, mas alguém com uma história pessoal. Se para alguns Lázaro é quase invisível, a nossos olhos aparece como um ser conhecido e quase familiar, um ser querido, amado, recordado por Deus, e não um descarte humano.
O rico, ao contrário do pobre Lázaro, não tem nome. A sua opulência manifesta-se nas roupas, de um luxo exagerado. De fato, a púrpura era muito apreciada, mais do que a prata e o ouro. A riqueza deste homem é ofensiva, por ser exibida: “Fazia todos os dias esplêndidos banquetes”.
Sua personalidade vive de aparências, que escondem o seu vazio interior. A sua vida está pautada pela exterioridade, e superficialidade. O apego ao dinheiro é uma espécie de cegueira: o rico não vê o pobre esfomeado, chagado e prostrado na sua humilhação.
Esta é uma parábola provocativa de Jesus, uma advertência profunda para aqueles que, petrificados pela riqueza, acabam correndo o risco de converter a terra em um inferno. A parábola fala mais do presente que do “mais além”.
A parábola denuncia o abismo vergonhoso entre os próprios seres humanos. “Quando refletimos sobre nosso século XX, o mais grave não parece ser as ações dos maus, mas o escandaloso silêncio dos bons”.
Por que caemos tão facilmente na indiferença? Em sua redoma protetora, o rico não vê os outros a não ser quando necessita deles, considerando-os como se fossem “objetos” a seu serviço; sua capacidade de amar fica bloqueada.
O abismo que causa a dor de Lázaro é também o abismo que provoca a dor do rico. Nos dois “quadros” da parábola – simbolizados no antes e no depois da morte -, destaca-se com intensidade a ruptura como o motivo do mal. Pois bem, esta ruptura não é casual, nem é provocada por Deus, que castigaria o rico por toda a eternidade. É causada pela indiferença do próprio rico que, em sua cegueira, não “vê” o pobre jogado ao chão, à sua porta.
Em seu processo de desumanização o rico “epulón” fez das riquezas seu “deus”. Este “deus” matou seu coração, sua sensibilidade e sua humanidade; ficou sem entranhas de compaixão.
Como poderia ver aquele pobre homem desprezado ou chegar a saber seu nome, caído à porta de seu palácio esperando algumas sobras para comer? Lázaro tornou-se “invisível” para aquele que ficara cego por causa de suas riquezas.
O pobre está fora da porta, rodeado de cães da rua. O homem rico se encontra dentro de casa. Não acontece nenhuma forma de comunicação entre eles. Na primeira parte, ambos se encontravam próximos um do outro; o texto realça a distância espacial que os separa (“um grande abismo”), mas, apesar da distância eles podem se ver e escutar um ao outro. É só abrir a porta.
Muitas vezes, as portas nos protegem do encontro com o diferente. Assim, o indivíduo se torna prisioneiro de sua visão de mundo e fará de sua casa uma couraça que o protege. A riqueza pode ser um grande portão que impede ver o que há do outro lado; a púrpura e o linho podem ser um impedimento para ver os desnudos da rua; os banquetes podem obscurecer a capacidade de ver aqueles de estômago vazio, atirados à entrada do portão de casa.
O que a parábola denuncia é a falta de compaixão para com o pobre. Sabemos que a compaixão é o sinal mais claro de maturidade humana. A indiferença, pelo contrário, manifesta nossa imaturidade e atrofia nossa humanidade. A compaixão desperta o contato com a nossa própria vulnerabilidade ou fragilidade.
A indiferença é cegueira que alimenta uma insensibilidade diante da situação de penúria dos outros, petrificando-nos por dentro. Constitui um mecanismo de defesa, com o qual nos blindamos diante da necessidade e da dor dos outros: “olhos que não veem, coração que não sente”; mas, em último termo, nasce de não “saber” que o outro é o nosso espelho: nele nos vemos e nele nos sentimos interpelados. É preciso abrir as portas do coração para viver a “cultura do encontro”.
COMPAIXÃO É ABRIR AS PORTAS DA CASA E DO CORAÇÃO!
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