“Enquanto estou no mundo, Sou a Luz do mundo...” (Jo 9,5)
A cura do cego de nascença (Jo 9) revela-se como uma instigante discussão com os judeus e que começa com esta afirmação: “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8,12). Frente à cegueira cultural-religiosa, Jesus se mostra como Luz na vida. Jesus traz Luz-Vida.
Todo o relato é simbólico; as alusões ao batismo são constantes. A Igreja primitiva chamava o batismo “photismós”, que significa “iluminação”.
Este cego de nascença representa toda a humanidade, porque todos somos cegos enquanto não acolhamos Aquele que é Luz. E esta cegueira impede ver a verdade que nos faz livres. Somos cegos quando nos petrificamos no fanatismo, na intolerância e na resistência em perceber a luz que habita naquele que pensa e sente de maneira diferente.
“Jesus ia passando, quando viu um cego de nascença”. O “passar” é uma evocação do caminho do Êxodo, caminho de liberdade. Jesus é Luz que “passa” em meio da marginalidade e da exclusão, reacendendo a luz da esperança e da vida em cada pessoa.
Jesus é a “Luz que toca”; aqui aparece, com muita força, o símbolo do contato físico. O contato nos faz despertar. Existe a idade da palavra, a do ouvido, a do olhar... mas neste momento Jesus se detém na idade do contato; é a idade da comunhão, a idade da ternura materna. O caminho do tato é o da mais profunda comunhão. Jesus tocava pessoas feridas, quebradas... e sua gestualidade prolongava o sexto dia da Criação.
Sabemos pouco da riqueza de nosso contato. O contato nos cura. É um caminho de comunicação maravilhoso. Na enfermidade, muitas pessoas não buscam mais que o contato. Um verdadeiro contato nos envia sempre para dentro. Não é o contato da pele, mas o que nos põe em marcha para nosso interior.
No encontro com Jesus, o doente entra em contato consigo mesmo, com as fontes interiores que o Pai lhe deu: estas são as fontes das forças de autocura, de dons e habilidades, de força e de esperança.
Jesus não explica, não faz uma teoria sobre a origem da cegueira (quem pecou?). Realiza algo muito maior: ajuda o cego, afasta-o da cidade alta (dominada por sacerdotes e escribas) e o convida a descer à fonte da vida, abaixo, no manancial de Siloé, que é sinal profético de abundância e de iluminação futura.
Este cego é o homem que não consegue ver desde o nascimento; não se trata de pecado, mas da própria situação vital, da cegueira humana que se expressa, de um modo claro, neste ser humano.
O relato de João é um “texto de rebelião”, um texto que denuncia toda religião que aprisiona as pessoas nas trevas do sentimento de culpa, de medo e de impotência. É o testemunho de Jesus que se rebela contra aqueles que querem manter as pessoas cegas, travando a verdadeira identidade delas que se revela como participação na luz divina, presente no interior de cada uma.
Contra tal situação Jesus diz ao cego de Siloé que se rebele, que não permaneça cego à beira do caminho, que veja por si mesmo, que decida, que confesse sua nova liberdade mesmo que isto lhe custe a rejeição das autoridades religiosas, inclusive de seus próprios familiares.
Junto ao cego de nascença se faz visível o pecado de todas as pessoas que não lhe ajudam, que o submetem às suas leis e conveniências. Pois bem, Jesus não consola o cego, mas lhe diz para ser ele mesmo, que assuma sua própria vida, que desça à água, que se purifique... Jesus mesmo põe barro nos olhos do cego (terra com saliva, alento vital) e lhe diz que vá, que veja, que não tenha medo, que assuma seu destino...Ativa no cego sua autonomia para que ele seja autor de sua própria vida, inclusive correndo riscos de ser rejeitado.
Pouco a pouco, o mendigo vai ficando sozinho. Seus pais não o defendem; os dirigentes religiosos o expulsam da sinagoga. Ao ver a realidade com o novo olhar que Jesus lhe ofereceu, já não cabia dentro da sinagoga, lugar de uma atrofiada visão de Deus e da vida. O cego experimentou o amor gratuito e libertador. Do mesmo modo que Jesus teve que sair do templo, o cego que recebeu a luz, foi expulso da sinagoga.
Todos levamos dentro resquícios de trevas, espaços onde ainda não deixamos entrar a luz.
Por um lado, temos a luz, a visão e a vida. Por outro, as trevas, a cegueira e a morte. No meio, a longa gestação da luz dentro de nós, que pode progredir na visão de Deus e do mundo como o cego curado, ou que pode crescer também na cegueira das trevas como as autoridades que negam o evidente. Este é o dilema: “Ver ou perecer”.
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